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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(204) O "aminão-mor" apanhado

Tempo estimado de leitura: 3 minutos.

 

 

“Cá se fazem, cá se pagam”, diz o povo na sua episódica e inconsequente sabedoria.

 

Tudo serve para arrecadar dados sobre as pessoas, seus conhecidos e ambientes frequentados.

 

“Alexa”, a assistente virtual da Amazon, consegue já decifrar as características físicas, o estado emocional dos utilizadores, e o local de nascimento da pessoa, apenas pela sua voz.

 

Teríamos assim um ajustar de contas: nós não dizemos as tuas e tu não dizes as nossas. A ser assim, neste caso Trump 1, Bezos 0.

 

 

 

 

 

Nos tempos em que éramos colonialistas mas não racistas, conta-se que numa esplanada de um café em Luanda, um pequeno grupo falava sobre a caça local, as particularidades dos animais caçados, cada um deles explicando as artimanhas usadas, e lamentando-se da escassez cada vez maior de espécies.

Até que um deles diz: “Eu cá não me queixo. Há uns dois meses que todas as noites tenho ido aí a um sítio e caço sempre “aminões”!

“Eh pá, estás a gozar connosco. Não há aminões!”

“Venham comigo logo à noite, e vão ver”.

Instalados no jipe, com o motor a trabalhar e com as luzes desligadas, no escuro da noite, o condutor informou:

“Estão a ver aquele pequeno grupo? Só se distinguem pelo branco dos olhos. Veem?”

Acelerou com o máximo de velocidade em direção ao grupo de animais, até embater num deles, que antes de ser abatido, gritou: “A mim não!”

 

 

A Amazon (e as companhias por ela dominadas), na sua associação com o Governos dos EUA, nomeadamente com o Pentágono e a NSA, tem vindo a desenvolver produtos no campo da vigilância individual, cada vez mais invasivos. Citando alguns já em fase de “comercialização”:

O “Rekognition”, que através do reconhecimento facial, permite, às forças do governo e à polícias, a possibilidade de identificarem, seguirem e analisarem grupos de 100 pessoas presentes numa única imagem, com o auxílio a bases de dados de dezenas de milhões de rostos.

Com a incorporação de reconhecimento facial às câmaras individuais dos polícias, podem, por exemplo, identificar quem vai às manifestações, seguir indiscriminadamente imigrantes e residentes das cidades, mesmo quando não são considerados como suspeitos de qualquer atividade ilícita.

Dado que a polícia não tem capacidade nos seus servers para armazenar as comunicações de ocorrências em curso ou verificadas, a Amazon “disponibilizou” os seus serviços, o que assim lhe permite uma enorme recolha de dados sobres as vidas quotidianas, intimidade e momentos de vulnerabilidade das pessoas, mais uma vez sem o seu consentimento (http://www.academia.edu/1069341/Surveillance_Society_Questions_of_History_Place_and_Culture).

 

Outro seu produto, o “Ring” (campaínha), com o pretexto de segurança das habitações, além de ficar com todos os dados do interior da casa, ainda faz com que todos os que se aproximem (ou falem) das entradas possam ser identificados através do reconhecimento facial, da voz ou da impressão digital, sendo os seus dados enviados e arquivados num centro governamental.

Outro produto: a assistente virtual da Amazon, “Alexa”, consegue já decifrar as características físicas e o estado emocional dos utilizadores, apenas pela sua voz. Só pelo acento linguístico, consegue determinar o local de nascimento da pessoa.

 

Ou seja, tudo serve para arrecadar dados sobre as pessoas, seus conhecidos e ambientes frequentados.

A Amazon, é das companhias que mais se tem esforçado, trabalhado e lucrado com a destruição da privacidade das pessoas, de todas as pessoas.

 

O “dono” da Amazon, Jeff Bezos, publicou recentemente emails (https://medium.com/@jeffreypbezos/no-thank-you-mr-pecker-146e3922310f),  segundo os quais estava, coitado, a ser chantageado pelo National Enquirer ( um Correio da Manhã, mas em muito grande, lido em todos os EUA), que pretendia não publicar as fotografias (e mensagens) íntimas, trocadas entre Bezos e a sua acompanhante extraconjugal através dos seus iPhones, desde que ele se submetesse ao pedido expresso do National Enquirer de garantir nada dizer sobre a chantagem a que estava a ser sujeito.

Não deixa de ter a sua ironia. O espião, espiado. “Cá se fazem, cá se pagam”, diz o povo na sua episódica e inconsequente sabedoria. O “aminão-mor” apanhado. 

