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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(226) O futuro da civilização humana

Tempo estimado de leitura: 12 minutos.

 

“Humano”, poderá ser definido como sendo um ser da espécie Homo sapiens sapiens, ou de outras espécies suas descendentes quer por via de deriva genética, por processos de engenharia genética, ou ainda por seres não biológicos (robôs) construídos pelo Homo sapiens sapiens ou pelos seus descendentes genéticos, que poderão serem capazes de dar continuidade à civilização no futuro.

 

Com os seus 4.500.000.000 de anos, a Terra só começou a ser habitada pelos modernos humanos, nós, vai para 200.000 anos.

 

A civilização humana só pode seguir quatro classes de trajetórias: trajetórias de status quo, trajetórias de catástrofe, trajetórias de transformação tecnológica e trajetórias astronómicas.

 

O que daqui se pretende que depreendamos é que independentemente de qualquer ética, o resultado, mais milhão ou menos milhão de anos, será sempre o mesmo.

 

Que fará então esse muito pequeno grupo que decide por nós? Empalam-se humanamente uns aos outros, o que, convenhamos, até será difícil de fazer com os exoesqueletos que os mantêm em pé.

 

 

 

 

 

Com os seus 4.500.000.000 de anos, a Terra só começou a ser habitada por nós, modernos humanos, vai para 200.000 anos. Embora o futuro da civilização humana não possa ser previsível com exatidão (O que acontecerá? Quando acontecerá? Como acontecerá?), ele pode, apesar de tudo, ser equacionado a longo prazo (um milhão, um bilião, um trilião de anos), tendo em consideração alguns parâmetros possíveis de considerar realistas.

Os caminhos que a civilização humana pode seguir resumem-se a quatro classes de trajetórias:

 

  1. Trajetórias de status quo, em que a civilização humana prossegue pelos mesmos caminhos que tem vindo a trilhar até aqui.
  2. Trajetórias de catástrofe, nas quais um ou mais acontecimentos provocam um mal significativo à civilização humana.
  3. Trajetórias de transformação tecnológica, nas quais novas transformações tecnológicas radicais colocam a civilização humana num caminho fundamentalmente diferente.
  4. Trajetórias astronómicas, nas quais a civilização humana se expande para outras porções do cosmos para além da Terra.

 

Estas trajetórias podem ocorrer conjuntamente, como, por exemplo, no caso de uma grande transformação tecnológica que tanto poderá conduzir a uma catástrofe como a uma expansão astronómica.

 

Comecemos por clarificar os conceitos de “humano” e “civilização humana”. Para um período tão largo de tempo, “Humano” poderá ser definido como sendo da espécie Homo sapiens sapiens, ou de outras espécies sua descendentes quer seja por via de deriva genética, por processos de engenharia genética, ou ainda por seres não biológicos (robôs) construídos pelo Homo sapiens sapiens ou pelos seus descendentes genéticos, que poderão serem capazes de dar continuidade à civilização no futuro. (1)

 

A definição de “civilização humana” é feita tendo em consideração o que entendemos serem hoje os seus atributos, tais como sejam a população, a produção económica, a qualidade da vida, a segurança, os recursos naturais selecionados e outros parâmetros ambientais, e tendo ainda atenção ao facto de nada nos dizer que serão estes mesmos atributos que estarão presentes nas trajetórias de longa duração. Até o próprio conceito de população poderá ser outro, uma vez que a civilização futura pode ser liderada por qualquer outra entidade que não seja o Homo sapiens sapiens.

 

Para a consideração de trajetórias de mais curta duração, a seleção dos atributos deve ainda entrar em linha de conta com fatores éticos, porquanto se pensa que conforme as decisões tomadas, assim o futuro poderá ser alterado. Por exemplo:

  1. Reduzindo o risco de extinção humana, dado que a extinção resultaria na perca de todas as futuras gerações.
  2. Reduzindo o risco de grandes catástrofes que conduziriam à perca da civilização humana avançada.
  3. Acelerando os avanços tecnológicos e garantindo que eles melhorariam o bem-estar.
  4. Acelerando a colonização do espaço e garantindo que tal melhoraria o bem-estar.
  5. Melhorando o bem-estar de curta duração, uma vez que para as trajetórias de longa duração tal não faria diferença, porque se desconhece ou não se sabe bem qual o efeito que tais decisões possam provocar nas trajetórias de longa duração.

 

Trajetórias de status quo

 

Estas trajetórias implicam que a atual civilização continue na sua forma existente até a um futuro de longa duração. Tal não significa que permaneça exatamente na mesma forma atual, mas que não sejam introduzidas transformações radicais que impeçam que os atuais residentes deixem de reconhecer a civilização em que estão.

Um exemplo quantificável: a população humana tem vindo a aumentar a uma razão decrescente. E, segundo as Nações Unidas, a população em 2100 deverá oscilar entre os 9,5 biliões e os 13,5. Qualquer destas trajetórias são perfeitamente integradas como satus quo.

Um exemplo ético menos quantificável: a população de gado existente é bastante maior que a população humana. As Nações Unidas estimam que 68 biliões de animais não-humanos foram mortos em 2012, grande parte deles em degradantes condições de vida e abate. Contudo, quer através da reprodução “in vitro”, quer através de produtos de substituição, a produção de carnes pelas quintas industriais tem vindo a alterar o panorama do sofrimento infligido aos animais de abate. Este   exemplo de alteração civilizacional pode também ser perfeitamente acomodado nas trajetórias de status quo.

 

Portanto, o conceito de trajetórias de status quo permite algumas alterações de atributos importantes, mas não a de alterações extremas que possam ser possíveis.

 

Contudo, a longo termo, estas trajetórias de status quo, por mais resilientes que sejam, têm tendência a transformarem-se ou a desaparecer. Até porque se nada acontecer, a civilização humana desaparecerá dentro de poucas centenas de milhão ou de bilião de anos, quando o Sol começar a aquecer mais e a aumentar de tamanho, tornando a Terra inabitável.

 

Trajetórias de catástrofe

 

As mais simples de analiar das trajetórias de catástrofe são as que envolvem a extinção da humanidade. Nestes casos, todos os atributos básicos da civilização humana, população, produção económica, e qualidade de vida, caem para zero. Mais complexos são os casos em que alguns humanos sobrevivem, mas numa forma qualitativamente diferente da civilização do status quo.

Entre os perigos que levem a uma extinção dos seres humanos, contam-se a guerra nuclear, a colisão entre a Terra e um grande asteroide ou cometa, uma enorme erupção vulcânica, o aquecimento global, uma inteligência artificial descontrolada, experiências científicas desastrosas, e cenários que envolvam múltiplas catástrofes.

 

Por exemplo, experiências físicas desastrosas que alterem a vizinhança astronómica, tornando a vida na Terra impossível, levarão à extinção total e imediata da vida humana. Já outras catástrofes, como guerra nuclear, colisão com asteroides, vulcões, levarão ao bloqueamento da luz solar, ao desaparecimento da agricultura, mas algumas pessoas poderão sobreviver com comida armazenada ou com comida obtida através da biomassa ou de combustíveis fósseis.

 

O destino da população sobrevivente poderá influenciar as trajetórias de longo prazo. Conseguirão sobreviver por muito tempo ou acabarão por morrer mais cedo? Conseguirão erguer de novo uma civilização idêntica (status quo) à que tinham antes da catástrofe, ou vão conseguir uma transformação tecnológica ou uma colonização do espaço?

 

Uma das variáveis importantes nas trajetórias de catástrofe é a da velocidade da catástrofe. As guerras nucleares ou pandemias provocam imensos danos na civilização humana num curto espaço de tempo. Já outras, como o aquecimento global ou o esgotamento de certos recursos naturais, ocorrem mais lentamente, dando mais tempo aos humanos para se adaptarem às novas condições.

Podem-se, pois, tipificar algumas catástrofes, distinguindo entre as que provoquem uma extinção total, uma sobrevivência sem agricultura nem indústria, uma sobrevivência com agricultura, mas sem indústria, e uma sobrevivência com agricultura e indústria.

Todas as sobrevivências que não recuperarem a indústria, estarão condenadas à extinção por não conseguirem as condições para a transição para a transformação tecnológica /ou astronómica.

