“Se olho à minha volta, para as amigas e cúmplices da minha idade, basicamente o que fazemos é trabalhar muito e fazer malabarismos vinte e quatro horas por dia para que se não nos desequilibre o frágil ecossistema das nossas vidas: filhos, companheiros, trabalhos, projetos, festas, amizades, militância sempre insuficientes”, Marina Garcés.
“Nesta sociedade em que tudo se vende é pior vender o cérebro, a integridade moral e intelectual, do que apenas a vagina”, Silvia Federici.
“Era suposto ter de fingir que acreditava no futuro?” Rosa Luxemburgo.
Congelar o futuro da história, tem sido quase sempre a tentativa dos detentores do poder.
A filósofa e ativista política catalã, Marina Garcés, diz no seu livro Ciudad Princesa:
“Se olho à minha volta, para as amigas e cúmplices da minha idade, basicamente o que fazemos é trabalhar muito e fazer malabarismos vinte e quatro horas por dia para que se não nos desequilibre o frágil ecossistema das nossas vidas: filhos, companheiros, trabalhos, projetos, festas, amizades, militância sempre insuficientes…
[…] Parecemos livres, porque já não nos pesam determinados códigos morais, mas não o somos.
[…] às raparigas do meu tempo, custou-nos muito ser mulheres sem sentirmos ser acusadas de banalidade. Para a maioria das minhas amigas, maquilharmo-nos ou pôr uns saltos altos era vivido como se tratasse de uma transgressão que nos envergonhava, como se tivéssemos quinze anos. A libertação demonstrava-se com masculinidade. Ou com a ausência de rasgos sexualizados, que é o mesmo. Não tínhamos um imaginário não masculino da liberdade. Portanto, as raparigas dos setenta tivemos de deixar de ser raparigas para incorporarmos o “nós” dos nossos companheiros, dos amigos e das relações aparentemente igualitárias. As raparigas, e as mulheres, continuavam, pois, também para nós com sendo “elas”.
Durante muitos anos, os espaços académicos e ativistas mantiveram esta esquema. Uns “nós” assexuados e uns espaços específicos para as mulheres, apontadas como tais e separadas em função desta diferença.
[…] Penso que esta diferenciação de espaços é a maneira como se fez a incorporação das mulheres na esfera pública e no mercado de trabalho. Ou seja, ter de deixar para trás toda a feminilidade, ser como os homens, para se poder trabalhar com os homens. E/ou por outro lado, enclausurar o feminino e todas as problemáticas que se associam, em espaços de autoconsumo. Feminismo para as mulheres. Problemas de mulheres para serem tratados entre mulheres, ao passo que para os homens se reservam, ainda, os assuntos que dizem respeito “a todos nós”. O universal continua a ser masculino.”
Mas, poderia não ter sido assim.
As mulheres poderiam terem-se movimentado nos mundos dos homens com naturalidade, antagonizando-os quando necessário, mas não se misturando com eles, não se deixando codificar como mulheres. Pessoas, todas iguais.
Tal como os exemplos escolhidos pela realizadora de cinema Margarethe von Trotta: Rosa Luxemburgo (1986), Visão: a vida de Hildegard von Binguen (2009) e Hannah Arendt (2012). Todas elas, mulheres que viveram nos mundos de homens da Igreja católica, de partidos revolucionários e de academias.
Aliás, a própria von Trotta é também disso exemplo quando aparece como profissional numa carreira de homens, e ainda quando escolhe filmar mulheres que pensam e enquanto pensam. Curiosa também a sua escolha da mesma atriz, Barbara Sukowa, para interpretar essas três mulheres.
De Arendt, filósofa e ativista quase nossa contemporânea, bem conhecemos as suas lutas e posições de resistência de livre pensadora, aqui retratada por von Trotta a quando do julgamento de Eichman em Jerusalém.
De Hildegard von Bingen, por infelizmente nos ser relativamente desconhecida, deixo uma breve referência desta monja beneditina do século XII (1098-1179), que acabou como mestra do mosteiro de Rupertsberg, Alemanha.
Numa época em que às mulheres muito pouco era permitido, ela conseguiu ser “a primeira mulher a ser considerada uma autoridade em assuntos teológicos, a única mulher medieval a quem se concedeu o direito de pregar a doutrina cristã em público, a autora do primeiro auto sacro jamais escrito e o único dramaturgo no século XII que não permaneceu anónimo, a única mulher medieval a ser lembrada como compositora de um extenso e qualificado corpo de obras musicais, o primeiro autor a escrever sobre sexualidade e ginecologia de um ponto de vista feminino, e o primeiro santo a ter uma biografia oficial que inclui textos autobiográficos”.