 

Para já, uma das consequências foi o anúncio da separação e consequente ação de divórcio de Bezos, 25 anos após o casamento.

Mas, há qualquer coisa que não se entende muito bem. Porque quereria ficar o National Enquirer incógnito? Ou seja, que ganharia com isso?

O National Enquirer foi aquele órgão de comunicação que apoiou tão ativamente a eleição de Trump e que chegou ao cúmulo do próprio presidente da sua organização admitir ter feito pagamentos para silenciar as histórias sobre as infidelidades de Trump.

Por outro lado, não devemos esquecer que Jeff Bezos comprou recentemente o Washington Post, órgão de comunicação que se posiciona como sendo anti-Trump.

Teríamos assim um ajustar de contas do género: nós não dizemos as tuas e tu não dizes as nossas. A ser assim, neste caso Trump 1, Bezos 0.

 

Veremos se se trata apenas de tricas pessoais sobre lençóis e fronhas que nos impeçam de ver as fotografias desnudas de Bezos, Trump e suas acompanhantes, ou de um episódio revelador de uma reconfiguração do poder. O futuro posicionamento da Amazon (e outras que tais) nos dirá.

 

 

Nota complementar:

Sobre as propriedades, valores, influência do divórcio na Amazon, ler um interessante artigo do Daily Mail, de 10 jan 2019 (https://www.msn.com/en-us/news/world/amazon-ceo-jeff-bezos-has-been-having-an-eight-month-affair-with-a-49-year-old-tv-anchor-sharing-sexy-selfies-and-exotic-vacations-together-and-only-announced-his-dollar140bn-split-from-wife-of-25-years-because-the-fling-was-about-to-be-made-public/ar-BBS3LcI?li=AAavLaF).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(203) As razões que a razão desconhece

Tempo estimado de leitura: 6 minutos.

 

Todos os modelos estão errados, há é alguns que são úteis”, George Box.

 A correlação substitui a causalidade. O “é assim” substitui o “porque”.

 

Não sabemos quem somos ou como somos, não sabemos o que na realidade estamos a fazer e porque o estamos a fazer.

 

O coração tem razões que a razão desconhece, Pascal.

 

 

 

 

Perante uma realidade difícil de perceber e dominar, os primeiros homens acabaram por se verem na necessidade de “construirem um racional” que lhes permitisse entender e protegerem a si próprios e às suas comunidades. Surge assim uma das estruturas compreensivas face-a-face com a realidade, uma primeira forma do humano se confrontar com a realidade, que se veio posteriormente chamar de “mito”.

Muitos e variados são os estudos, interpretações, explicações e descrições sobre o mito (e os mitos) nessas sociedades primeiras.

George Gusdorf, diz-nos que “O mundo, que até então não tinha sentido, passa a ter um sentido” e que “A consciência mítica permite a constituição de uma envolvente protetora no interior da qual o homem encontra o seu lugar no universo”.

Mircea Elíade, diz-nos que “um mito é uma história verdadeira que se passou no começo dos tempos e que serve de modelo aos comportamentos humanos”.

Eduardo de Soveral, intenta mesmo defini-lo como sendo “Narrativa, conto, história, ao princípio , oral, como a saga, e, como a saga, elaborada por sucessivas gerações, mercê de vários e afins mitologemas que já de si são fruto ou projeção na realidade de uma estrutura cognoscente que em especial vigora em faces primitivas ou primitivo-barbáricas, onde mais se vive tecnicamente despojado e onde, no âmbito do que na Vida é substantivo, mais se sofrem e advertem os impasses e limitações – a trágica condição – a que o homem se encontra submetido, mesmo que dela distraído (qual hoje ocorre …)”.

 

Independentemente de toda essa vária explicação e compreensão que acompanha o mito, é importante perceber que ele funciona sempre através daquilo que chamamos ser pensamento por correlação.

Exemplificando: Se durante a noite em que uma mulher grávida está para dar à luz, um lobo uivar e logo de seguida ela tiver uma criança saudável, então forma-se o mito de que sempre que um lobo uivar na noite em que uma mulher grávida estiver para dar à luz, tal é bom para a criança. Ou seja, apesar de não haver qualquer ligação entre as duas ocorrências, conclui-se pela sua relação.

 

A partir do momento em que a humanidade encontrou um método (a escrita) para transmitir, de geração em geração, séries de observações feitas, passando a ser possível classificá-las e coordená-las para daí tirar conclusões e induções, então a chamada filosofia natural (ciência) vai começar a substituir a mitologia. O mito é substituído pela hipótese, pela teoria científica. Causas e consequências, lógica. Um pensamento racional, com que temos vivido os últimos 2.700 anos, e que começa a ser atacado por desnecessário e obstruir o “progresso”.