 

Imediatamente após a catástrofe, os sobreviventes necessitam de assegurar as necessidades básicas, água e comida. A maior parte da população humana obtém essas necessidades da civilização: como não as produzem por si próprios, vão enfrentar grandes dificuldades. Se o abastecimento de água e comida continuarem a ser providenciados, então uma grande parte da população poderá sobreviver.

Mas, se a civilização falhar, então a população sobrevivente estará entre o grupo de agricultores, caçadores, coletores, habituados a procurarem o seu próprio sustento. Ou seja, sobreviverão os mais pobres.

 

Outro grupo que pode sobreviver é o dos que se prepararam para a catástrofe: militares nos bunkers, grupos civis de “sobrevivencialistas” (preppers). Terão grandes quantidades de água, comida, medicamentos, sementes, ferramentas, e importantes meios de comunicação/informação.

Quanto maior tiver sido a preparação da sociedade, maior será o número de sobreviventes, tudo isto também dependendo da especificidade da catástrofe. Por exemplo, as guerras nucleares destruirão a quase totalidade do tecido urbano. As pandemias deixarão intactas as infraestruturas, e terão efeitos reduzidos em algumas áreas, como sejam ilhas remotas e áreas muito pouco habitadas.

 

A população que conseguir sobreviver logo após a catástrofe, enfrentará grandes problemas, mas, essencialmente, a sua trajetória irá depender da capacidade para se reproduzir. Se a população for muito pequena, ou pouco saudável, ou de idade avançada, ou com distribuição inapropriada de género, a sua capacidade de sobrevivência será nula.

A probabilidade de sobrevivência e progresso aumenta com o tamanho da população. Estima-se (há várias hipóteses) que a população mínima viável varie entre 150 e 40.000, dependendo de o meio ser mais ou menos favorável.

 

Mesmo sendo minimamente viável, põem-se de seguida outras ameaças como as doenças, desastres naturais, lutas internas, que faz com que populações pequenas em áreas remotas ou em pequenas ilhas não possam enfrentar o desafio de sobreviver por milhares ou milhões de anos. Só as que vivam em grandes áreas, nos continentes ou perto, poderão sobreviver: são as únicas que dispõem de terra em abundância para agricultura.

 

Até hoje, a agricultura desempenhou um papel primordial no desenvolvimento da civilização humana, pelo que será difícil imaginar a sobrevivência numa situação pós-catástrofe sem agricultura. Catástrofes que enviem partículas para a atmosfera, como guerra nuclear, erupções vulcânicas, colisão com asteroides, fazendo baixar as temperaturas e reduzindo a luz solar e a precipitação durante anos, podem ter efeitos catastróficos para a agricultura.

Três casos se podem dar: a agricultura não se ter perdido: a agricultura ter-se perdido, mas ter-se conseguido recuperá-la; a agricultura perdeu-se, e não foi possível recuperá-la. Se a agricultura não se conseguir recuperar rapidamente, então o seu futuro dependerá das flutuações do clima da Terra.

 

Nos últimos milhões de anos, o clima flutuou entre períodos de frio (glacial) e de quente (interglacial), que se sucederam ocorrendo cada 100.000 anos, com a duração de 15.000 anos. Atualmente a Terra está num período interglacial, o Holoceno, que começou há 10.000 anos. Pode-se argumentar que o aparecimento da agricultura, no caso da civilização o permitir, coincidiu com o clima favorável do Holoceno.

Contudo, no caso de acontecer uma catástrofe, as condições do Holoceno podem-se modificar: diferentes concentrações de gases pelo efeito de estufa, aumentando as temperaturas, provocando desertificações e aparecimento de novas doenças, libertação de metano acumulado nos oceanos e carbono das tundras.

 

A atual civilização, para além da agricultura, depende também em elevado grau, da indústria. A indústria aparece depois da agricultura ter possibilitado a acumulação de excedentes. Portanto, uma catástrofe que perca a agricultura, perderá também a indústria. Mas, uma catástrofe que perca a indústria, não significa que perca a agricultura. Se se conseguir desenvolver de novo a agricultura, é provável que se lhe siga a indústria.

 

Mas tal não é certo, e isto porque ao longo de toda a história da humanidade até agora, a indústria apenas se desenvolveu uma vez, na Grã-Bretanha, só depois se espalhando para o mundo. Chineses, gregos, romanos, indianos, todos eles grandes civilizações agrárias intelectualmente avançadas, nunca desenvolveram a indústria. O que pode levar a concluir que o aparecimento da indústria é menos uma inevitabilidade e mais uma coincidência histórica.

Fatores como o preço do trabalho, energia barata, capital financeiro, o Iluminismo, a revolução científica, e outros, podem ter estimulado a invenção e a disseminação das tecnologias industriais, originando a Revolução Industrial. O problema é que quanto maior for o número de fatores que lhe tenham dado origem, mais difícil se torna que se venham a repetir e a ocorrer num tempo futuro.

Para além do mais, os recursos não serão já os mesmos, uma vez que o carvão e o petróleo já estarão esgotados, bem como os jazigos de metais. Ou seja, será pequena a probabilidade de se recuperar a indústria tal como a concebemos hoje.

 

Trajetórias de transformação tecnológica

 

Dado que se estão a produzir na trajetória de status quo em que estamos inseridos rápidas mudanças tecnológicas, torna-se difícil distinguir entre ela e a trajetória de transformação tecnológica. Contudo, uma trajetória de transformação tecnológica implica uma muito maior e profunda transformação que, a ser seguida, colocará a civilização humana numa fase de desenvolvimento totalmente diferente. Entra aqui o conceito de “singularidade tecnológica”, que poderá ser bom ou mau, dependendo do que vier a acontecer e das perspetivas éticas de cada um. (2)

Estas transformações tecnológicas, terão mais impacto em três áreas: nanotecnologia, biotecnologia e inteligência artificial.

 

A nanotecnologia, tecnologia de componentes à escala de nanómetros, tem grande aplicação nos têxteis, medicina, e na criação de novos materiais pela manufatura atomicamente precisa (APM, atomically precise manufactoring). O seu impacto pode ser positivo, para garantir a segurança alimentar, para o tratamento de doenças, para a diminuição do aquecimento global (construção de objetos que removam dióxido de carbono da atmosfera), criação de novos materiais para foguetões e naves espaciais, ou negativo, ‘melhorando’ a produção de armamentos.

 

A biotecnologia tem sido especialmente usada no gado e nas colheitas, mas está a estender-se no sentido de modificar ou ‘melhorar’ a natureza humana, tornando-a não só mais capaz fisicamente como intelectualmente. Se for nesse sentido, acabaremos por ter numa mesma civilização, um ou mais novos tipos de seres que poderão ultrapassar os atuais humanos em muitas especialidades ou campos de atividade.

 

A inteligência artificial (IA) tem-se vindo a introduzir em muitos sectores da atividade humana, medicina, transportes, finança, militares, etc. Mas a IA aspira a muito mais: ultrapassar a humanidade, alcançar a superinteligência, que lhe permita alterar o mundo. Dependendo dos detalhes da sua introdução, ela tanto pode vir a ser transformativa da civilização humana ao resolver muitos dos seus problemas, como pode vir a ser a causa da sua destruição em massa.

 

A combinação destas tecnologias pode dar origem a transformações inesperadas, como a resultante da intersecção entre a IA e a biotecnologia ao considerar a possibilidade de descarregar a mente humana (mind uploading) transferindo-a para computadores digitais, dando origem a uma diferente, nova e radical civilização humana.

Podem também dar origem a catástrofes, como no caso da utilização da nanotecnologia para a produção de armamentos propiciando mais guerras, da biotecnologia para a produção de agentes patogénicos mortais, e da IA para a produção de desastres incontroláveis.

Se estas tecnologias transformativas forem controladas apenas por uma pequena parte da população humana, então poderão ser utilizadas apenas para seu benefício próprio. Se estas tecnologias transformativas puderem tornar-se autónomas, controlando-se a si próprias, poderão infligir danos incalculáveis.

 

 Na melhor das hipóteses, essas alternativas tecnológicas, mesmo sem se considerar a colonização do espaço, poderão transformar a humanidade numa outra superior, o que poderia constituir um valor agregado para a Terra.

 

De qualquer das formas, a muito longo prazo, qualquer civilização que permaneça apenas na Terra, estará limitada. A Terra é limitada em volume, na massa e distribuição atómica de matéria, na quantidade recebida de radiação solar, e no seu tempo de habitabilidade. Sem colonização espacial, por maior bem-estar que uma trajetória de longa duração possa proporcionar, ela desaparecerá quando a Terra se tornar inabitável.

