O pensamento científico é aquele que se preocupa com a relação das coisas entre si, para desse particular extrair conclusões gerais e que sejam válidas para o universo.
“A Ciência é um corpo organizado de conhecimentos (conjunto de informações obtidas através da experiência, intelecção e juízo), com base numa teoria (a vertente explicativa) e pesquisa (observações que são revelantes para as previsões e teorias)”, M. Henriques.
Aheurística é um processo de investigação de realidades ainda não conhecidas.
Ainda hoje, talvez para a grande maioria das pessoas, não se entenda muito bem a fronteira que existe entre o pensamento dito pré-científico e o pensamento dito científico.
É por isso que a catalogação das espécies, as cores que julgamos ver fazendo-as depender do local em que estamos, da hora do dia ou estação do ano, e até mesmo a intuição de Demócrito ao enunciar que a matéria ere composta por átomos, sejam normalmente entendidos, erradamente, como fazendo parte do pensamento científico.
O problema, é que esses estudos das coisas relacionando-as connosco, e que nos permitem descrever e classificar minerais, plantas, animais, etc., na realidade, nada acrescentam ao estudo e conhecimento dessas coisas em si.
Essa forma de estudos é a que nos levou a acreditar, por exemplo, que a cor vermelha dependia da exposição à luz solar, ou do modo como era observada, ou das nossas capacidades para aprender a cor, etc.
Sabemos hoje que as cores, tal como explicou Maxwell, dependem de determinado comprimento de onda próprio, e que são independentes do observador, do movimento e do local em que são observadas.
Explicações como estas de Maxwel só foram possíveis porque séculos antes, Galileu (1564-1642), se preocupara em verificar a relação que as coisas tinham entre si, e não a relação que essas coisas tinham connosco, para que depois, desse particular, poder vir a extrair conclusões que fossem gerais e que fossem válidas para o universo, iniciando assim aquilo que se conhece como “pensamento científico”.
Para realizar as suas experiências sobre o movimento, Galileu fez construir um plano inclinado regulável, por onde iria fazer rolar esferas, anotando as distâncias percorridas e os tempos que levavam a percorrer.
Começou por observar que a distância percorrida pela esfera em dois segundos era quatro vezes maior do que a distância que percorria em um segundo, o que o levou a concluir que a distância percorrida variava com o quadrado do tempo.
Verificou também que a velocidade da esfera ao fim de dois segundos era o dobro da velocidade ao fim de um segundo, o que o levou a concluir que a velocidade da esfera variava proporcionalmente com o tempo, e que a aceleração se mantinha constante.
Notou ainda que à medida que ia aumentando a inclinação do plano, a aceleração da esfera era cada vez maior, tendo como limite um valor que ele estimou inultrapassável de 9,8 metros por segundo se a inclinação do plano fosse colocada na vertical.
Esta conclusão a que chegou de que a aceleração de qualquer corpo atingiria um máximo de 9,8 metros por segundo ao longo de uma queda na vertical, entrava em conflito com o que a ciência da época preconizava, segundo a qual uma pedra de dois quilos cairia duas vezes mais depressa que uma pedra de um quilo (o que curiosamente ainda hoje faz parte do senso comum).
Conta-se até (não se sabe se tal aconteceu) que para provar as suas experiências convenceu vários professores a acompanhá-lo à torre inclinada de Pisa e, do andar mais alto, deixou cair uma pedra grande e outra pequena que teriam chegado ao mesmo tempo ao solo.
Esse procedimento de procurar uma correlação mensurável entre os corpos em queda, passando da observação e da experimentação para a sua anotação em tabelas e gráficos, seguida de uma tentativa de entendimento do seu significado possível e posterior encontro das fórmulas matemáticas que o poderiam integrar, explicar e predizer, expressando assim uma possibilidade, uma hipótese, iria permitir outras futuras observações e experimentações, quer para confirmação quer para revisão dos resultados alcançados.
Ou seja, Galileu não inicia a sua experiência sabendo de antemão que a aceleração era constante e que a distância percorrida variava com o quadrado do tempo.
Ele vai criar um método (processo para alcançar o objetivo) que, por tratar do relacionamento das coisas entre si sem referência connosco, lhe vai permitir alcançar uma conclusão válida que poderá ser aplicada a todo o universo, uma lei universal (as mesmas leis físicas, são válidas em toda a parte).
Este método, esta estrutura de pesquisa, vai permitir-lhe investigar o que ainda não conhecia, investigar relações entre si ainda não especificadas e estabelecer funções ainda não determinadas.