Já a vida de Rosa Luxemburgo “é reconstruída a partir dos seus pensamentos desde a prisão, onde se encontra encerrada com a cumplicidade dos seus próprios companheiros de partido, por ser considerada “antipatriota” durante a Primeira guerra Mundial.
Reclusa, é livre. Abandonada pelos seus próprios companheiros, sabe quem são os seus aliados: os homens e mulheres trabalhadores, única pátria que reconhece, as suas amigas da organização, e os animais e plantas do campo, últimos e irredutíveis camaradas.
Observadora de todas as formas vivas, sabe que a virtude mais revolucionária é a paciência. E que a paciência é a antítese da resignação. Coxa desde pequena, sabe que a vida não pode ser questionada em todas as suas formas. Que a doença chega sem pedir licença, assim como os pássaros que se acercam da nossa janela, cantando, para nos alegrarem a manhã. Também sabe que a guerra é desejada inclusivamente por aqueles que terão de lhe entregar os filhos.
Há, contudo, um momento do filme em que fica bem clara a irredutibilidade da mulher que era. É quando participa como representante polaca num encontra da internacional contra a guerra que todos sabem ser inevitável. Aplaudem-se todos, uns aos outros. Quando chega a sua vez, ela que é uma mulher de uma oratória insuperável, cobre o rosto com as mãos e deixa passar a sua vez. Nega-se a subir ao palco e a falar. Perante a consternação dos seus companheiros da organização, diz com voz entrecortada:
“Era suposto ter que fingir que acreditava no futuro?”
Este seu gesto não é de uma sinceridade ética, mas de uma franqueza radicalmente política. Dizermos só aquilo em que podemos acreditar e que podemos fazer acreditar é a prova da veracidade, contrariamente ao tacticismo e ao oportunismo do momento. Rosa Luxemburgo não é uma vendedora de futuros baseados no autoengano, como tantos revolucionários de então e tantos ativistas do nosso presente.
Sabe manter-se firme face ao não futuro da guerra, da prisão e finalmente da morte decretada pelos próprios companheiros, com a serenidade de quem pode contemplar, apesar de tudo, o esplendor de cada dia vivido. A honestidade, a serenidade e a autocrítica não dão poder. Mas são as verdadeiras virtudes revolucionárias.”
Para uma visão mais global, sigamos a filósofa SilviaFrederici, começando com a referência a uma sua recente entrevista, e à conferência que realizou em Espanha este 19 de março, sobre Las Luchas de la Reproduccion, Del Salario pra el Trabajo Domestico a Nuestros Dias, (https://www.youtube.com/watch?time_continue=621&v=drPTPVV_Sv4).
Diz Frederici:
“O feminismo não é uma escada para que a mulher melhore a sua posição, para que possa entrar na Wall Street […] O feminismo não é somente para melhorar a situação das mulheres, é para criar um mundo sem desigualdade, sem a exploração do trabalho humano que, no caso das mulheres, se converte numa dupla exploração”.
“Há anos que as feministas vêm denunciando o acosso sexual, sobretudo no posto de trabalho. O acosso sexual é estrutural na relação entre homens e mulheres […]. Elas têm tido sempre uma situação económica mais precária, têm estado sempre mais dependentes deles e viram-se obrigadas a negociar serviços sexuais. Tudo isto continua hoje, apesar da mulher ter tido mais acesso ao trabalho assalariado.
Há toda uma história de mulheres que devem vender o seu corpo, não somente na prostituição, mas em todas as profissões. Não ver este aspeto cultural é uma mistificação. Dá-se uma grande publicidade (refere-se ao #MeToo) mas não se vai à raiz do problema”.
“As mulheres sempre tiveram um acesso muito fraco ao seu sustento, sempre necessitaram de vender o seu corpo. Não compreendo a postura daquelas feministas que isolam a prostituição vendo-a como uma coisa particularmente degradante e não verem os milhares de formas de degradação a que as mulheres estão sujeitas.
Não o compreendo, parece-me que essa postura penaliza sobretudo as mulheres mais pobres que são aquelas que mais necessidade tiveram de recorrer à prostituição Por isso digo que nesta sociedade em que tudo se vende é pior vender o cérebro, a integridade moral e intelectual, e não apenas a sua vagina”.