 

Trajetórias astronómicas

 

Apesar das explorações à Lua e a Marte (e outras do mesmo género que se lhe seguirão), essas missões, como estão sempre dependentes da Terra, quando a civilização da Terra se extinguir, também elas desaparecerão, pelo que de pouco servirão para as desejadas trajetórias astronómicas de longo termo da civilização humana.

Colónias espaciais autossuficientes, formadas por um número reduzido de habitantes, embora inicialmente dependentes da Terra, poderão gradualmente tornarem-se autossuficientes. Se se localizarem a uma distância maior que a Terra tem do Sol, ou à volta de outras estrelas, terão ainda mais hipóteses de sobrevivência.

 

Para que estas pequenas colónias extraterrestres se consigam expandir, terão de seguir dois tipos de projetos: a ‘terraformação’, pela criação de atmosferas habitáveis nesses corpos extraterrestres, o que lhes permitirá expandir essas colónias para o exterior dos locais primitivos de residência, ou, alternativamente, que a mente humana consiga ser descarregada para computadores digitais ou substituídos por IA, e neste caso não será necessária a terraformação para se formarem grandes colónias extraterrestres.

Se a civilização humana optar pela forma digital em vez da biológica, e se a colonização conseguir alcançar corpos extrassolares, as oportunidades de colonização e expansão poderão ser enormes. Quão enormes?

 

Numa primeira hipótese, a expansão através do cosmos poderá continuar para sempre. Numa segunda hipótese, ao atingir todos os planetas habitáveis da galáxia ou de todas as galáxias habitáveis do universo, a civilização não terá mais para onde se expandir.  Numa terceira hipótese, a expansão do universo fará com que algumas galáxias se afastem de tal maneira, que serão inatingíveis, pelo que a civilização atingirá o seu limite. Numa quarta hipótese, o cosmos pode tornar-se inabitável devido a processos físicos, como uma morte por aquecimento, decaimento de protões (desaparecimento da matéria), ou outro processo, o que levará ao fim das colónias.

 

Especulando um pouco mais, pode-se sempre por a hipótese da civilização se deslocar para outros universos, que ainda não se conhecem nem se sabe que existam, e que garantiriam a sobrevivência infinita da civilização humana, seja ela o que na altura for.

 

No entretanto, e como linha geral, passar-se-á o seguinte: tal como para o início da civilização na Terra, qualquer região finita do cosmos terá uma capacidade finita para sustentar a civilização humana. E qualquer civilização com uma capacidade exponencial para se expandir, atingirá esse limite de sustentabilidade humana antes dessa região se tornar inabitável, devido ao esgotamento de recursos e/à competição entre populações.

Pelo que a competição entre as escalas astronómicas deverá seguir o mesmo modelo da observada entre nações à escala terrestre, acabando por lançar planetas ou sistemas solares uns contra os outros. A verdadeira guerra das estrelas.

Sendo o espaço exterior um ambiente muito mais hostil que a Terra, é também possível que se desenvolvam regimes opressivos e se instalem conflitos negativos, que acabem por levar à destruição da civilização.

 

Conclusão

 

Todas estas hipóteses aqui aventadas, encontram-se devidamente fundamentadas matematicamente (dentro das possibilidades possíveis) nas exposições e artigos divulgados na Workshop on Existential Risk to Humanity, realizada em setembro de 2017 na Chalmers University of Technology, e nos Proceedings do First International Colloquium on Catastrophic and Existential Risk, realizado em março de 2017 na UCLA.

 

Uma das conclusões básicas presentes é que a civilização humana do status quo dificilmente conseguirá persistir a longo prazo. É mais provável acabar catastroficamente, ou expandir-se dramaticamente. A longo prazo, parece que a civilização humana deixará de existir.

Contudo, se conseguirmos evitar a extinção a curto prazo (guerra atómica, aquecimento global, pandemias), e se conseguirmos colonizar o espaço, na melhor das hipóteses, isto só acontecerá ao fim de muito tempo. Extinção a longo prazo. No entretanto, a civilização poderá seguir uma série de trajetórias, desde a de sobrevivência da agricultura ou da indústria, até à da extensiva colonização do cosmos.

 

 

O que até aqui tem sido exposto, segue a versão de uma ética(moral) meramente utilitarista, tão de acordo com os agentes do poder dominante, segundo a qual  o que se se pretende levar a depreender é que, independentemente de qualquer ética, o resultado, mais milhão ou menos milhão de ano, será sempre o mesmo.

 

E que, segundo a qual, a única hipótese para a civilização humana sobreviver mais tempo dependerá sempre da boa vontade e do benefício de um pequeno grupo que controlará a catástrofe sempre iminente, que investirá todo o nosso dinheiro nessas tentativas.

A nós caberá desaparecer mais tarde ou mais cedo, tomarmos pílulas para trabalharmos o tempo inteiro ou para suportarmos condições adversas de temperatura, pressão, humidade, para dormirmos séculos, para deixarmos de comer refeições substituídas por comprimidos, para deixarmos de ter relações sexuais por serem muito desgastantes e darem muito trabalho, por alterarmos o nosso esqueleto para nos adaptarmos ao espaço e às várias gravidades, por clonarem a nossa mente a computadores, etc.

Que fará então esse muito pequeno grupo que decide por nós? Empalam-se humanamente uns aos outros, o que, convenhamos, até será difícil de fazer com os exoesqueletos que os mantêm em pé. (3)

 

 A relativização da ética acompanha sempre a relativização do ser humano.

 

 

 

 

Notas:

  • Fundamental ler o pequeno e excelente estudo de Américo Pereira, Da Essência do Humano (Considerações sobre o que é ser essencialmente humano, a partir do filme Artificial Intelligence),

(http://www.lusosofia.net/textos/americo_pereira_da_essencia_do_humano.pdf).

 

  • Para mais informações sobre o SixtSense, o ‘interface gestual’ desenvolvido no Media Lab do MIT por Pranav Mistry, a “biologia sintética” de John Craigh Vender,  o “transumanismo” da World Transhumanist Association fundada em 1998 por Nick Bostrom e David Pearce, a “tecno gnose” do New Age anunciada no livro O Símbolo Perdido de Dan Brown, a “ecologia espiritual”, sugiro também a leitura do meu blog de 14set2016, “Mecanismos de dissimulação e de autoilusão”, (https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/mecanismos-de-dissimulacao-e-de-20788), ou aguardar pelo próximo blog.

 

  • Os Peter Weyland tão bem caracterizados por Ridley Scott no Prometheus.

 

 

Bibliografia:

                 Sugiro a boa bibliografia selecionada pelos autores do artigo “Long-Term Trajectories of Human Civilization”, publicado no Foresight 21 (1):53-83 (2019) e que aqui poderão consultar:

 

 

(225) Saltemos, permanecendo. O “que somos”, “quem somos”.

Tempo estimado de leitura: 6 minutos.

 

 

Não devemos esquecer que a evolução é um processo sem sentido, sem lógica e sem planeamento.

 

Hoje, na nossa sociedade, perante circunstâncias aparentemente idênticas, que se acreditam como não tendo saída, em vez de Apocalipses temos Distopias.

 

Vivemos numa civilização que se diz ocidental, por se achar à esquerda e à direita da dita oriental, assim dita por se achar à direita e à esquerda da dita ocidental, fazendo ainda juz à crença visível da deslocação do Sol em volta da Terra.

 

A forma como respondermos, a ambiguidade em que cairmos, a distância em que nos colocarmos perante o sermos natureza ou cultura, animalidade ou história, sobre lei natural ou lei moral, carne mortal ou filhos de um deus, marcará a civilização a que pertencermos, Marina Garcés.

 

 

 

 

 

 

Aquele que foi o enorme império de Alexandre Magno, acabou, após a sua morte, dividido entre os seus principais generais. Um deles, Seleuco Nicator, que ficara com um território-reino que se estendia da Bulgária ao Afeganistão, resolveu iniciar um novo sistema numérico de contagem do tempo, que fosse irreversível e contínuo, e independente do poder político e de acontecimentos extraordinários.