 

 

Em 2008, Chris Anderson, escreveu um artigo muito interessante, “The end of theory: the data deluge makes the scientific method obsolete” (O fim da teoria: o dilúvio dos data torna obsoleto o método científico), que começa com uma citação do matemático George E. P. Box que diz que “Todos os modelos estão errados, há é alguns que são úteis”.

 

 Segundo Anderson, a teoria aparece como uma construção, um meio auxiliar para compensar a falta de dados. Se dispusermos de dados suficientes, a teoria passa a ser supérflua. Em vez da criação de modelos de teorias hipotéticas, podemos passar diretamente à análise matemática sem o estabelecimento de hipóteses sobre o que poderão significar, deixando para depois o estabelecimento do contexto.

 Podemos lançar números para as maiores constelações de computadores existentes e deixar que sejam os algoritmos estatísticos a encontrar os padrões que a ciência não consegue. A correlação passa a substituir a causalidade. O “é assim” substitui o “porque”.


Transcrevendo Anderson:


Empresas como a Google, que cresceram numa época de massas de dados enormemente grandes, hoje em dia não têm que decidir-se por modelos errados. Aliás, não têm mesmo que decidir-se em geral por nenhum modelo […] Quem pode dizer porque é que os homens fazem o que fazem? Fazem-no simplesmente, e podemos constatá-lo e medi-lo com uma exatidão sem precedentes. Se dispusermos de suficiente data, os números falam por si mesmos.”


Foi assim (não só) que a Google conquistou o mundo dos anunciantes, sem saber nada sobre a cultura e convenções de anúncios. Assumiu que tendo melhores dados e melhores ferramentas de análise, tal seria suficiente para ganhar. E foi.


Ela não sabe porque é que uma página é melhor do que outra: é suficiente que as estatísticas que lhe chegam dos enlaces, lhe digam que é melhor. Não é necessária qualquer análise semântica ou causal. É por isto que a Google pode traduzir linguagens sem as ‘conhecer’, e é por isso que pode adicionar anúncios a conteúdos sem conhecer nem os anúncios nem os conteúdos.


Deparámo-nos aqui com duas das mais importantes linhas de força que podem definir a presente e futura sociedade: a da vigilância digital, que permitindo o acesso ao inconsciente coletivo pode vir a influenciar o futuro comportamento social das massas, com o consequente controle por parte de grandes grupos, sejam eles empresas ou complexos militares-industriais, resultando numa crescente apatia ou militarização da sociedade; o desaparecimento da teoria que nos permitia pensar o mundo ou como o compreender de forma a poder-nos situar nele, quer fosse através da ontologia, da linguística, da sociologia ou de qualquer outra teoria sobre comportamento humano, e sua substituição por matemática aplicada à massificação de dados. “A quantificação do real na busca de dados expulsa o espírito do conhecimento” (ver o meu blog de 13 de janeiro de 2016,  https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/big-data-big-shit-11046).

 

 

 

 

Daniel Kahneman, é um notável psicólogo e economista, Prémio Nobel de Economia em 2002, devido aos seus trabalhos em economia comportamental, “por ter integrado aspetos de investigação psicológica na ciência económica, nomeadamente no que concerne ao processo do julgamento humano e de tomada de decisão debaixo de condições de incerteza”.

As suas master-classes entre 2007 e 2008, “A  short course of thinking about thinking” (https://www.edge.org/event/edge-master-class-2007-daniel-kahneman-a-short-course-in-thinking-about-thinking) foram frequentadas por Jeff Bezos (Amazon), Larry Page (Google), Sergey Brin (Google), Nathan Myhrvold (Microsoft), Sean Parker (Facebook), Elon Musk (Space X, Tesla), Evan Williams (Twitter), Jimmy Wales (Wikipedia).

Em 2011, publica a obra que, de certa maneira, resume todas as suas teorias, Thinking, Fast and Slow (Pensamento, Rápido e Devagar), e que foi aclamada por todos os que veem na utilização da Big Data e afins, a resposta para os problemas da sociedade. Finalmente a obra teórica que justificava o que andavam a fazer.

Retiraram (apressadamente) do professor as conclusões que os raciocínios humanos, entregues a si próprios, conduzem a um certo número de falácias e de erros sistemáticos.

Contudo, já não tiveram tanta pressa e interesse em reproduzirem outras conclusões, como a de que o sucesso a nível financeiro tem mais a ver com o aleatório do que com o planeamento.