Em 2004, quando publicou Calibán e a Bruxa. Mulheres, Corpo e A Acumulação Primitiva (Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation), Federici vai corrigir Marx por este não incluir na expropriação não remunerada o trabalho reprodutivo, a reprodução e criação de seres humanos realizada pelas mulheres, o que, segundo ela, é a chave para o aparecimento de uma economia baseada no trabalho assalariado.
Ela vê também a institucionalização da violação, os processos, torturas e queimas de hereges e caça de bruxas, como estando no centro de uma subjugação metódica das mulheres com vista à apropriação da sua força de trabalho.
Pelo que, enquanto para Marx haveria uma fase de acumulação prévia anterior ao capitalismo, Frederici considera antes que o capitalismo exerceu sempre uma acumulação continua feita através dessas reapropriações do trabalho das mulheres (captura doméstica e reprodutiva).
Uma das razões porque devemos encarar com muita apreensão o sentido que nos propõem da formatação e uniformização dos seres humanos, seja ele feito através de formas de controle utilizadas pelo estado, por empresas privadas ou por ambos, é que tal conduzirá fatalmente a uma paragem na diversificação dos seres humanos (param de procurar por o modelo imposto ser o melhor), pelo que quando surgir um qualquer conflito grave respeitante à nossa sobrevivência teremos menos opções de escolha. Querendo progredir dessa forma, o que estamos a fazer é a impedir o progresso. Congelar o futuro da história, tem sido quase sempre a tentativa dos detentores do poder.
Para dar aos pilotos a sensação de que ainda pilotam o avião, introduziram-se sistemas que lhes vão permitir manter essa sensação (mesmo que artificial).
Os acidentes ocorrem devido a falhas técnicas, a erros humanos, ou a condições exteriores.
A FAA, alterou o seu estatuto, deixando de nomear e supervisionar os seus “representantes para a certificação de aeronaves”, autorizando a Boeing e outros fabricantes a selecionarem os seus próprios empregados para certificarem os seus próprios aviões.
A melhor forma para lidar com essas situações de emergência é treiná-las antecipadamente.
“Tudo o que sobe, acaba por cair” é uma frase, conceito, pensamento científico e filosófico, vulgarmente atribuído a Isaac Newton, melhor expresso na linguagem que viria evidentemente a ser a dominante no mundo em que vivemos: “What goes up, must come down”.
Evidência idêntica ao do ovo de Colombo que logo se tornou evidência, apropriada e divulgada por quase todos, pelo que raros foram os próceres da canção e música que a não utilizaram nas suas composições. Recordo apenas Count Basie, Alan Parsons Project, os Blood Sweat & Tears, Elvis Costello, por serem os mais e menos respeitados.
Talvez que a tradução mais correta seja “tudo o que sobe, acaba por descer”, todos contentando e permitindo englobar o transporte aéreo. Acontece que em alguns casos a descida se torna catastrófica, dá-se o desastre. Algo que era comum nos inícios da aviação, foi, contudo, tornando-se cada vez mais raro de acontecer.
Longe vão os tempos em que os pilotos comandavam diretamente, através da sua força muscular e com dispositivos meramente mecânicos (cabos de corda e de metal), o voo do aeroplano. Faziam-no ao instante, permanentemente, sem descanso, sempre no controle.
No avião dos Wright, (1911), existiam duas alavancas: uma para acionar o leme de profundidade, fazendo o avião subir ou descer; outra para controlar o equilíbrio lateral e direcional, que na sua parte superior tinha uma manilha que estava ligada ao leme e que lhe permitia um movimento lateral. Assim, para se virar para a direita, puxava-se a alavanca para trás (elevando a asa esquerda), e fazendo girar a manilha um necessário número de graus para a direita, movia-se o leme de direção.
No avião de Curtiss, utilizava-se um volante para movimentar o avião sobre o eixo longitudinal, empurrando ou puxando, fazendo descer ou subir. O volante tinha também um movimento giratório como o dos automóveis para movimentar o leme de direção. Para inclinar o avião, o piloto, tal como num Sega atual, inclinava-se para a direita ou para a esquerda.
Na altura, o único “instrumento” usado era uma corda atada à barra transversal dianteira. Quando a corda apontava diretamente para trás, tudo ia bem. Se se desviava para um ou outro lado, tal indicava que o avião derivava ou inclinava.
E quando apareceu o primeiro conta-rotações elétrico, dando as revoluções exatas, os aviadores reclamaram, porque tal iria mecanizar o voo, pondo em risco a habilidade necessária para a pilotagem.