 

Recordemos basicamente os três sistemas para a localização temporal dos acontecimentos que até aí se usavam: atribuição, pelo monarca, de um nome relacionado com um acontecimento excecional ocorrido nos doze meses precedentes (ex. “o ano em que Naram-Sin chegou à nascente do Tigre e do Eufrates”); utilização de um epónimo, nome de uma personagem real ou mítica (ex. “ano de Péricles”); utilização do nome do monarca com o número de anos de reinado (ex. “no sétimo ano do reinado de Nabucodonosor”).

 

Em qualquer destes sistemas, o que era fixado eram acontecimentos geograficamente localizados e não datas que nos permitissem localizá-los no correr da história.

 Note-se, por exemplo, a grande dificuldade do historiador Tucídides para nos indicar a data em que ocorrera a Guerra do Peloponeso entre Esparta e Atenas:

 

A “Paz dos Trinta Anos”, que entrou em efeito após a conquista de Eubeia, durou 14 anos; no 15º ano, durante o 48º ano do religioso Crícias de Argos, e quando Anesias era magistrado em Esparta, e quando ainda faltavam dois meses para acabar o magistratura de Pythodorus em Atenas, seis meses após a batalha de Potideia, e no começo da primavera, uma força de Tebas com mais de 300 fortes homens armados … entrou  em Plateia, uma cidade da Beócia aliada de Atenas.”

 

Hoje, bastar-nos-ia dizer que tal acontecera em 431 a. C.

 

Seleuco, começou por atribuir o Ano 1 da Era Selêucida ao ano em que chegara à Babilónia (311 a. C.). A partir daí, a contagem far-se-ia sempre pela adição de mais um por cada ano que passasse. Assim, quando lhe sucedeu o seu filho, Antíoco, a contagem vinda do anterior continuou. Não houve qualquer paragem ou reinício, nem qualquer conexão com acontecimentos políticos ou com o ciclo de vida de monarcas ou conquistadores (não se iniciou uma nova contagem como sendo a ano 1 de Antíoco).

 

Muito provavelmente, a intenção de Seleuco era arranjar um sistema que lhe permitisse à distância correlacionar acontecimentos, tornando possível uma resposta e um governo mais eficaz para um território tão vasto.

 

E, dadas as vantagens que tal sistema tinha, acabou por ser seguido por outros poderes, embora com adaptações: o Anno Mundi, (AM), ou Ano da Criação judaico; o Anno Domini, (AD), Ano Cristão do Nosso Senhor, Era Comum da cristandade ocidental; a Hégira islâmica; e outros.

 

Esta aparentemente simples imposição, trouxe, contudo, grandes implicações e alterações na sociedade.

Implicações imediatas e práticas, hoje tidas como banais e naturais, começaram a surgir, alterando por completo a sociedade da altura: as inscrições na cunhagem das moedas, inscrições na construção de edifícios, nas oferendas aos templos, nos decretos civis, nas lápides, nos recibos de impostos, nos relatos da astronomia, nos contratos de casamento, e em muitos outros acontecimentos da vida diária das populações.

 

Implicações não previsíveis, e das quais talvez a mais importante, foi a que permitiu que pela primeira vez se pudesse conceber, com um certo grau de precisão, a previsão da localização de um acontecimento no futuro, fossem alguns anos ou décadas, ou mesmo até séculos.

Ao se apreender melhor a duração da história e da passagem do tempo, o quadro da nossa experiência do presente altera-se, permitindo-nos conceber um futuro, recordar o passado, reconciliar-nos com a impermanência, e com um mundo muito maior, mais antigo e mais durável.

 

Aquela limitação, aquele muro que constituía o “ciclo do monarca”, desaparecia, era derrubado: passava a haver mais mundo para além dele. Havia uma abertura.

 

Mas esta abertura dos tempos para a frente, trouxe também consigo, a abertura dos tempos para trás, com o aumento inexorável na atribuição de datas. O reconhecimento de uma sucessão de reinos ou de períodos históricos existentes antes do império Selêucida. O que, consequentemente, implicava o reconhecimento dos seus desaparecimentos.

 

Curiosamente, os estudiosos fazem-nos notar que só a partir da institucionalização da Era Selêucida, é que começou a aparecer a literatura dita dos fins-dos-tempos, a chamada “escatologia apocalítica”.

E, apresentam uma outra razão para o seu aparecimento: segundo eles, a institucionalização do tal sistema de contagem de tempo irreversível, infinito e transcendente, levou as pessoas a começarem a ver o império Selêucida como interminável, sem escapatória, pelo que a única saída que encontravam para lhe resistir e lhe pôr fim, era acabar com o tempo.

 

 Para nós, o mais famoso desses escritos é o “Livro de Daniel” (para o caso não interessa a polémica sobre a falsa autoria e época em que foi escrito, ver Frederico Lourenço, Bíblia, volumeIII, Antigo Testamento, Os Livros Proféticos, p. 935) contido na Bíblia Hebraica, onde são apresentados os quatro sucessivos impérios que dominaram a história e a sua destruição: Babilónio, Medo, Persa e Selêucida. Até que finalmente se dará o aparecimento do império do Senhor Deus do céu, que jamais será destruído e que durará para sempre.

 

A grande importância desse escrito é apresentar a história como uma totalidade fechada e ordenada, como um todo completo, exterior ao tempo. Contrariamente ao tempo selêucida que não passava de uma mera passagem de tempo, aqui tudo está incluído, inclusivamente com o futuro já bem determinado.

A história que acontece e que está a acontecer, está encaminhada para uma determinada conclusão. Todos os acontecimentos, por mais díspares que nos possam pareçam, fazem parte de uma só história, uma história total, que convergem para um mesmo fim.

 A história como revelação, como representação de um tempo providencial, conforme com o reinado prometido de Deus. É o aparecimento do conceito de teleologia, da história tendo como finalidade a realização do Reino de Deus.

Daniel, não tem dúvidas:

 

“Então Daniel louvou o Senhor Altíssimo e, falando em voz alta, disse:

‘O nome do grão Senhor será louvado para sempre, Porque d’Ele é a sabedoria e a grandeza. E Ele muda ocasiões e tempos, Depondo e pondo reis “

 

Hoje, na nossa sociedade, perante circunstâncias aparentemente idênticas, que se acreditam como não tendo saída, em vez de Apocalipses aparecem as Distopias.

 

Saltemos, permanecendo.

 

 

Atualmente, com um conhecimento mais alargado sobre a nossa permanência na Terra, julgamos definirmo-nos melhor através da formulação das interrogações sobre “Quem somos?”, e “O que somos?”.

 

Ao “quem somos?”, respondemos que somos a humanidade, somos pessoas, somos uma multiplicidade de grupos étnicos ou culturais, somos a soma de todos os indivíduos ou somos cada um de nós em guerra contra todos os outros. Uma multiplicidade de opções.

Já quanto ao “que somos?” a resposta vulgarmente aceite é muito mais objetiva: somos uma determinada espécie animal entre as outras. E para a catalogar, desfiamos uma série de conhecimentos científicos, representações artísticas e técnicas de gestão da própria vida da espécie.

 

“A forma como respondermos, a ambiguidade em que cairmos, a distância em que nos colocarmos perante o sermos natureza ou cultura, animalidade ou história, sobre lei natural ou lei moral, carne mortal ou filhos de um deus, marcará a civilização a que pertencermos.”

 

Na nossa civilização, acreditamos que a humanidade é livre, ao contrário da espécie humana que o não é. A humanidade delibera e atua, a espécie humana reproduz-se, cresce e morre. A humanidade é um nós que faz a história, fazendo de si mesma um valor e um projeto. A espécie humana é a matéria prima que, ao mesmo tempo que realiza esses projetos, mostra-nos os seus limites e fenece.

 

Na nossa civilização que se diz ocidental, por se achar à esquerda e à direita da dita oriental, assim dita por se achar à direita e à esquerda da dita ocidental, fazendo juz à crença na deslocação do Sol em volta da Terra, esta visão dualista tem perdurado e tem sido a sua coluna vertebral.

 

Acontece que hoje, ao reconhecermos que as alterações climáticas, bem como o esgotamento dos recursos do planeta que se estão a verificar, têm sido causadas pela intervenção humana, teremos de concluir que é a própria vida da espécie humana, agente das principais transformações físicas do planeta, que é o agente das condições históricas e sociais da atual e futura humanidade.

 

Ou seja, a humanidade, ao não respeitar os limites dessa visão dualista em que até agora vivíamos, ao não respeitar os limites entre os humanos como seres naturais e o nós da humanidade como seres históricos e morais, arrisca-se a ultrapassar a baliza dos limites vivíveis do mundo.