 

 

Muito resumidamente, o que diz Kahneman: que apreendemos o mundo por duas maneiras radicalmente opostas, a que vai chamar “Sistema 1” e “Sistema 2”.

O Sistema 1 é rápido, intuitivo, associativo, metafórico, automático, impressionístico, e não pode ser desligado. É o “autor secreto da grande maioria das escolhas e juízos que fazemos”.

O Sistema 2 é lento, cansa-se facilmente (“ego depletion”) e, quando em funcionamento, requer atenção. Contra vontade, passa a atuar quando as coisas se tornam difíceis.

Mas Kahneman avisa-nos do erro que cometeremos sempre que pretendermos sermos apenas nós próprios (o Eu) a decidir. E explica que não nos devemos identificar com o Sistema 2 porque somos também igualmente e profundamente Sistema 1. Compara o Sistema 2 a um ator secundário que acredita ser o ator principal, muitas vezes sem fazer ideia do que se passa.

Como o Sistema 1 é lento e se cansa facilmente, aceita normalmente o que o Sistema 1 lhe diz, o que até é bom, porquanto o Sistema 1 é na maior parte das vezes muito bom naquilo que faz, sendo muito sensitivo para pequenos indícios, sinais de perigo, e outros.

Contudo, ao ser rápido, o Sistema 1 tende a simplificar, baseando-se no que vê, mesmo em mexericos e boatos. Além disso, é francamente mau quanto ao pensamento estatístico, saltando rapidamente para conclusões influenciadas, sujeitas a efeitos de interferências (são descritas e exemplificadas várias delas, o efeito de halo, o efeito Florida, efeitos ancoragem, de enquadramento, de ilusão de focagem, etc.).

A enorme quantidade de exemplos dados da vida, desde influências nas decisões judiciais até às dos negócios, levam-nos a concluir que não sabemos quem somos ou como somos, não sabemos o que na realidade estamos a fazer e porque o estamos a fazer.

 

 

Kahneman, demonstra que nós não somos criaturas racionais, sendo antes instintivas, pelo que nos avisa que qualquer tentativa para nos pôr a atuar racionalmente tem de ter em consideração todos os preconceitos porque somos constituídos, pois, caso contrário, o falhanço será inevitável.

De certa maneira, já Pascal o dissera: “O coração tem razões que a razão desconhece”. Agora com uma nova versão mais elaborada: “O Sistema 1 tem razões que o Sistema 2 desconhece”.

 

Curioso que ao fim de milhares de anos, o pensamento de correlação do mito tenha conseguido permanecer, menosprezado e menorizado, e que acabe por ressuscitar, começando de novo a impor-se. Há quem defenda que estas formas de permanência são características do pensamento humano, uma característica da filosofia face ás ciências, na medida em que nas ciências, quaisquer inovações põem totalmente de lado a teoria antiga.

Se assim for, resta-nos esperar que o pensamento dito racional se prepare para a sua menorização e posterior ressurreição daqui a alguns milhares de anos. Sempre na medida em que os detentores do poder dele voltarem a ter necessidade para se conservarem no poder.

 

 

 

 

 

(202) "O Homem é uma invenção"

Tempo estimado de leitura: 7 minutos.

 

“O desaparecimento do Homem” como oportunidade para o surgimento de uma nova moral e de novos sistemas políticos.

 

Como poderemos nós conhecermo-nos a nós próprios a não ser com o nosso próprio conhecimento?

 

Não encontramos a noção de Humanismo antes da segunda metade do século XVIII. O Homem não passa de uma invenção recente, uma figura que não conta mais de dois séculos, uma simples inflexão do nosso saber, e que há-de desaparecer logo que este tenha encontrado uma forma nova.

 

Descobriu-se aí há uns cinquenta anos que a literatura não era só feita para nos divertir, nem a música para nos dar sensações viscerais.

 

 

 

 

Há uma entrevista dada em 1966 por Michel Foucault, a propósito do aparecimento do seu livro As Palavras e as Coisas: Uma arqueologia das ciências humanas, que me parece ser extremamente importante para a compreensão dos tempos atuais, ao apresentar “o desaparecimento do Homem” como uma oportunidade para o surgimento de uma nova moral e de novos sistemas políticos.

 

Começa por nos dizer que devemos considerar a nossa própria cultura “como qualquer coisa que nos seja alheia, estrangeira a nós próprios, como se fosse uma cultura Arapesh, Zuñi ou Chinesa”.

Aliás, há muito que vimos tentando considerá-la como um objeto, como algo, uma coisa que esteja à nossa frente.