Com as velocidades e altitudes hoje atingidas pelos aviões, essa atuação meramente mecânica, não tem qualquer possibilidade de se verificar, pelo que foi progressivamente sido substituída por atuações hidráulicas, elétricas, computacionais.
Para dar aos pilotos a sensação de que ainda pilotam o avião, introduziram-se sistemas que lhes vão permitir manter essa sensação (mesmo que artificial). Daí que, os “volantes” inicialmente circulares, idênticos aos dos automóveis, vão dar lugar a “meias-luas”, a uma “alavanca” que se desloca em todas as direções, e que até poderá acabar por ser um pequeno interruptor.
O aumento do tempo de permanência dos aviões no ar, levam à construção dos primeiros “pilotos automáticos”, ainda muito rudimentares, mas que permitiam aliviar os pilotos de continuamente terem as mãos e os pés nos comandos, fazendo força e equilibrando o avião.
Quase ao mesmo tempo, e pelas mesmas razões, foi pela primeira vez colocado num avião (no B-17, “Fortaleza Voadora” da Boeing) um assento para um segundo piloto, não por se pensar no princípio da ação combinada dos dois pilotos, mas para substituir o primeiro piloto nos voos de longa duração.
Com a necessidade introduzida pela verificação dos vários parâmetros dos motores, acrescentou-se um painel repleto dessas indicações, que tinha de ser vigiado por um mecânico. A que se acrescentava ainda um espaço para quem procedia à navegação e às comunicações à distância, um navegador e um radio telegrafista.
Tudo isso foi sendo eliminado à medida que a tecnologia se foi desenvolvendo (sempre com o intuito de tornar os aviões mais competitivos economicamente), pelo que hoje todas essas funções estão representadas e concentradas no espaço mínimo em que os dois pilotos vão sentados.
Tal evolução só foi possível mediante processos de representação integrada que irão permitir aos pilotos o desempenho acumulado de todas essas funções, a que se deve acrescentar a de pilotagem, necessariamente automatizada.
Contudo, apesar de ser já hoje possível fazer descolar e aterrar automaticamente um avião, a automatização continua a ter os seus problemas. Num estudo de 2013, sobre o período de duas décadas anteriores, a Agência Federal de Aviação (FAA) americana concluiu que o comportamento não previsível ou inexplicado dos sistemas automáticos estavam presentes em 46 por cento dos relatos de acidentes aéreos (https://www.faa.gov/aircraft/air_cert/design_approvals/human_factors/media/OUFPMS_Report.pdf).
De uma forma geral, os acidentes ocorrem devido a falhas técnicas, a erros humanos, ou a condições exteriores como por exemplo, fenómenos meteorológicos imprevisíveis. As falhas técnicas podem ocorrer por desconhecimento dos problemas (o caso de fadiga de material dos Comet britânicos em 1950, primeiros aviões a “jato” de passageiros, que se desintegraram), por falha nos desenhos (caso das portas do DC10 e respetivos fechos) e por falta de manutenção apropriada.
Dentro das falhas técnicas, devemos também considerar as provocadas pelos automatismos.Há duas causas que podem originar catástrofes. A primeira acontece quando o sistema funciona corretamente de acordo com o desejado, mas o piloto fica confuso e atua erradamente.
Foi o caso do voo da Air France 447 em 2009, já no Atlântico, na rota entre o Rio e Paris. Os seus sensores de velocidade bloquearam (entupidos) devido ao gelo, e deixaram de dar informações ao piloto automático. Corretamente, o piloto automático desligou-se, “entregando” o controle aos pilotos. Só que os pilotos ficaram desorientados, e um deles colocou o nariz do avião para cima para diminuir a falsa alta velocidade indicada, o que fez o avião subir, perder velocidade e entrar em perda, ficando sem sustentação para voar: Como resultado, o avião caiu como uma pedra.
Outra situação, é a que ocorre quando o próprio piloto automático se avaria, interpretando erradamente informações, colocando o avião em situações perigosas e, por vezes, incontroláveis. Este parece ter sido o caso acontecido com o voo da Lion Air com o 737 Max que caiu em outubro após a descolagem de Jakarta.