Esta estrutura de pesquisa adotada por Galileu é o que se chama de estrutura heurística. Ela dá origem a formas de conhecimento que não são definitivas e onde se começa por nomear o desconhecido, elaborando depois as suas propriedades, que servirão de seguida para dirigir e ordenar a investigação.
A heurística é por definição um processo de investigação de realidades ainda não conhecidas.
Tal estrutura estará na base do êxito e enorme desenvolvimento que a ciência vai ter. E até hoje tem resultado, apesar do paradoxo que contém em si e que sempre a acompanhará: como se decidem dos meios a seguir para finalidades que se desconhecem?Como conhecer o que ainda se não conhece?
Foi este o grande avanço que Galileu trouxe, permitindo desde então definir o conceito de ciência clássica para o diferenciar da pré-ciência que o antecedia. Quer isto dizer que não existia ciência na Grécia e Roma antigas, na China, nos países muçulmanos ou na época medieval europeia?
Ciência como corpo organizado de conhecimentos (conjunto de informações obtidas através da experiência, intelecção e juízo), com base numa teoria (a vertente explicativa) e pesquisa (observações que são revelantes para as previsões e teorias), não existia!
A maior parte do progresso técnico era resultante de observação e de experiências falhadas, tentativa e erro, engenharias, técnicas, aprendizagem, afirmações abstratas sem consequências observáveis.
O exemplo mais elucidativo é o de Demócrito: ao propor que toda a matéria era constituída por átomos, não estava a antecipar a teoria atómica científica, pois não se baseou na observação ou conclusão resultante de experiências.
Tratava-se meramente de uma especulação, tão válida como a de Empédocles segundo o qual a matéria era constituída por fogo, água, ar ou terra, ou a de Aristóteles para o qual a matéria era composta por calor, frio, secura, humidade e quintessência: simples coincidência!
“A paixão pelo meu país contribuiu para a minha infidelidade conjugal”, Newt Gingrich.
“Cheguei a adulto nos anos 60 e 70, quando todas as regras sobre comportamento e local de trabalho eram diferentes. Essa era a cultura de então”, Harvey Weinstein.
“Elas vão para Hollywood para serem estrelas de cinema de primeira grandeza e acabam como amantes de gangsters”, Mickey Spillane.
“Há uma mulher que apanha e cala, porque hoje é sábado”, Vinicius de Moraes.
Todos conhecemos a história de “o Rei vai nu” ou do aforismo “quem não quer ser lobo não lhe veste a pele”, que se vai sempre reproduzindo, aparentemente sem fim à vista e com agrado geral, na medida em que, independentemente dos julgamentos, dá-nos aquele conforto e segurança de que somos humanos inscritos, segundo nos contaram, numa história muito antiga e da qual não vemos saída.
A necessidade de chefes a quem seguir, de artistas a quem adorar, de pertencer a instituições sem as quais a vida não seria possível, leva-nos sempre a olhar para cima com reverência, na esperança que os de cima, por crermos que nos são superiores, nos apontem o caminho.
Mas, se essa nossa esperança, embora incorreta e com consequências, se possa compreender devido à nossa crendice, boa fé e preguiça, já a apropriação dessa crendice e boa fé por parte dos nossos mandantes não tem qualquer outra justificação que não seja a vaidade, a prepotência, o egoísmo, o narcisismo, a cupidez, a chulice, julgando que tudo lhes é permitido como raça superior que pensam ser.
Por vezes, vá-se lá saber porquê (a rotação da terra aumentou, o polo magnético desviou-se, as ondas gravíticas chegaram mais cedo, os livros dos Deuses escritos com a tinta invisível e indelével das almas imaculadas de branco evidentemente assim o dizem, ou porque há mais chineses a defecarem para a esquerda, etc.), acontece um acumular de acontecimentos, não que eles não acontecessem na mesma, mas porque se tornam conhecidos, que põe a nu a vestimenta dessas elites. Foi o que aconteceu neste outubro.
Por uma votação de 75-20, o Senado dos EUA propôs a nomeação de Callista Gingrich para o lugar de embaixador dos EUA junto da Santa Sé, Vaticano.
Callista Gingrich é a terceira mulher de Newt Gingrich, o republicano speaker da Assembleia entre 1995 e 1999, que atacou violentamente o então presidente Bill Clinton devido ao caso que este manteve com Monica Lewinsky, sendo um dos principais proponentes do impeachment. Ao mesmo tempo que conduzia ativamente esse processo contra Clinton, Gingrich enganava a sua segunda mulher, Marianne, com a então Callista Bisek, assistente republicana no congresso.