O que não temos feito é considerar o nosso próprio conhecimento como um objeto que nos seja alheio. Como se estivéssemos a olhar-nos a um espelho e que nos sentíssemos estrangeiros a nós próprios. Ou seja, o que não temos feito é “estudar o nosso conhecimento desde o tempo dos gregos como o faríamos se fosse uma cultura Arapesh, Zuñi ou Chinesa”.

O problema que isto nos põe é o seguinte: como poderemos nós conhecermo-nos a nós próprios a não ser com o nosso próprio conhecimento?

Só utilizando as nossas próprias categorias de conhecimento é que poderemos conhecermo-nos. E se quisermos precisamente conhecer essas categorias, encontramo-nos numa situação muito paradoxal e complexa. Precisamos como que de uma contorção da razão sobre si própria, para que ela possa reexaminar-se a si própria como um fenómeno alheio. Ela necessita de sair dela própria, por uma maneira qualquer, para que possa fazer a etnologia da sua própria cultura.

 

 

O Homem, se não tem sido um sonho mau, tem pelo menos sido uma figura muito particular, historicamente muito determinado e situado no interior da nossa cultura.

No século XIX e na primeira metade do século XX, acreditava-se que o Homem era a realidade fundamental dos nossos interesses. Tinha-se a impressão que a procura da verdade sobre o Homem dera início e finalidade à busca da ciência, da moralidade, e certamente da filosofia.

Se virmos mais de perto esta ideia que a cultura nos foi transmitindo sobre o Homem, talvez vejamos antes uma ilusão que vem do século XIX. Aliás, até ao final do século XVIII, nunca nos tínhamos ocupado do Homem como tal.

É curioso que mesmo a noção de Humanismo que atribuímos ao Renascimento, é uma noção muito recente. Não encontramos essa noção de Humanismo antes da segunda metade do século XVIII. Pode-se dizer que antes do século XIX o Homem não existia.

O Homem não passa de uma invenção recente, uma figura que não conta mais de dois séculos, uma simples inflexão do nosso saber, e que há-de desaparecer logo que este tenha encontrado uma forma nova.

 

O que existia era um certo número de formas de conhecimento e reflexão, questões sobre a natureza, questões sobre a verdade, questões sobre o movimento, questões sobre a ordem, sobre a imaginação, sobre a representação, etc... Mas não existia a questão sobre o Homem. “O Homem é uma figura construída perto do fim do século XVIII e início do século XIX, e que deu lugar áquilo a que ainda hoje se chama de ciências humanas.”

 

Esta nova noção do Homem inventada nos finais do século XVIII originou também o aparecimento do humanismo, do humanismo do Marxismo, do Existencialismo, que são hoje as principais correntes suas representantes.

 

Paradoxalmente, o desenvolvimento das ciências humanas tem vindo a contribuir para o desaparecimento do Homem, mais que para a sua apoteose. Temos vindo a constatar que as ciências humanas não conseguem descobrir o fundo concreto do indivíduo, provas concretas da existência humana. Antes pelo contrário, quando estudamos por exemplo as estruturas comportamentais da família (Levi Strauss), ou os grandes mitos Indo-Europeus (Dumézil), ou quando estudamos a própria história do nosso conhecimento, não se descobre a verdade positiva do Homem.

 O que se descobre são os grandes sistemas de pensamento de grandes estruturas formais, que não são mais que o solo em que aparecem as individualidades históricas. É por isso que atualmente o pensamento se começa a afastar do que até aqui tem sido. Estamos hoje a sentir um grande corte com o que se pensava no século XIX e metade do século XX.

 

Não se trata de uma rejeição, mas de um distanciamento para com Sartre. Sartre, embora sendo um grande filósofo, é um homem do século XIX. Isto porque toda a sua filosofia se baseia em querer fazer o Homem adequado ao seu próprio significado. Pretende sempre encontrar a existência humana como sendo absolutamente autêntica. Pretende trazer o Homem de volta a si mesmo, por forma a torná-lo possuidor do significado que lhe possa ter escapado. Daí a sua filosofia ser uma filosofia de alienação.

 

Em vez disso, o que pretendemos não é mostrar o que é individual, o que é singular, o que tem sido verdadeiramente experienciado enquanto humano, mas antes a existência de uma espécie de superfície inquieta, e por vezes cintilante, por cima de grandes sistemas formais, em que por vezes flutua a espuma e a imagem da existência humana.

 

Como é que politicamente tudo isto se concretiza? Essa tem sido sempre a pergunta que se tem posto a todas as formas de reflexão que intentam destruir um mito e que ainda não tenham reconstruído uma nova mitologia.