 

Pelo que talvez fosse interessante começarmos a aprender a pensar para além dessa visão dualista prevalecente, que nós somos também, histórica e politicamente, a espécie. O “que somos” é agora também “quem somos”.

 

 

Convém, contudo, não esquecer que, por mais bem-intencionados e pensantes que sejamos, estamos sempre a pronunciarmos sobre as balizas que nós próprios temos vindo a construir.

E, sobretudo, não esquecer que a evolução é um processo sem sentido, sem lógica e sem planeamento.

 

(224) A albarda e os donos

Tempo estimado de leitura: 8 minutos.

 

Pode legalmente o patrão obrigá-la a usar soutien no local de trabalho?

 

O empregado terá de ter coberta uma área entre as clavículas e os joelhos, ou a parte superior do tronco por baixo das clavículas, não podendo os mamilos serem visíveis, Susan Scafidi.

 

O patrão, o chefe, o empregador, pode sempre obrigar o empregado a usar um uniforme ou a vestir-se de acordo com um código aprovado.

 

Mussolini não era um ditador, porque os italianos podiam emigrar.

 

 

 

 

Um dos últimos artigos do diário americano Huffington Post, tinha este chamativo título: “Pode legalmente o seu patrão obrigá-la a usar soutien no local de trabalho?” (https://www.huffpost.com/entry/legally-braless-atwork_l_5d110f28e4b07ae90da1b757).

 

E a resposta é “Sim, pode”, desde que tal esteja determinado no código de vestuário (dress code) e desde que não se dirija exclusivamente às mulheres. Ou seja, o código de vestuário acordado tem de tratar igualmente homens e mulheres, e tem de ser explícito. Por exemplo, não se pode exigir que os homens usem fato e gravata ou camisa totalmente abotoada até ao pescoço, e inferir daí que o equivalente para as mulheres implique o uso de soutien.

É, pois, essencial que o código seja escrito por forma a evitar estes problemas legais. Por isso, Susan Scafidi, diretora do Instituto das Leis da Moda (Fahion Law Institute), sugere que neste caso do soutien, a redação deverá ser esta:

 

O empregado terá de ter coberta uma área entre as clavículas e os joelhos, ou a parte superior do tronco por baixo das clavículas, não podendo os mamilos serem visíveis”.

 

Os códigos de vestuário têm vindo a serem alterados, tornando-se mais flexíveis. A Virgin Atlantic, já não obriga o pessoal feminino de voo a usar saias e maquilhagem (https://qz.com/quartzy/1564421/virgin-atlantic-will-allow-female-cabin-crew-to-work-without-makeup/); quanto aos empregados de terra,  poderão em serviço usarem ténis e coletes de polar.

Também o Goldman Sachs Group, permite agora aos seus empregados a possibilidade de vestirem casualmente em vez do uso obrigatório do fato completo, tudo isso “de acordo com o senso comum”, e “de acordo com o que os clientes esperem” (https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-03-05/goldman-sachs-allows-bankers-to-trade-bespoke-suits-for-khakis).

 

Sinais dos tempos, dirão uns; sinais de maior democracia, dirão outros. Mas, o que nunca nenhum deles põe em dúvida, nem discute, é o princípio que prevalece, segundo o qual o patrão, o chefe, o empregador, pode sempre obrigar o empregado a usar um uniforme ou a vestir-se de acordo com um código existente. E, tem-se isto como sendo normal.

 

A Walmart, que emprega perto de 1% de todos os trabalhadores nos EUA, proíbe os empregados de trocarem conversas casuais enquanto estão de serviço, chamando a isso “roubo de tempo”. A Apple, inspeciona os pertences pessoais dos seus trabalhadores, que perdem assim cerca de meia-hora de tempo de trabalho não pago enquanto aguardam numa bicha para serem revistados (https://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/ca9/15-17382/15-17382-2017-08-16.html).

 A Tyson Foods, impede os seus empregados que trabalham com as galinhas de utilizarem a casa de banho, o que os obriga a urinarem pelas pernas abaixo ou a usarem fraldas (Oxfam America, “No relief: Denial of Bathroom Breaks in the Poultry Industry”, 2-3, https://www.oxfamamerica.org/static/media/files/No_Relief_Embargo.pdf).

 

 

Estes são alguns exemplos de como os empregadores controlam os seus trabalhadores. Se fosse o Estado a impor tais regulamentos, certamente nos revoltaríamos. Mas, contra os nossos empregadores, batemos a bola baixa, pois, até o simples facto de falarmos sobre o que se passa pode dar direito a sermos despedidos. Por isso, nada dizemos. Pior, continuamos a comportarmo-nos e a falar como se trabalhássemos num mundo de trabalho livre num mercado livre.

 

Nem sempre foi assim. Os ideais de igualdade e liberdade, na qual os membros da sociedade interagem como iguais, conquistaram grande aceitação no século XIX, nomeadamente com as experiências do socialismo utópico, anarquismo, sindicalismo, Georgismo, comunismo, socialismo democrático do estado, democracia do local de trabalho, entre outras. Os maiores sucessos foram a social democracia e os sindicatos.

 Das primeiras experiências, algumas falharam, não chegaram a serem levadas à prática, ou nunca conseguiram impor-se. A Revolução Industrial, com o seu modelo da sociedade de mercado, acabou com elas. Das segundas, que ainda hoje permanecem, pode-se dizer que estão em declínio, ou sujeitas a muitas pressões, no mundo desta economia pós-industrial globalizada.

 

 De certa forma, tudo começara no século XVII com os Levellers (Niveladores), primeiro movimento social igualitário moderno, surgido na Guerra Civil Inglesa, com forte implantação no exército de Cromwell, que preconizava uma reforma constitucional em que constasse uma representação parlamentar por distritos proporcional à população, a abolição da câmara dos Lords e respetivos privilégios, e tolerância religiosa.

Todo este igualitarismo ia no sentido de colocar o estado a prestar contas ao povo, estendendo-se também a outros sistemas hierárquicos da sociedade: à igreja de Inglaterra e os seus padres, que teriam de deixar de ter autoridade sobre os paroquianos; aos homens, que teriam de deixar de ter autoridade sobre as mulheres; às guildas e aos monopólios mercantis, sobre os artesãos.

 

Em todo este edifício de exigências, nada era deixado ao acaso. Por exemplo, a justificação para que o homem não pudesse ter autoridade sobre a mulher (“A alma não reconhece a diferença de sexo”), faria com que o marido não pudesse ter o domínio absoluto sobre a esposa, pelo que assim também o rei não poderia reclamar-se de ter o direito absoluto sobre os súbditos.

As propostas para a abolição dos monopólios das guildas tinham que ver com a limitação que elas impunham à liberdade do comércio livre através de legislação limitativa sobre a independência pessoal dos pequenos comerciantes e artesãos, impedindo o aparecimento de novas oportunidades de criação de novos pequenos negócios.

A eliminação dos monopólios faria com que mais pessoas conseguissem alcançar uma independência pessoal e que homens e mulheres deixassem de estar sujeitos a donos.

 

 Ou seja, a base da filosofia dos Niveladores assentava na proteção da propriedade privada e no livre comércio, antecipando que só assim se daria o crescimento de uma sociedade de mercado que ajudaria a desmantelar as hierarquias sociais de dominação e subordinação.

 

É neste sentido que Adam Smith, aparece no século XVIII, como o paladino da sociedade de mercado (não por ela conduzir a um maior crescimento económico e a uma mais eficiente utilização dos recursos, como hoje pretendem fazer crer), mas porque o crescimento do comércio e das manufaturas, conduziriam a uma “ordem e bom governo, que traria consigo a liberdade e segurança dos indivíduos … que anteriormente viviam num estado continuo de guerra com os vizinhos, e na dependência para com os seus superiores. Isto … é de longe o mais importante dos seus efeitos.”

 

Smith, acreditava que num mercado totalmente livre, os sectores do comércio e da manufatura seriam dominados pelas empresas de pequena escala, dirigidas por artesãos independentes e mercadores, com muito poucos empregados.

As grandes empresas existiam apenas por causa da proteção que o estado lhes conferia através do licenciamento dos monopólios, das tarifas e de outras proteções mercantilistas. Para ele, as grandes concentrações de capital só se justificavam para a atividade bancária, para os seguros, para os canais e para a água.