Para além de ser casada com Newt Gingrich, Callista parece ter várias qualificações para o cargo que vai ocupar, pois além do seu catolicismo é também católica. Callista tem bastante experiência a lidar com a igreja, uma vez que ela e o seu marido conseguiram persuadir a instituição a anular os casamentos anteriores de Newt Gingrich (http://www.patheos.com/blogs/geneveith/2011/12/newt-wasnt-married-after-all/).
Gingrich, que já se divorciara da sua primeira mulher, Jackie Battley, enquanto esta se encontrava a ser tratada por câncer, invocou perante a Arquidiocese Católica de Atlanta, que o seu segundo casamento com Marianne Ginther, que durava há 18 anos, devia ser anulado porquanto a sua mulher tinha sido anteriormente casada. A Igreja deu-lhe razão.
Após ter falhado a tentativa de candidatar-se a Presidente, Gingrich acabou por se demitir. Mais tarde explicou que “a paixão que tinha pelo seu país” tinha contribuído para a sua infidelidade conjugal com Callista (http://www.chicagotribune.com/news/sns-ap-us-newt-gingrich-2012,0,624356.story). Uma relação sexual patriótica.
Quase ao mesmo tempo em que o Senado propunha Callista para embaixador na Santa Sé, um outro congressista republicano, Tim Murphy, viu-se forçado a pedir a sua resignação, e isto porque se descobriu que na mesma altura em que tinha votado a favor da proibição de aborto depois das 20 semanas, ele tinha pressionado uma mulher a fazer um aborto.
Também Dennis Haster, republicano que ficara a substituir Bob Livingston na condução do processo de impeachment que estava a ser movido a Clinton, veio agora a ser indiciado por encobrimento de pagamentos de $1,7 milhões em proveito próprio, para esconder “abusos sexuais a um seu aluno masculino durante a época em que ensinava em Yorkville”. Foi condenado a 15 meses de prisão, tendo o juiz considerado que se estava na presença de um “abusador em série de crianças”.
Já agora, lembremos que Bob Livingstone, que fora eleito representante do partido republicano para o processo que deveria conduzir ao impeachment de Clinton, e que ficara no lugar de Gingrich, acabou por renunciar ao cargo por terem sido publicamente reveladas as relações extramatrimoniais que mantivera com quatro mulheres nos últimos 10 anos.
Também este mês se revelou que Harvey Weinstein, contribuinte maior do Partido Democrata, o manda tudo e todos de Hollywood, cofundador da Miramax, produtor, entre outros, de Pulp Fiction, Shakespeare in love, O paciente inglês, A vida é bela, Chicago, O senhor dos anéis, e promotor agressivo dos Óscares para Meryl Streep, Kate Winslet, Penélope Cruz, Jennifer Lawrence ou Gwyneth Paltrow, foi acusado de abuso de poder e de ao longo de três décadas molestar mulheres da indústria cinematográfica e dos media.
A sua desculpa foi que:
“Cheguei a adulto nos anos 60 e 70, quando todas as regras sobre comportamento e local de trabalho eram diferentes. Essa era a cultura de então”.
Trump, o tal que as domestica agarrando-as pela abertura, disse:
“Há muito que conheço Harvey Weinstein. Não estou nada surpreendido”.
Evidentemente, tal como a Igreja, calou-se.
Todos estes acontecimentos, aparentemente tão diferentes e por isso quase sempre tratados separadamente, são na realidade idênticos. Todos eles são meras manifestações de poder.
Poder, que em vez de ser exercido a cuidar e tratar das pessoas é utilizado para que se sintam como superiores, como raça aparte, a quem tudo é devido, e que de tudo pode dispor. Acabadas todas as mentiras que os colocavam como representantes de deuses, são agora apenas humanos que utilizam as suas posições para abusarem de outros humanos. Fazem-no porque podem. E podem, porque têm poder.
Em vez de intermediários para a conquista do Céu, são agora intermediários para a falsa conquista de promessas vãs de pequenos sonhos e empregos.
Como não querem ver o que é, nem como se utiliza o poder na sociedade em que vivemos, a solução mais fácil é sempre a de apontar um ‘malfeitor’, de preferência dentro dos costumeiros, fazer-se o julgamento mais ou menos público, e seguir-se em frente. Neste último caso, Hollywood expulsou-o das suas fileiras: problema resolvido. Seguem-se as indemnizações, dentro ou fora dos tribunais.