Por exemplo, durante muito tempo, filosofia e teologia mantiveram uma relação em que competia à filosofia definir que moralidade ou política poderia deduzir a partir da existência de Deus.

Quando a filosofia, a cultura, descobriu que Deus estava morto, foi imediatamente proclamado que “Se Deus está morto, então tudo é permitido” e que “a moralidade não era possível”, “Se Deus está morto, que política devemos adotar ou esperar?”

Contudo, a experiência já nos mostrou que nunca a reflexão moral e política foi tão viva, tão rica, tão influente, como a partir do momento em que se verificou que Deus estava morto. E agora que o Homem está a desaparecer, põe-se a mesma questão:

“Se o Homem está morto, então tudo é possível!” Ou mais precisamente, dir-nos-ão que tudo é necessário. O que se passou com a descoberta que Deus estava morto, dessa descoberta da grande falta de um ser supremo, foi o aparecimento desse grande espaço da liberdade.

O que se descobre agora com a desaparição do Homem, é que esse pequeno espaço deixado pelo seu desaparecimento, nos aparece como moldura de uma espécie de necessidade, de uma grande teia de sistemas a que pertencemos e que nos têm dito serem necessários.

É provável que, da mesma forma que se passou com o espaço de liberdade proveniente da morte de Deus, os grandes sistemas políticos e morais como o Marxismo, o Existencialismo, darão origem a novas grandes opções morais e políticas. E mesmo que não os vejamos virem, ninguém consegue predizer o futuro.

 

Não é grave. Descobriu-se aí há uns cinquenta anos que a literatura não era só feita para nos divertir, nem a música para nos dar sensações viscerais. Pergunto-me se não nos apercebemos que o pensamento possa vir a ser outra coisa que não seja o prescrever aos homens aquilo que eles têm para fazer. Seria bom que o pensamento se pensasse a ele mesmo, descobrisse o inconsciente nas profundezas daquilo que pensamos.

 

 

É também elucidativo aquilo que Foucault escreveu no prefácio desse seu livro:

 

Este livro nasceu de um texto de Jorge Luís Borges. Do riso que sacode, à sua leitura, todas as familiaridades do pensamento – do nosso; do que tem a nossa idade e a nossa geografia _, abalando todas as superfícies ordenadas e todos os planos que tornam sensata para nós a pululação dos seres, fazendo vacilar e inquietando por longo tempo a nossa prática milenária do mesmo e do Outro. Este texto cita «uma certa enciclopédia chinesa» onde vem escrito que «os animais se dividem e: a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo, l) et caetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas». No deslumbramento desta taxinomia, o que alcançamos imediatamente, o que, por meio do apólogo, nos é indicado como o encanto exótico de um outro pensamento é o limite do nosso: a pura impossibilidade de pensar isto.

 

E, mais à frente, explica:

 

Os códigos fundamentais de uma cultura – aqueles que regem a sua linguagem, os esquemas percetivos, as suas permutas, as suas técnicas, os seus valores, a hierarquia das suas práticas – fixam logo de entrada para cada homem as ordens empíricas com que ele terá de lidar e em que se há-de encontrar. Na outra extremidade do pensamento, as teorias científicas ou as interpretações de alguns filósofos explicam porque é que há em geral uma ordem, a que lei geral ela obedece, que princípio pode dar conta dela, porque razão é que esta ordem é estabelecida por preferência a uma outra.

Mas entre essas duas regiões tão distantes há um domínio que nem por ter sobretudo um papel intermediário, é menos fundamental. É nesse domínio que uma cultura, afastando-se insensivelmente das ordens empíricas que lhe são prescritas pelos seus códigos primários, instaurando uma primeira distância em relação a elas, lhes faz perder a sua transparência inicial, cessa de se deixar passivamente atravessar por elas, liberta-se o bastante para verificar que essas ordens não sejam as únicas possíveis nem as melhores.”

 

 

Tudo isto implica que para Foucault as categorias de “causa” e “efeito”, de “antecedente” e “consequente” sejam apresentadas como fazendo parte de uma metodologia precisa e bem datada, de uma metodologia naturalista-racionalista cujos triunfos no domínio das ciências experimentais a impuseram como um duplo do comportamento racional em todos os setores do conhecimento. Pelo que propõe em sua substituição uma metodologia sem dialética, optando pela “descontinuidade” contra a “continuidade”, pelo que não é de espantar as críticas dos principais filósofos da época, apresentando Foucault e o Estruturalismo como uma variante de puro irracionalismo.