Para enfrentar a concorrência do Airbus A320 Neo, a Boeing decidiu por no B737 novos motores maiores e mais pesados, que alteravam o anterior equilíbrio conseguido, fazendo com que o nariz do avião, em certas condições de voo, se inclinasse perigosamente para cima. Para corrigir este problema, a Boeing instalou um sistema automático de correção destas características (M.C.A.S.) que obrigaria o nariz do avião a apontar para baixo. Só que, ao que parece, um (único?!) sensor defeituoso deu informações incorretas ao M.C.A.S. da Lion Air, colocando o avião em voo picado direito ao chão.
O mesmo parece ter acontecido agora com o voo da Ethiopian Airlines. Há notícias de que problemas idênticos já aconteceram anteriormente nos EUA, só que nesses casos os pilotos conseguiram desligar o piloto automático.
Se nos focarmos só nos problemas técnicos (preparando-nos para atribuir a culpa à tecnologia e/ou a quem a utiliza, e não a quem a impõe), poderemos perguntar porque razão levou a Boeing tanto tempo (pelo menos desde outubro) a tentar corrigir e a melhorar a atuação do MCAS (e, que pelos vistos, vai ser nesse sentido que vai continuar)? Terá sido suficiente a informação posterior (só após o acidente) para os pilotos sobre a atuação do MCAS (um “curso” rápido de poucos minutos de iPad)?
Se quisermos focar um problema um pouco mais grave, basta recuar até 2005, ano em que a agência federal americana de aviação, FAA, alterou o seu estatuto, deixando de nomear e supervisionar os seus “representantes para a certificação de aeronaves”, autorizando a Boeing e outros fabricantes a selecionarem os seus próprios empregados para certificarem os seus próprios aviões (https://www.nytimes.com/2013/04/26/opinion/a-back-seat-for-safety-at-the-faa.html?module=inline). A justificação foi que tal procedimento pouparia à indústria aeronáutica cerca de 25 biliões de dólares entre 2006 e 2015.
Outro problema maior, é o que se prende com a consideração expressa da Boeing que estes aviões são intermutáveis com os modelos anteriores do 737, pelo que os pilotos que já estavam certificados para voarem os modelos mais antigos do 737 não necessitariam de cursos adicionais para voarem o novo modelo. A FAA concordou com esta conclusão. E, por imitação, todas as companhias que compraram e operavam os aviões. Assim, entre outras coisas, poupavam dinheiro na formação de tripulantes e mecânicos.
A filosofia subjacente a estas decisões é que, devido à crescente automatização, os pilotos são hoje mais meros gestores de sistemas do que pilotos com as mãos e pés a sentirem (mesmo que limitados e condicionados) os comandos e a voarem os aviões.
Só que neste caso (e em alguns outros), as decisões não levaram em consideração alguns aspetos fundamentais da pilotagem relacionados com a resolução de situações de emergência: a melhor forma para lidar com essas situações é treiná-las antecipadamente, para que a resposta seja automática. Um iPad não é um substituto para um simulador.
Notas complementares
Desde o seu aparecimento em 1967, o Boeing 737 é o avião de maior sucesso na aviação comercial. Foram produzidos mais de 10.000. Teve mais de 200 acidentes que levaram à perca do avião, que resultaram na morte de mais de 5.000 pessoas. É considerado um avião muito seguro.
Ao longo destes 52 anos, várias versões do mesmo avião foram sendo postas no mercado. O seu comprimento passou dos 29 metros iniciais para os atuais 44 metros, o número de passageiros aumentou de 118 para 230, e o combustível transportado de 14,7 toneladas para 213 toneladas. Só por si, estas alterações são enormes e, contudo, todos os 737 estão certificados como se tratassem do mesmo tipo de avião.
O termo “eugenia”, aparece pela primeira vez em 1883, na obra Inquiries into Human Faculty and Its Development, do inglês Sir Francis Galton. Segundo ele, a posição ocupada na sociedade pelas classes altas, devia-se ao facto da sua superioridade genética.
A esterilização sem o consentimento do indivíduo foi aplicada em quase todas as nações ao longo do século XX.
Em 1928, as principais universidades americanas tinham 376 disciplinas sobre eugenia, frequentadas por mais de 20.000 estudantes.
No total, 425.000 prisioneiros de guerra alemães foram trazidos para os EUA, e concentrados em 700 campos, espalhados por todo o território.
O ex-presidente do Peru, Alberto Fujimori, admitiu que, com o intuito de reduzir a natalidade para assim aliviar a pobreza, instituiu, entre 1990 e 2000, um programa, no qual cerca de 300.000 pessoas, na sua grande maioria mulheres, foram esterilizadas.