Certamente Hollywood e congéneres, bem como as televisões, não irão acabar com as séries de moral, comportamentos e nudez duvidosas, nem com aqueles concursos em que os papás levam os meninos a rebolarem-se languidamente e aloiradamente para ver se são descobertos por quem se interesse pelo seu crescimento ou dos seus apêndices, sejam eles cordas vocais, glúteos ou glândulas mamárias. E isto se for até à meia-noite.
Um dia perguntaram a Mickey Spillane (1918/2006, 250 milhões de livros vendidos), considerado escritor de segunda ordem por quse só escrever histórias policiais de gangsters, por que é que ele apresentava sempre os gangsters acompanhados com mulheres lindíssimas. Ele explicou:
“Elas vão para Hollywood para serem estrelas de cinema de primeira grandeza e acabam como amantes de gangsters”.
Lembram-se daquela mãe que inchava de orgulho pela filha aparecer na capa de uma revista pornográfica, dos “Feios, porcos e maus” de E. Scolla?
Outubro sempre foi o meu mês favorito. O mês das novas passagens de modelos, das novas séries de televisão, das Kardashians, das novas épocas de bailados e óperas, da beleza da arte mesmo que ela seja feita para honrar infanticídios não importa porque é bela. O poder que é a liberdade de poder carregar no botão. Gosto mesmo de outubro e de todos os outros meses.
Possivelmente tudo poderia ter sido diferente se Jesus Cristo tivesse escrito o Novo Testamento, e então, tal como para Moisés e Maomé, o seu texto viesse a ser aceite como transmissão divina, encorajando uma interpretação literal.
“Não pensais que dizemos que estas coisas devem ser recebidas só pela fé, mas que também devem ser provadas pela razão. Não é seguro aceitar estas coisas baseado apenas na fé, pois certamente não existe a verdade sem a razão”, Clemente de Alexandria, século III.
A meditação, mesmo se feita ao longo dos séculos, nunca produzirá conhecimento empírico.
A ciência ocidental nasceu da crença entusiástica que a razão humana poderia desvendar os segredos da natureza.
Tudo começa porque o Deus cristão, considerado como ser consciente, racional, sobrenatural, com poderes ilimitados e que se preocupava com os seres humanos a quem impunha códigos morais e responsabilidades, levantava sérias e múltiplas questões intelectuais que urgia serem respondidas.
Punham-se assim um sem número de questões, desde as mais comuns que tinham que ver com a vivência diária, até às mais filosóficas que buscavam respostas para os problemas últimos. Nascemos já com alma? Porque nos é permitido pecar? Em que condições é permitido matar? Existe o mal? Para onde vamos depois de morrer? São estas e muitíssimas mais questões que vão ter de ser enfrentadas pelos pregadores cristãos através da utilização de argumentação apoiada e válida.
Já no século III, Clemente de Alexandria explicitara:
“Não pensais que dizemos que estas coisas devem ser recebidas só pela fé, mas que também devem ser provadas pela razão. Não é seguro aceitar estas coisas baseado apenas na fé, pois certamente não existe a verdade sem a razão”.
Foi-se assim constituindo ao longo de muitos séculos, um corpo de estudiosos cristãos que vão consolidando um progresso sistemático através dos escolásticos medievais, reunidos e impulsionados pelas universidades, e que acabam por dar origem a uma escola de pensamento racional convincente, minucioso e dedutivo.
Esses teólogos cristãos dedicaram séculos ao estudo racional e continuo da “ciência da fé”, ou seja, daquilo que Deus pretendeu comunicar através dos vários textos das Escrituras.
O exemplo mais elaborado foi São Tomás de Aquino (século XIII), que utiliza a razão como meio indispensável para o melhor conhecimento das intenções divinas: aí está para o confirmar a sua Suma Teológica, considerada o monumento à teologia da razão, composta por provas lógicas, seguidas e numeradas, da doutrina cristã.
Por isto, não é de estranhar que a teologia seja entendida como sendo o raciocínio formal sobre Deus, o que faz com que seja vulgarmente descrita como “a ciência da fé”.
A teologia é, pois, uma disciplina sofisticada e altamente racional, e que só se desenvolveu e atingiu a maturidade com o Cristianismo.
Rodney Stark, no seu livro The Victory of Reason, How Christianity Led to Freedom, Capitalism, and Western Success, quer ir mais longe, propondo-se demonstrar que a verdadeira ciência só apareceu uma única vez, e foi na Europa, e que o aparecimento da verdadeira ciência se ficou a dever ao cristianismo, à teologia cristã. Sigamo-lo na demonstração desta sua tese.