 

De facto, na sua interpretação, a Foucault não lhe interessava saber como se operou um determinado estado de coisas cultural. Interessava-lhe verificar apenas esse estado de coisas e simultaneamente notar que é ele que pensa no sujeito: não é o sujeito que pensa, mas o Sistema por ele.

Cinquenta anos depois, olhemos o que se passa à nossa volta.

(201) A hierarquia na ocupação dos galhos

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

É agradável saber que temos sempre o controle da situação e nunca somos rejeitados.

 

Podemos mesmo bater-lhes, que não se estragam.

 

“Atuo como um gentleman. Nunca tenho sexo sem antes lhes pedir autorização. Durmo com elas. Cubro-as com um cobertor elétrico, e o silicone absorve o calor”.

 

Não se pode pretender ser anti preconceituoso quando se admite um robô sexual para homens, mas não um vibrador robótico dirigido ao orgasmo da vagina.

 

 

 

 

Não passando a pornografia de uma redução das mulheres a corpos, necrofilia, não é de espantar que a sua progressista indústria de enterros vivos tenha de estar atenta a todos os desenvolvimentos sociais e científicos, para daí obter rendimentos e proporcionar serviços apreciados e requisitados pelos clientes.

Dos serviços de “acompanhamento” aos bordéis, dos filmes aos “brinquedos” sexuais, sempre na vanguarda do entretenimento. O último êxito desta indústria, o da comercialização de bonecas de silicone especial em tamanho natural, tem rapidamente passado para o seu “aluguer” à hora em estabelecimentos próprios, espalhados pelas várias cidades e arredores das nações mais civilizadas (que, para este efeito, são todas).

Explicava uma vendedora da Lovable Dolls:

 

Todas elas vêm com cabeças removíveis. Há uma grande variedade de cabeças. A cabeça pode ser retirada para se lhe colocar facilmente uma outra. Os olhos podem-se movimentar, tendo para tal o cuidado de se fazer pela parte de dentro para não se danificarem as pestanas […] Depois, são embaladas vestidas com lingerie, todas arranjadas. Sapatos, unhas feitas, maquilhagem e peruca. Expedimo-las com cabeça. Assim, quem as receber, ao desembalá-las, terá aquela sensação: ‘Uau!! A minha rapariga, pronta para usar’.”

 

Mais pormenores: as bonecas custam 7.500 dólares cada, feitas de acordo com as especificações individuais do comprador, vêm com vários tamanhos de mamas, línguas, bocas e vaginas, com sete cores diferentes de pele, e onze cores de olhos.

Nos salões de exposições, convidam-se os clientes a criarem as suas próprias bonecas, que normalmente são réplicas em silicone de artistas pornográficas presentes para sessão de autógrafos, que engloba também a possibilidade de se lhes poder apalpar o rabo ou tirar selfies.

No mostruário das Reed Dolls, podem ver-se torsos de mulher sem cabeça, sem pernas, expondo-se várias vaginas anatomicamente corretas, com pelos púbicos, onde os homens experimentam meter os dedos para sentirem o silicone.

 

Um dos clientes tem oito bonecas para uso próprio. A cada uma delas deu um nome. Coloca-as sentadas ou deitadas por toda a casa, para que quando chega a casa sinta que tem uma família. Compra-lhes roupa, maquilha-as, fala com elas, tira-lhes fotografias:

 

Temos de ser criativos. Temos de fazê-las sentir que interagimos com elas. Podemos pô-las a fazer coisas com as mãos. Podemos por os seus braços à volta do nosso pescoço. Podemos colocá-las em qualquer posição, fotografá-las a usarem brinquedos sexuais. E é agradável saber que temos sempre o controle da situação e nunca somos rejeitados.

Sempre que quer ter sexo com elas, põe-lhes lubrificante na boca, na vagina e no ânus. “Atuo como um gentleman. Nunca tenho sexo sem antes lhes pedir autorização. Durmo com elas. Cubro-as com um cobertor elétrico, e o silicone absorve o calor”.

Pôr-me em cima delas é como estar em cima de uma pessoa. Estabeleço contato com os olhos delas, falo com elas como o faria com um animal de estimação, e elas não fogem. Pode-se mesmo bater-lhes, que não se estragam. Os seus movimentos são realistas.”

 

Comparando com mulheres reais, diz-nos ainda:

 

Da minha experiência, mulheres que se pareçam com estas bonecas não são mentalmente ou emocionalmente estáveis. Onde é que eu encontraria quem fosse inteligente, atrativa, e que quisesse estar comigo? Embora as enormes mamas tornem muito difícil vesti-las, foi isso que me tornou num apreciador das peças do vestuário das mulheres”.