Estima-se que desde 1929 até 1972, após a publicação do Sexual Sterilization Act (1928), 2.800 pessoas tenham sido esterilizadas. Essas esterilizações eram feitas “na tentativa de controlarem as populações marginais”, consideradas como não tendo quaisquer possibilidades de serem integradas na sociedade. Encontra-se bem documentada a utilização de instituições “mentais” para a realização dessas experiências de esterilização.
A esterilização sem o consentimento do indivíduo, foi praticado na Suécia entre 1906 e 1975. Eram invocadas razões médicas, eugénicas (se fossem consideradas loucas ou com doenças severas) ou sociais (espírito fraco, com estilo de vida antissocial). Das 56.500 esterilizações efetuadas, 30.000 foram feitas voluntariamente e por iniciativa do paciente.
O termo “eugenia”, aparece pela primeira vez em 1883, na obra Inquiries into Human Faculty and Its Development, do inglês Sir Francis Galton. Segundo ele, a posição ocupada na sociedade pelas classes altas, devia-se ao facto da sua superioridade genética.
Os seus seguidores acreditavam que, através da seleção, a humanidade poderia melhorar a sua própria evolução. Acreditavam na superioridade dos povos nórdicos, germanos e anglo-saxónicos, defendiam uma imigração restritiva e leis contra a miscigenação, bem como a esterilização compulsória dos pobres, deficientes físicos ou “imorais” (Nancy Ordover, American Eugenics: Race, Queer Anatomy, and the Science of Nationalism).
A nascente classe média americana, bem como grande parte dos académicos (em 1928, as principais universidades americanas tinham 376 disciplinas sobre eugenia, frequentadas por mais de 20.000 estudantes) e intelectuais, concordavam com estas ideias, que eram extensivamente suportadas pelas grandes empresas como a Carnegie Institution, a Rockefeller Foundation, a Harriman, e outras.
O primeiro estado a tentar introduzir a esterilização compulsiva foi Michgan, em 1897, mas que foi vetada. É o estado de Indiana que consegue em 1907 a primeira aprovação, logo seguido de Washington e da Califórnia, em 1909. Entre 1909 e 1960, a Califórnia procedeu a 20.000 esterilizações eugénicas, um terço do total nacional de 60.000.
Há um livro do biólogo americano, Paul Popenoe, Sterilization for Human Betterment: A Summary of Results of 6,000 Operations in California, 1909-1929, que apresenta um relatório muito favorável sobre os resultados alcançados por essa política de esterilização efetuada na Califórnia, e que foi largamente citado pelo governo da Alemanha nazi como evidência que os programas de esterilização produziam na prática bons resultados, eram possíveis e humanos.
O genocídio na Alemanha nazi não começou, nem foi apenas aplicado só aos judeus. Ele começou com o programa de eutanásia para ser aplicado a todos os que fossem considerados como mental e fisicamente incapazes, vindo a abranger um total de cerca de 212.000 alemães.
Eis o que conta Laurence Rees (2005) no seu estudo, Auschwitz. The nazis and the “final solution”:
“No mesmo mês, junho de 1941, uma série de decisões tomadas a muitas milhas de distância teve como resultado tornar Auschwitz num sítio ainda mais sinistro. Prisioneiros de Auschwitz estavam prestes a serem assassinados pela primeira vez por gaseamento, e não ainda segundo o método pelo qual o campo haveria de se vir a tornar tristemente conhecido. Estes reclusos iriam ser mortos porque se tornaram vítimas do programa nazi de “eutanásia para adultos”. Esta operação de assassinato teve a sua origem num decreto do Führer, de outubro de 1939, que autorizava médicos a selecionarem pacientes com doenças mentais crónicas ou fisicamente incapacitados e a matá-los.
De início foram utilizadas injeções de produtos químicos para assassinar os incapacitados, mas, mais tarde, o monóxido de carbono dos gases de escape dos camiões de transporte, passou a ser o método preferido. As câmaras de gás, desenhadas de modo a que parecessem salas para banhos de chuveiro, foram construídas em centros de matança especiais, a maioria antigos hospitais psiquiátricos.
Alguns meses antes de emitir o seu decreto de outubro, Hitler tinha autorizado a seleção e assassinato de crianças deficientes. Ao fazer tal, seguia a gélida lógica da sua visão ultra-darwinista do mundo. Estas crianças perderam o direito às suas vidas porque eram fracas e constituíam um encargo para a sociedade alemã. E, como profundo crente da teoria racial, estava preocupado com a possibilidade de estas crianças serem capazes de se reproduzirem quando atingissem a idade adulta.”