No Taoismo, o Tao é uma base mística, sobrenatural, um caminho eterno, força cósmica que produz harmonia e equilíbrio, um princípio gerador de vida, mas não é um ser. Será sempre possível meditar sobre essa essência, mas quase impossível raciocinar sobre ela.
Com o Budismo e Confucionismo, embora admitam deuses menores, não concebem Deus nenhum, ficando-se pela sugestão de uma essência divina: é negada a existência de um Deus consciente e omnipotente, como tal não se produz um estudo intelectual sobre ele. Daí que não haja teólogos no Oriente.
Já o Judaísmo e o Islamismo têm uma imagem de Deus que permitiria a existência de uma teologia, mas tal não se vem a verificar porquanto ambas estas religiões abordam as escrituras como voltadas para a “prática correta” (orto-prática), como uma lei a ser compreendida e aplicada, e não como uma base para a investigação sobre o sentido da vida.
No Cristianismo dá-se “maior ênfase na fé e na sua estrutura intelectual de crenças, catecismos e teologias”, sublinhando antes a “opinião correta” (ortodoxa).
No Judaísmo e no Islamismo a interpretação legal depende do precedente, estando, portanto, voltada para o passado, ao passo que no Cristianismo os esforços para melhor compreender a natureza divina contêm em si a possibilidade do progresso.
Possivelmente tudo poderia ter sido diferente se Jesus Cristo tivesse escrito o Novo Testamento, e então, tal como para Moisés e Maomé, o seu texto viesse a ser aceite como transmissão divina, encorajando uma interpretação literal.
Não sendo assim, os teólogos cristãos viram-se forçados a admitir a razão como princípio que poderia levar ao conhecimento cada vez mais correto da vontade divina.
Grande é, pois, a diferença para o Corão, que no segundo verso diz ser “a escritura sobre a qual não existe dúvida”.
Quando se concebe um universo como entidade misteriosa, imprevisível, inconsciente e arbitrária, então a meditação e as experiências místicas são as crenças religiosas que aparecem para o caminho da sabedoria.
Só que a meditação, mesmo se feita ao longo dos séculos, nunca produzirá o conhecimento empírico. Contudo, “se a religião inspirar esforços para compreender a obra de Deus, é então possível chegar à sabedoria e, porque para compreender uma coisa é preciso explicá-la, a ciência desenvolve-se de mãos dadas com a teologia”.
A ciência ocidental nasceu da crença entusiástica que a razão humana poderia desvendar os segredos da natureza. Para Stark “o surgimento da ciência não foi uma evolução da sabedoria antiga. Foi a conclusão natural da doutrina cristã”.
Estas conclusões de Stark são fundamentais para percebermos a modernidade e sua ligação aos tempos atuais, independentemente de se ser ou não crente.
Não se trata de defender a Igreja, mas antes de repor parte da ‘verdade’ histórica através de uma visão alargada que deverá sempre ser utilizada na abordagem dos problemas, única forma possível para nos podermos situar em tempos de rápidas alterações sociais, políticas, morais.
Devemos tentar seguir o conselho que se dá para quem não quer enjoar ao andar de barco: evitar olhar para perto, olhar sempre para o horizonte longínquo!
Dada a sua origem, a margarina deveria ser considerada um símbolo de democracia, de inovação e de progresso.
Durante a guerra, “havia sempre um substituto para qualquer coisa”, pelo que apareceu “uma geração para a qual novecentos e cinquenta em cada mil têm uma total falha de qualquer senso qualitativo”, consequência de ter sido “criada à base de margarina e açúcar de mel”. Devido a essa dieta, não é de admirar que “prefira instintivamente produtos de segunda, quer na arte quer na vida”, Evelyn Waught, 1929.
“A margarina é um veículo de ‘racismo’ de classe”, Alysa Levene.
Uma das caraterísticas do nosso pensamento, quer seja filosófico ou científico, é aquela que nos permite retirar conclusões gerais que possam ser válidas para o universo, a partir de ilações de pequenas coisas particulares. Trata-se de passar do particular para o geral. Para que isso seja possível, é preciso estar-se atento, que é como quem diz, estar-se vivo. Viver é estar atento.
Vem isto a propósito de um artigo recente da professora de literatura da Universidade de Lund, Ellen Turner, “Margarine vs butter: how wat we spread on our toast became a weapon of class war” (Margarina x manteiga: como aquilo que pomos na nossa torrada pode ser uma arma na luta de classes).