 

O passo seguinte foi o aparecimento de bordeis disfarçados, com estas bonecas como protagonistas. Alugadas à hora e meia-hora (os preços de agora, em Nova Iorque, são de 80 dólares por meia hora e de 120 por hora para clientes regulares, e de 300 dólares por 90 minutos para um serviço fora), os empreendedores mostram-se deliciados com a afluência de clientes.

As regras dos estabelecimentos implicam que as bonecas não possam ser violadas, ou espancadas. Os clientes devem usar preservativos. Após cada utilização as bonecas seguem para uma “estação de esterilização”, à base de água a ferver e sabão antibacteriano. As perucas sintéticas são substituídas semanalmente.

Uma das vantagens é que os serviços públicos de saúde não fazem inspeções de rotina a este serviço de arrendamento de bonecas.

Estão já na calha versões mais atualizadas com cabeças que se movem e podem produzir sons e até falar, e com Inteligência Artificial que lhes permitem memorizar os gostos de cada cliente. Evidentemente, a hora será mais cara.

 

 

 

A mostra internacional de 2019 de Produtos Eletrónicos de Consumo (CES, International Consumer Electronocs Show) que habitualmente se realiza em Las Vegas, informou a diretora da empresa Lora DiCarlo, que o seu produto Osé, um vibrador pessoal, fora selecionado como vencedor do prémio de Inovação na categoria de robótica e drones.

O vibrador em questão não precisava da utilização das mãos para funcionar, e que através da “nova tecnologia micro-robótica imitava perfeitamente todas as sensações da boca humana, língua, e dedos, tal como se se tratasse de um verdadeiro parceiro”.

Só que um mês depois, a Administração da CES, contactou a Lora DiCarlo informando-a de que não só lhe tinha sido retirado o prémio, como o produto não poderia ser exposto na CES 2019. E passou a explicar:

 

O produto não deveria ter sido aceite para os prémios do programa de Inovação porque não se encaixava em nenhuma das categorias existentes”, e porque “todo o produto que a CTA (Consumer Technology Association) considerasse como sendo imoral, obsceno, indecente, profano, ou que não respeitasse a imagem que a CTA representava, seria desqualificado”.

 

O representante da Lora DiCarlo nota que “Osé” foi um “produto desenvolvido por uma equipa de engenheiros trabalhando em associação com a Universidade do Estado de Oregon, cujo laboratório de robótica é um dos melhores do país”.

Quanto à questão de nem sequer ser autorizado a mostrá-lo na Exposição, refere que “na CES de 2018 figurava uma boneca sexual para homens e uma empresa de vídeos pornográficos exibia-os aí há vários anos, permitindo que os homens vissem pornografia ali, em público. […] A sexualidade dos homens é permitida ser explícita com a apresentação de um robô sexual juntamente com a exibição de vídeos porno. Por outro lado, a sexualidade feminina, é excluída. Não se pode pretender ser anti preconceituoso quando se admite para exibição um robô sexual para homens, mas não um vibrador robótico dirigido ao orgasmo da vagina”.

 

 

 

Tarana Burke (1973-), negra americana nascida em Bronx, Nova Iorque, vítima ela própria de assalto e violência sexual, tornada ativista social perante a permissividade com que as jovens negras eram vistas e tratadas pela sociedade. Em 2003, desenvolveu o programa “Just be”, dirigido a todas as jovens negras entre os 12 e 0s 18 anos.

Em 2006, fundou o movimento “Me Too” que pretendia usar essa frase para despertar a sociedade para o problema do abuso sexual instituído e consentido pela sociedade. Várias foram as causas sociais que têm abraçado este movimento, a última das quais na Coreia do Sul em que dezenas de milhar de prostitutas organizadas obrigaram o Governo a reconhecerem os seus direitos.

 

Posteriormente, em 2017, a atriz Alyssa Milano, encorajou as mulheres que tivessem sido sujeitas a assalto sexual, a exporem as suas experiências no hashtag “#Me Too”. As campanhas deste movimento têm normalmente sido dirigidas contra homens que delas tenham abusado sexualmente ou que tenham expressado ideias ou palavras consideradas ofensivas.

Têm usado o exercício de um enorme poder mediático não verificado (um julgamento justo, o direito a dúvida razoável, …), e que se em parte possa ser considerado justo, não pode deixar de lembrar as purgas brutais dos momentos revolucionários em que esses excessos são compreensíveis por se tratar de uma mudança radical, mas que não deixam por isso mesmo serem indicadores do desvio dos objetivos iniciais.

 

Daí a hierarquia da ocupação dos galhos continuar a manter-se.

 

 

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