 

Num mercado livre, onde as barreiras para a entrada fossem eliminadas, as empresas geridas pelos próprios proprietários acabariam por se imporem aos conselhos de diretores das corporações, porque, ao arriscarem o seu próprio dinheiro, dedicariam maior energia, atenção e sabedoria ao seu próprio negócio.

Por outro lado, com a entrada no mercado livre de muitos mais agentes, as razões de lucro cairiam. E quando os lucros são pequenos, poucas grandes fortunas podem ser acumuladas, pelo que todos os detentores de capital teriam de trabalhar para viverem.

Assim, pela eliminação das barreiras para um mercado livre, conseguir-se-ia que as fortunas dos ricos rapidamente se dissipassem, ao mesmo tempo que proliferavam as oportunidades para o autoemprego, o que seria um grande avanço para a causa da igualdade.

 

 

A Revolução Industrial no século XIX vem alterar radicalmente esta ideia igualitária da pequena empresa. As economias de escala impõem-se às economias dos pequenos proprietários, substituindo-os por grandes empresas que empregavam muitos trabalhadores. A própria natureza do trabalho e as relações entre os patrões e os trabalhadores das manufaturas, são alteradas, criando um maior afastamento entre eles.

Os patrões, ao trabalharem lado a lado com os seus trabalhadores, fazendo o mesmo trabalho, no mesmo espaço, ensinando as mesmas técnicas aos seus aprendizes, não podiam impor um ritmo de trabalho superior ao executado por eles, nem imporem locais de trabalho sem o mínimo de condições de segurança ou climatéricas em que eles próprios também trabalhariam. A confraternização teria forçosamente de existir.

 

Com a Revolução Industrial tudo isto se alterou, aumentando a separação entre empregados e empregadores. Os patrões já não faziam o mesmo tipo de trabalho que os empregados faziam. O trabalho mental separou-se do trabalho manual. As hierarquias multiplicaram-se. Os principais executivos, grande parte das vezes, nem no mesmo edifício trabalhavam. Tudo isto deu origem a uma severa degradação das condições de trabalho.

Os empregadores, em vez de beberem ou comerem com os empregados, passaram a pregar temperança, pontualidade, disciplina, aumentando grandemente ao mesmo tempo as horas e o ritmo de trabalho e baixavam os salários.

 

Estas novas condições, degradantes quando comparadas com as que tinham tido os artesãos, levaram os radicais a apelidarem-nas como representantes do “salário da escravidão”. Já os liberais as consideravam como representantes do “trabalho livre”.

 

Para os ‘liberais’, o trabalho era considerado como ‘livre’ porque, prevendo o contrato a possibilidade de admissão e saída do emprego, os trabalhadores tinham os mesmos direitos que os empregadores. Já os ´radicais’ focalizavam-se antes nas condições atuais de trabalho a que o contrato obrigava, que colocavam os trabalhadores numa relação de profunda subordinação para com os seus empregadores.

 

Pode-se constatar que este sonho inicial igualitário a favor da existência do mercado, acabou por falhar, em parte devido às economias de escala. As alterações tecnológicas impulsionaram a Revolução Industrial no sentido da necessidade de uma enorme concentração de capital. Para fazer funcionar uma fundição de aço, uma fábrica de cimento ou química, uns caminhos de ferro, ou uma fábrica de tecidos de algodão, necessitavam-se de muitas mãos.

O mesmo se passa hoje com aeroportos, hospitais, laboratórios farmacêuticos, fábricas de montagem de computadores e, a um nível de menor exigência técnica, parques de diversão, matadouros, distribuidores, etc.

A maior eficiência de produção obtida usando grandes e invisíveis capitais, explica porque é que poucos trabalhadores individuais podem ter hoje capital próprio para sustentar as suas empresas. E explica também, porque é que a maior parte das grandes empresas responsáveis pela grande maioria da produção não são propriedades de um só dono.

 

Em 1937, o economista britânico Ronald Coase, publica um artigo que mais tarde (1991) vai contribuir para o seu Prémio Nobel em Ciências Económicas, onde explica as razões para o aparecimento de firmas , “The Nature of the Firm” (http://www3.nccu.edu.tw/~jsfeng/CPEC11.pdf), e onde diz que o contrato de trabalho é aquele em que o trabalhador “concorda em obedecer às diretivas do empregador.”

Segundo ele, “a essência do contrato deve apenas declarar os limites dos poderes do empregador”. O problema é que na grande maioria dos casos, salvo no contexto dos grandes acordos coletivos ou para os cargos de topo, estes limites não são aclarados nem declarados. Então, o que é que determina e limita a autoridade do empregador?

 

O Estado, que através de um complexo sistema de leis acaba por conferir ao empregador, salvo raras exceções, grande autoridade legal sobre o empregado. É como se o empregador viesse a ser o substituto do governo no local de trabalho.

A filosofia que serve de base a esta teoria é a que proclama que a relação de trabalho é livre, porque os trabalhadores são livres para, se e quando quiserem, deixarem, terminarem o contrato. Portanto, não existia nenhuma imposição de autoridade.

 É como dizer que Mussolini não era um ditador, porque os italianos podiam sempre emigrar.

 

Não se pode também esquecer que, para além deste enquadramento geral que atribui maior estatuto legal aos empregadores, estes ainda dispõem de outros pequenos mecanismos que vão para além do despedimento ou da ação em tribunal, como sejam a despromoção do empregado, o cortar o pagamento, colocá-lo a trabalhar a horas inconvenientes, aumentar ou diminuir-lhe as horas de trabalho, atribuir-lhe tarefas mais perigosas ou sujas, aumentar o ritmo de trabalho, etc.

 

Apesar das boas e ingénuas intenções dos advogados iniciais do livre mercado, com a representação idílica da quase comunhão existente entre mestres e os artesãos, os empregadores foram sempre representantes autoritários como extensão dos seus poderes patriarcais do governo das suas casas.

O que a Revolução Industrial veio trazer foi a alteração do local de pagamento, transferindo-o da casa do empregador para a fábrica. O que em princípio até poderia ter sido positivo, na medida em que separava o governo do local de trabalho do governo da casa. O problema é que os empregadores não abriram mão do seu estatuto legal de poderem governar a vida doméstica dos seus empregados.

 

Exemplo elucidativo: no início do século XX, a Ford Motor Company, tinha um Departamento Sociológico com a finalidade de inspecionar inopinadamente os domicílios dos seus empregados, para se certificar que eles levavam uma vida regrada. Os trabalhadores só poderiam ser eleitos para receberem o famoso salário de 5 dólares por dia se mantivessem as casas impas, comessem saudavelmente, se não bebessem álcool, usassem a banheira apropriadamente, não gastassem muito com parentes afastados, não tivessem hóspedes, e seguissem padrões de assimilação de acordo com as normas culturais americanas.

 

O Montepio passou a permitir (sugerir, desejar, deixar ao critério, impor) que às sextas-feiras os seus empregados possam agora deixar de usar gravata. Os empregados ficaram muito satisfeitos e agradecem.

 

 

 

 

 

 

 

(223) Os refugiados do Verão

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

O pensamento também entra de férias.

 

Daí aquelas absurdas recomendações de leituras ligeiras, de canções de treta, de jornais leves e de conversas idiotas.

 

O que deveria ter sido um grande afluxo de refugiados relativamente controlado, transformou-se numa crise humanitária.

 

A forma como os países encararem este problema, a forma como as maiorias enfrentarem este problema de alteração da diversidade da população existente, ditará o futuro desses países.

 

 

 

 

Há uma crença muito arreigada nos países da Europa Norte, e infelizmente muito difundida entre algumas gentes do Sul por desconhecimento, vassalagem ou encantamento induzido, que diz que os países frios do Norte é que são os lugares dos bem-pensantes, os lugares bons para o pensamento.

E que por consequência os países quentes do Sul não são bons lugares para acolher o pensamento. Que a luminosidade associada provoca um excesso de visão e de perceção sensorial que satura as ideias, e que o calor, ao realçar a sensualidade dos corpos é um obstáculo para o estudo e para o raciocínio.

A ser como os nórdicos acreditam (e como os que se julgam também ser) , então o pensamento ficará restrito a um tempo (o inverno), a certos lugares (escolas, universidades, bibliotecas, centros culturais, …) e a certos especialistas (professores e intelectuais).