Durante a Segunda Guerra Mundial, os navios americanos que atravessavam o Atlântico em direção à Europa (especialmente Inglaterra) e África, iam cheios de carga (material de guerra, alimentos, medicamentos, e o que fosse preciso), e regressavam normalmente quase vazios. A partir dos primeiros contactos com as tropas da Alemanha nazi e da Itália fascista, passaram a trazer na viagem de regresso, prisioneiros de guerra alemães e italianos.
No total, 425.000 prisioneiros de guerra alemães foram trazidos para os EUA, e concentrados em 700 campos, espalhados por todo o território. Talvez com uma ou outra exceção, o tratamento que receberam foi bom, ao ponto de os guardas americanos negros terem feito notar que os prisioneiros podiam visitar restaurantes segregados que eles não podiam. A confraternização com a sociedade americana excedeu as espectativas. Alguns alemães encontraram durante esse tempo as suas futuras mulheres.
Em alguns dos campos, permitia-se a promoção da ideologia nazi. Mesmo perto do fim da guerra em 1945, oito dos vinte jornais editados nos campos, advogavam a ideologia nazi.
Nota: é elucidativa a leitura da pequena biografia de Paul Popenoe (1888-1979) que defendia a esterilização eugénica como solução, e a inferioridade rácica dos negros. Após a Segunda Guerra, passou a editor de revistas femininas e a consultor matrimonial (https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Popenoe).
Alguém acredita hoje na possibilidade de uma guerra nuclear?
E, contudo, em janeiro de 2018, pela segunda vez em 65 anos, o ponteiro dos minutos do Relógio do Fim do Mundo (Doomsday Clock), avançou para os dois minutos antes da meia-noite, o mesmo acontecendo em janeiro de 2019.
Porque se constroem bombas nucleares se não se podem usar? Donald Trump.
Infelizmente, o que se julgava ser uma fantasia de loucos, a guerra nuclear limitada, passou de novo a ser uma realidade.
Aquele sentimento de terror de que o mundo iria acabar devido a um ataque nuclear, e que levou nações inteiras a prepararem-se para tal possibilidade, desde a compra e construção de abrigos atómicos, exercícios de proteção civil nas escolas e empregos, sirenes anunciadoras da iminência de ataque, instruções a seguir antes, durante e após o ataque, séries de televisão e filmes alusivos, praticamente desapareceu nestes nossos tempos.
É como se não existissem armas atómicas. Alguém acredita hoje na possibilidade de uma guerra nuclear?
E, contudo, alguns especialistas alertam-nos para esse perigo, considerando-o mesmo como sendo iminente, talvez o maior de sempre.
O Bulletin of Atomic Scientists, (https://thebulletin.org/), é uma publicação bimensal, que foi fundada por cientistas envolvidos no Projeto Manhattan (que criou as primeiras armas nucleares) logo após os bombardeamentos de Hiroxima e Nagasáqui (agosto de 1945).
A partir de 1947, passou a inserir anualmente na sua capa o desenho de um relógio anunciador de alarme nuclear, daí ser vulgarmente conhecido como o Relógio do Fim do Mundo (Doomsday Clock), em que o ponteiro dos minutos nos indica o quão próximo estaremos da meia-noite, considerada como o momento da catástrofe nuclear.
No primeiro ano, o ponteiro foi colocado a sete minutos da meia-noite. Em 1949, após a União Soviética ter adquirido a sua primeira bomba atómica, passou para três minutos antes da meia-noite. Todos os anos em janeiro é alterado (ou não) o seu posicionamento. Em 1991, após o fim da Guerra Fria, foi atrasado para os dezassete minutos, e durante alguns anos chegou mesmo a desaparecer.
Em 2005, voltou a ser colocado nos sete minutos para a meia-noite. E em 2018, pela segunda vez em 65 anos, passou para dois minutos antes da meia-noite, o mesmo acontecendo em janeiro de 2019.
Quando em 1949, os soviéticos fizeram explodir a sua primeira bomba atómica, os americanos começaram a desenvolver todos os esforços para conseguirem uma arma nuclear bastante mais potente.