Começa por nos dizer que a Unilever (a terceira maior produtora de alimentos untáveis do mundo, logo a seguir à Procter & Gamble e à Nestlé, com mais de 400 marcas incluindo a Dove, Omo, Becel/Flora, Hellmann’s, Knorr, Lipton, LUX, Magnum, Rexona) decidiu deixar de produzir as marcas de margarina Flora e Stork, por ter concluído que os consumidores preferem o artigo autêntico. Aliás, até a McDonalds diz estar a substituir a margarina por manteiga.
A margarina foi inventada em 1869 como resposta a um pedido do imperador Napoleão III para que se conseguisse arranjar um substituto da manteiga capaz de fazer face às carências que se estavam a verificar, impedindo que se pudesse alimentar a população crescente.
Juntamente com outros artigos processados em massa, a margarina faz parte daqueles produtos que enchem estômagos esfomeados com um certo valor nutritivo. Dada a sua origem, a margarina deveria, pois, ser considerada um símbolo de democracia, de inovação e de progresso.
Contudo, a margarina tem tido um percurso quase sempre visto com preconceito e soberba. Apesar do racionamento que ocorreu nas Guerras Mundiais que fez da margarina um produto de uso diário, usado por todas as classes, nunca conseguiu deixar de ser associada a “sentimentos de inferioridade e de pobreza”.
Já em 1890, Maria Corelli, a rainha dos ‘best sellers’ populares (vendia mais ela sozinha do que todos os seus contemporâneos juntos, Conan Doyle, H. G. Wells, e Rudyard Kipling), escrevia que “respeito” era o que se devia de ter para com aqueles que “sabiam a diferença entre a verdadeira manteiga e a manteigarina”.
Em 1923, D. H. Lawrence utilizava o termo margarina para indicar algo de segunda classe, assim se referindo à cidade de Sydney:
“Esta Londres do hemisfério sul aparece como sendo feita em cinco minutos, como uma substituta para a coisa real, da mesma forma que a margarina é um substituto para a manteiga”.
George Orwell, em “Down and Out in Paris and London”, 1933, aponta o efeito que o consumo de margarina produzia no homem, quando diz que um homem que só coma pão e margarina “não é mais um homem, mas uma barriga com mais alguns órgãos acessórios”.
James Joyce, partilhava o mesmo sentir, quando escreve em Ulysses, 1922:
“Batatas e margarina, margarina e batatas. Depois de a terem provado. Prova do pudim. Dá cabo da constituição”.
Em 1929, Evelyn Waught, escreve no The Spectator que a margarina representa a falta de bom gosto instalado após a guerra. É que durante a guerra, “havia sempre um substituto para qualquer coisa”, pelo que apareceu “uma geração para a qual novecentos e cinquenta em cada mil têm uma falta total de qualquer senso qualitativo”, consequência de ter sido “criada à base de margarina e açúcar de mel”. Devido a essa dieta, não é de admirar que “prefira instintivamente produtos de segunda classe, quer na arte quer na vida”.
Na novela “Muder Must Advertise” de 1933, Dorothy L. Sayers, põe Lord Peter Wimsey, disfarçado de escritor numa agência de anúncios, a escrever para uma marca de margarina. Isto, porque a margarina necessitava de anúncios, uma vez que era vista como um produto de segunda classe, que o público necessitava de ser convencido a comprar. Já a manteiga, por outro lado vendia-se por ela própria:
“Não se necessita de um argumento para comprar manteiga. É um instinto natural, humano”.
Mas Sayers, ao mesmo tempo que ironiza com os produtos de consumo da modernidade, também ridiculariza aqueles que se julgam superiores só por comerem manteiga em vez de margarina.
De certa maneira, a margarina representa tudo aquilo que seja novidade e inovação, tecnologia e progresso. Mas, ao mesmo tempo, traz consigo todas aquelas ansiedades sobre a preponderância da cultura de massas e o medo da dissolução das fronteiras entre os valores da classe alta e da baixa, do que é real e do que é falso.
É por isso que a margarina pode ser um símbolo ameaçador que representa o potencial de contaminação da sociedade, que as elites dos princípios do século XX viram como uma mediocridade infeciosa.
Para quem preferir uma visualização mais ligeira desta ambivalência da margarina, sugiro o filme de 2001, “Kate e Leopold”, de James Mangold, com Meg Ryan (Kate McKay) e Hugh Jackman (Leopold Mountbatten, o Sr. Margarina).