 

Em si, o pensamento pode ser considerado ou como um trabalho produtivo, ou como como atividade contemplativa, não produtiva.

Se o pensamento for um trabalho produtivo, irá necessitar, como qualquer outro trabalho, de ter férias de vez em quando. Fugir do frio, pôr o corpo e a cabeça ao sol, por momentos deixar de pensar. O pensamento (mesmo o nórdico) também entra de férias. Daí aquelas absurdas recomendações de leituras ligeiras, de canções de treta, de jornais leves e de conversas idiotas.

Mas se o pensamento for encarado como atividade não produtiva como preconizavam os filósofos gregos, ou seja, em que a produção do mundo é interrompida para se poder ter tempo para perceber e compreender, então, o verão seria o tempo do pensamento.

 

Mas, como também bem sabiam os filósofos gregos, essas “férias” só eram permitidas aos homens, libertos da servidão dos trabalhos domésticos, e aos ricos, libertos da necessidade de ganharem a vida trabalhando.

E qual seria o Verão desses homens e mulheres pobres de então? Qual é o Verão dos homens e mulheres de hoje, uns que fogem dos seus países de origem em improvisados meios de flutuação, muitos deles para morrerem afogados no Mediterrâneo ou dando às costas de países europeus? E outros, que fogem de encarar a situação, olhando para o lado, ou gozando as férias a bordo do seu barco, lendo novelas leves e jornais ligeiros, ao sabor de gin-tónico?

Felizmente que Portugal não tem costas para o Mediterrâneo, pelo que não há possibilidade de abalroarmos corpos humanos (de africanos, evidentemente). Estamos desculpados. Não é connosco.

 

 

 

 

Segundo o decidido em Dublin (Dublin Regulation), os primeiros países europeus em que os refugiados entrassem (“países de entrada”), teriam a obrigação de lhes conceder asilo. Mas, em agosto de 2015, Angela Merkel, vem alterar este esquema acordado ao dizer que a Alemanha estava pronta a aceitar todos os refugiados, independentemente do local em que tivessem entrado na Europa.

Em menos de um ano, afluíram à Alemanha mais de um milhão de pessoas, e a partir daí continuaram sempre a chegar a um ritmo impressionante (mil por dia, por vezes). Nunca, nem mesmo durante a reunificação, a Alemanha se deparara com tão grande problema logístico, económico e político.

 

O governo começou por orçamentar a quantia de 98 milhões de euros para assistir a esta vaga de novos habitantes, mas os números e o ritmo de entrada foram de tal maneira elevados, que o próprio governo não conseguiu só por si lidar com o assunto.

O que deveria ter sido um grande afluxo mas relativamente controlado, transformou-se numa crise humanitária que acabou por ter de ser privatizada, ou seja, em que parte substancial do tecido económico privado alemão acabou por ter de ser chamada a atuar, com a respetiva recolha de grandes benefícios (contratos com o governo e todas as outras pequenas ações desenvolvidas ou aproveitadas para instalar os refugiados). Da necessidade da institucionalização das famosas PPP.

 

Por exemplo: os hangares do aeroporto de Tempelhof (construído em Berlim em 1923, e onde posteriormente Hitler, rodeado das inevitáveis bandeiras com a suástica, discursava em cima de um pódio de onde se avistavam alguns campos de concentração a operarem nas redondezas, e de onde em 1940 os aviões dos EUA e aliados lançaram alimentos, e outros, para os habitantes famintos de Berlim ocidental durante a Guerra Fria), que tinham sido escolhidos para servirem de local de controle e passagem dos refugiados por apenas duas semanas, e que acabaram por aí permanecerem por muitos meses. Como beneficiária económica direta, a empresa privada Tamaja Social Services, encarregue da gestão destes hangares.

Ou as chamadas “vilas de contentores”, montadas em seis semanas e cujo maior contrato de 23 milhões de euros para a construção de 1700 unidades foi ganho pela Container-Handelsbro. Outras firmas forneceram cúpulas insufláveis, “kits de instalação” com o mobiliário básico e outros utensílios necessários para cinco semanas.

Ou a European Homecare, pequena empresa que desde 1990 oferecia serviços para os que pediam asilo, e que se transformou na maior empresa de fornecimento de habitação da Alemanha, cujos lucros dispararam de 17 milhões de euros em 2013 para 100 milhões em 2015

Ou a proliferação e o aumento do custo de arrendamentos de quartos, estúdios, garagens, hotéis, empresas de segurança, tudo pago pelo governo, o que fez elevar o número inicialmente previsto para a casa das centenas de milhões.

 

Por detrás das razões altruísticas invocadas por Merkel, move-se um outro fator que ameaça o futuro dos alemães: o declínio da sua taxa demográfica. Estima-se que em 2050, os menores de 15 anos representem apenas 13 por cento da população. Isto significa uma falta de mão de obra de enormes proporções.

Pelo que a chegada de centenas de milhar de pessoas, das quais mais de metade com menos de 25 anos, levou o CEO da Daimler a descrever os imigrantes como uma bonança, um “milagre económico”.

 

O problema é que esse “milagre económico” só poderá acontecer se o investimento público necessário se mantiver a um nível elevado durante bastante tempo.

Eis alguns indicadores:

Segundo fontes governamentais, só menos de 15 por cento dos refugiados sírios têm formação universitária ou treino especializado, e mesmo assim precisarão de treino para estarem ao nível equivalente dos trabalhadores alemães.

Ao nível mais básico, para poderem ser empregáveis têm de aprender alemão – 98 por cento não sabem alemão. Para tirarem um curso básico de alemão em 660 horas, 300.000 refugiados necessitam de 559 milhões de euros.

Apesar de 1 em cada 3 empresas alemãs se terem comprometido a empregar refugiados, em setembro de 2017, apenas 63 tinham conseguido serem contratados pelas 30 maiores empresas.

 

Como disse o porta-voz da Siemens: “Não é correto pensar que os refugiados possam, em apenas alguns anos, resolver todos os nossos problemas de trabalho”.

Ou melhor, como explicou o ministro do interior do governo alemão, referindo-se ao problema da integração dos refugiados: “Trata-se de um enorme esforço continuado a longo prazo”.

Ou seja, o povo alemão teria de estar preparado para despender durante vários anos, milhares de milhões na educação e treino dos refugiados no seu processo de integração.

 

Aparentemente, o surgimento de partidos de extrema direita que propõem soluções mais baratas e radicais (atirar sobre os imigrantes que entrem ilegalmente no país, esterilizar as mulheres, etc.- soluções que não resolvem o problema base da falta de mão de obra, isto, evidentemente, se o objetivo for resolver esse problema), o aumento dos casos de assalto sexual, os ataques com fogo posto que se sucedem aos campos de refugiados, e outros “casos” muito bem veiculados na comunicação “social” sempre atenta, parecem fazer crer que a população alemã, a julgar pelos resultados eleitorais, não está muito inclinada a continuar a suportar esse enorme esforço necessário para que a integração se faça da forma mais correta.

 

E isso, criará um outro problema: dado que os refugiados já lá estão, o país vai ver-se obrigado a absorver de uma forma anárquica uma população gigantesca de imigrantes que imporão um esforço suplementar à assistência social, ao mesmo tempo que o conjunto de empregados que contribuem para o estado social vai continuando a diminuir, o que acabará por provocar uma onda de ressentimento contra os refugiados, com tendência para crescer.

 

Por tudo isto, a forma como os países encararem este problema (não só a Alemanha), a forma como as maiorias enfrentarem este problema de alteração da diversidade da população existente, ditará o futuro desses países.

Dito de um modo mais popularucho:

 

Se o dinheiro gasto pelo governo alemão para integrar os refugiados for idêntico aos que os grandes clubes alemães de futebol despenderem na contratação de jogadores por forma a ombrearem com os outros clubes europeus, qual será a resposta da população? Integração de refugiados ou contratação de jogadores?

 

Uma achega:

Se os estrangeiros contratados como jogadores de futebol não forem considerados como refugiados, a sua contratação será inteiramente assumida pelos clubes (o que é o que tem sido feito até agora). Se forem considerados como refugiados, então a sua contratação poderá ser comparticipada pelo Estado.

Mais, se os clubes de futebol forem considerados como agentes culturais, então poderão serem constituídos como PPP, pelo que a contratação dos jogadores poderá também ser subsidiada pelo Estado.