Uma bomba atómica é uma arma de “fissão”, ou seja, o núcleo dos átomos é separado em pedaços cuja soma total pesa menos que os átomos originais: a diferença é o que é transformado em energia. Uma bomba de hidrogénio usa o imenso calor gerado por essa fissão (daí chamar-se “termonuclear”) como rastilho para uma muito maior “fusão” (combinação) de elementos, o que resulta numa maior perca de massa que é transformada em energia explosiva. Uma bomba de hidrogénio tem uma força explosiva de 100 a 1.000 vezes da potência destrutiva da bomba de Hiroxima.
Os mais importantes cientistas do Projeto Manhattan (os mesmos que, coitados, fabricaram a bomba atómica sem saberem que a estavam a fabricar), opuseram-se firmemente ao seu desenvolvimento, por considerarem que tal arma representava um risco potencial para a humanidade. Os próprios membros da Comissão da Energia Atómica recomendaram, numa votação de três para dois, que tal arma não deveria ser produzida. Mas o presidente Truman mandou prosseguir com a sua construção.
Com o aproximar da data para a primeira experiência com a bomba de hidrogénio (1952), os cientistas insistiram de novo para que fosse adiada indefinidamente, agora com o argumento que tal daria levaria a uma competição “catastrófica” com a União Soviética. Sugeriram que fosse feita uma aproximação a Moscovo para que tais armas não passassem da fase de pesquisa, e que fosse feito um acordo sobre a forma de limitar e controlar tais armas.
Na altura, os EUA possuíam no seu arsenal atómico, algumas centenas de bombas, contra algumas dezenas possuídas pela URSS, o que só por si eram mais que suficientes para acabar com o mundo. O presidente Truman acabou por aceitar o argumento de adiar indefinidamente a experiência.
Contudo, nos últimos dias da sua presidência, Truman altera a sua resolução, pelo que no dia 1 de novembro de 1952, a primeira bomba de hidrogénio (“Mike”), com uma potência superior em 500 vezes a de Hiroxima, é detonada em Elugelab, uma pequena ilha do Pacífico que desapareceu (evaporou-se) do mapa.
Três meses depois desse primeiro teste, em janeiro de 1953, o Bulletin of the Atomic Scientists, avançou o ponteiro dos minutos para os dois minutos antes da meia-noite.
Passados dez anos, os EUA possuíam já 20.000 bombas nucleares, a maior parte delas de hidrogénio, e Moscovo, cerca de 2.000.
Mas, por incrível que pareça, foi esta corrida às armas termonucleares cada vez mais poderosas, que permitiu que até agora nenhuma nação as usasse: o seu poder destruidor era tão grande que impossibilitava o seu uso, o que levou inclusivamente Donald Trump a perguntar porque se construíam bombas nucleares se não se podiam usar.
Nos últimos tempos, temos, não só assistido a uma crescente militarização da sociedade, seja através do “aparecimento” de novas armas descaradamente exibidas perante todos, seja através do espetacular aumento dos orçamentos postos à sua disposição, como também temos vindo a assistir ao desmantelamento dos vários convénios sobre a utilização de armas nucleares, e ao aparecimento de chefes de Estado que não se coíbem de considerar o seu uso como opção.
Assistimos ainda ao ressurgimento da “teoria do louco” exposta por Richard Nixon, segundo a qual o inimigo deveria ter receio que um leader americano fosse tão instável que não tivesse qualquer hesitação em premir o botão nuclear, e também ao reaparecimento de novas táticas e estratégias militares que acabarão por conduzir a uma guerra total.
É o que acontece com o início da produção das novas cabeças nucleares de pequena potência destrutiva (cinco kilotoneladas), cerca de um terço da bomba utilizada em Hiroxima. Tais bombas, que teoricamente são concebidas para aumentar a flexibilidade de combate nuclear, são mesmo é para serem usadas: finalmente bombas nucleares que podem ser usadas.
É o regresso à velha teoria da “guerra nuclear limitada”, que tinha sido posta de parte porque todos concordavam que conduziria a uma escalada imprevisível, sem limites. Quem fosse atingido por uma dessas bombas não deixaria de responder, no mínimo de igual forma, entrando-se num processo que conduziria fatalmente a uma troca apocalítica. Infelizmente, o que se julgava ser uma fantasia de loucos, a guerra nuclear limitada, passa de novo a ser uma realidade.
A não ser que sejam só para serem utilizadas contra populações e nações que não tenham capacidade nuclear de resposta. E que, além do mais, tem ainda a grande vantagem económica de acabar com as prisões e campos de internamento. Elugelab.
Aguardemos por janeiro de 2020 para ver a deslocação do ponteiro dos minutos do Relógio do Fim do Mundo.