 

Felizmente que a Alemanha também não tem fronteiras com o Mediterrâneo. Saia mais gin-tónico para o país do Norte.

 

(222) Clarificando o sistema económico-financeiro

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

O sistema americano depende de impostos, subsídios e regulamentações para convencer as corporações a agir no interesse do público americano. Mas essas alavancas mostraram-se fracas em relação ao objetivo corporativo predominante que é o de maximizar os lucros dos acionistas, R. Reich.

 

As preferências do americano médio parecem ter apenas um impacto minúsculo, quase zero, estatisticamente não significativo, sobre a política pública, M. Gilens e B Page.

 

 A China não é a razão pela qual a metade da América não teve um aumento de rendimentos em quatro décadas. O simples facto é que os americanos não podem prosperar dentro de um sistema administrado em grande parte por grandes corporações americanas, organizadas para aumentar os preços das suas ações, mas não para impulsionar os americanos, R. Reich.

 

 

 

 

Saiu recentemente no jornal diário britânico The Guardian (https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/jun/23/china-america-economic-system-xi-jinping-trump), um artigo de Robert Reich, ex-secretário do trabalho dos EUA, professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia em Berkeley, que, embora não dizendo nada que já não se soubesse, serve essencialmente para clarificar o sistema económico-financeiro vigente, como ele  controla os próprios governos fazendo deles seus agentes. País e patriotismo são conceitos fora do baralho, pelo que qualquer análise política que se faça, deva sempre ter em consideração esta “nova” realidade.

Eis a tradução do artigo:

 

 

O sistema económico americano está focado em maximizar o lucro dos acionistas. E esse objetivo tem sido conseguido: ainda na sexta-feira, o S&P 500 (SPX) alcançou um novo recorde histórico.



E, contudo, os americanos médios há quatro décadas que não veem aumentar significativamente os seus rendimentos, ajustados pela inflação.

O sistema económico da China, ao contrário, está focado em maximizar o país, a China. E está a alcançar esse objetivo. Há quarenta anos, a China era um país atrasado e agrário. Hoje é a segunda maior economia do mundo, lar da maior indústria automóvel do mundo e de algumas das empresas de tecnologia mais poderosas do mundo. Nas últimas quatro décadas, centenas de milhões de chineses foram retirados da pobreza.



Os dois sistemas são fundamentalmente diferentes.


No centro do sistema americano estão 500 empresas gigantes com sede nos EUA, mas que fazem, compram e vendem coisas em todo o mundo. Metade dos seus empregados não são americanos, estão localizados fora dos EUA. Um terço dos seus acionistas não é americano.

Essas corporações gigantes não têm nenhuma lealdade especial à América. A sua única fidelidade e responsabilidade é para com os seus acionistas.

Elas farão o que for necessário para aumentar o máximo possível os preços das ações dos acionistas - incluindo mantendo os salários baixos, combatendo os sindicatos, reclassificando os empregados como contratados independentes, terceirizando em qualquer lugar do mundo onde as peças são mais baratas, transferindo os seus lucros ao redor do mundo onde os impostos sejam mais baixos e pagando somas absurdas aos seus principais executivos.




No centro da economia chinesa, por outro lado, estão empresas estatais que recebem empréstimos de bancos estatais a taxas artificialmente baixas. Essas empresas estatais equilibram os altos e baixos da economia, gastando mais quando as empresas privadas se mostram relutantes em fazê-lo.

Elas são também motores do crescimento econômico, fazendo investimentos intensivos em capital que a China precisa para prosperar, incluindo investimentos em tecnologias de ponta.



Os principais planificadores da China e das empresas estatais, farão o que for necessário para melhorar o bem-estar do povo chinês e para tornar a China a maior e mais poderosa economia do mundo.



Desde 1978, a economia chinesa cresceu em média mais de 9% ao ano. O crescimento desacelerou recentemente para 6% ou 7%, devido aos impostos e restrições decididos pelos EUA, mas mesmo assim esse crescimento é maior do que o de qualquer outra economia no mundo, incluindo a dos EUA.



O sistema americano depende de impostos, subsídios e regulamentações para convencer as corporações a agir no interesse do público americano. Mas essas alavancas mostraram-se fracas em relação ao objetivo corporativo predominante que é o de maximizar os lucros dos acionistas.

Na semana passada, por exemplo, o Walmart, o maior empregador da América, anunciou que iria demitir 570 empregados, apesar de ter arrecadado mais de US $ 2 bilhões em cortes de impostos corporativos concedidos por Trump e pelos republicanos. No ano passado, a empresa fechou dezenas de lojas do Sam's Club, deixando milhares de americanos desempregados.

Ao mesmo tempo, o Walmart investiu mais de US $ 20 bilhões na recompra de ações de suas próprias ações, o que aumenta o pagamento dos salários dos executivos do Walmart e enriquece os investidores ricos, mas não faz nada pela economia.



Deve-se notar que o Walmart é uma empresa global, que não vê nada de mal no suborno de funcionários estrangeiros para conseguir o que quer. Na quinta-feira, concordou em pagar US $ 282 milhões para se livrar das alegações federais de corrupção no exterior, que incluíam canalizar mais de US $ 500 mil para um intermediário no Brasil conhecido como "feiticeiro" pela sua capacidade em fazer desaparecer os impedimentos para autorização de construção.



Em toda a economia americana, o corte de impostos que Trump deu às empresas com o justificativo que tal se refletiria na criação de empregos e aumento de salários, funcionou na realidade muito bem para os executivos de empresas e para os grandes investidores. Em vez de reinvestirem os ganhos daí resultantes nos seus negócios, o Fundo Monetário Internacional concluiu que as empresas os usaram para recomprarem ações.

Mas esperem. A América é uma democracia e a China é uma ditadura, certo?

É verdade, mas a grande maioria dos americanos tem pouca ou nenhuma influência na política pública - e é por isso que o corte de impostos de Trump de muito pouco lhes serviu.



Essa é a conclusão dos professores Martin Gilens de Princeton e Benjamin Page, da Northwestern, que analisaram 1.799 questões políticas perante o Congresso e descobriram que “as preferências do americano médio parecem ter apenas um impacto minúsculo, quase zero, estatisticamente não significativo, sobre a política pública. "



Em vez disso, os legisladores norte-americanos preocupam-se com dar resposta às questões postas por pessoas ricas (em geral, executivos de empresas e magnatas de Wall Street) e pelas grandes corporações, as que têm mais capacidade de lobby e bolsos mais fundos para financiarem as campanhas.
O show está em alta: a economia em ascensão dos EUA está a ser construída assente em promessas vazias.




Não se culpem as corporações americanas. Elas estão no negócio para lucrar e para maximizar os preços das suas ações, e não para servir a América.

Mas, por causa do domínio que têm sobre a política americana e do seu compromisso sobre a regulação-combinação de preços em vez do compromisso para com o bem-estar geral dos americanos, é impossível contar com elas para criar bons empregos americanos ou melhorar a competitividade americana.



Não quero com isto dizer que imitemos o sistema econômico chinês. Estou é a sugerir que não devemos ficar orgulhosos com o sistema econômico americano.

Em vez de tentar fazer a China mudar, devemos é diminuir o predomínio das grandes corporações americanas sobre a política americana.

A China não é a razão pela qual a metade da América não teve um aumento de rendimentos em quatro décadas. O simples facto é que os americanos não podem prosperar dentro de um sistema administrado em grande parte por grandes corporações americanas, organizadas para aumentar os preços de suas ações, mas não para impulsionar os americanos.”

 

 

 

 

A militância partidária de Reich, no seu afã em acusar Trump e os republicanos, não lhe permite ver que, à sua maneira, também ele deseja uma “América Grande de Novo”, que acontecerá, segundo ele, quando todas as grandes corporações só tiverem americanos.

Pelo que a solução parece simples: conceder a cidadania americana a todos os empregados das grandes corporações, resolvendo assim os problemas económico-financeiros.

  

Mas esta sua ideia, tem ainda como subjacente a mensagem, de igual modo também idêntica à de Trump, segundo a qual a América seria de novo grande se não fossem os estrangeiros que a impedem de arrecadar o quinhão a que os americanos têm direito.

No mundo em que ele(s) vive(m), bem sei que é dele(s), os paraísos fiscais existem apenas algures na Lua ou em Marte, e foram criados por estrangeiros não-americanos vindos do espaço. Pormenores.



 

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