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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(130) Os ovos da serpente

Um ovo de serpente que eclodindo, como a sua espécie, cresceria malevolamente, pelo que o urge matar na casca”, Shakespeare.

 

Em 1957, 77% dos funcionários com cargos de responsabilidade no Ministério da Justiça alemão (ou seja, três em cada quatro) eram antigos membros do partido nazi.

 

A revista Time escolheu Hitler para figurar na sua capa, como “homem do ano 1938”, entendendo que devia ser o candidato ao Prémio Nobel da Paz.

 

O Instituto Gatestone, da judia Nina Rosenwald, produz uma torrente de conteúdos incorretos que visam inflamar os medos contra os imigrantes e muçulmanos, focalizados nas eleições alemães (e não só), conteúdos que são depois utilizados pelos políticos, blogs e redes sociais associadas à AfD e outros partidos.

 

 

 

 

Há muito que os povos de Moçambique têm um provérbio muito interessante, segundo o qual

os jacarés matam-se quando são pequenos”.

 

Como as suas tradições eram orais, como não havia nenhum autor individual a quem se atribuir, como a língua em que se expressava não era nenhuma das coloniais importantes e obrigatoriamente conhecidas, só há muito pouco tempo é que se reparou e recuperou este milenar dizer popular.

O conceito que expressava era o mesmo que Shakespeare utilizava na sua peça Júlio César, escrita em 1599 (?), mas só publicada em 1623, na qual relata a conspiração contra os que consideravam ser César um ditador, e que acabou com o seu assassinato. O seu protegido e amigo Marco Júnio Bruto, para convencer os outros senadores sobre os perigos que César representava, compara-o a

 

um ovo de serpente que eclodindo, como a sua espécie, cresceria malevolamente, pelo que o urge matar na casca”.

 

Em 1977, Ingmar Bergman, recupera o conceito, utilizando-o não só para título de um seu filme que retrata o surgimento do nazismo (O Ovo da Serpente), como ainda o introduz num diálogo, a propósito da falhada tentativa (1923) de tomada de poder de Hitler em Munique. Eis o que Bergman põe o Dr. Hans Vergerus a dizer a Abel Rosenberg ( http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2979,1.shl):

 

 

“O Sr. Hitler não tem capacidade intelectual nem método. Ele não percebe as forças tremendas que está a ponto de conjurar. Ele será varrido como uma folha murcha no dia em que a tempestade vier… olhe para todas essas pessoas. São incapazes de uma revolução. Elas estão humilhadas demais, assustadas demais, oprimidas demais. Porém, dentro de dez anos, então os que têm 10 anos terão 20, os que têm 15 terão 25. Ao ódio herdado dos pais, eles acrescentarão o próprio idealismo e impaciência. Alguém vai se apresentar e colocar seus sentimentos em palavras. Alguém vai prometer um futuro, alguém vai fazer exigências. Alguém vai falar de grandeza e sacrifício. Os jovens e inexperientes darão sua coragem e sua fé aos cansados e inseguros. E então, haverá uma revolução…essas pessoas vão criar uma nova sociedade…É como o ovo de uma serpente, através das finas membranas, você pode discernir claramente o réptil que já é perfeito.”

 

 

Ainda antes do fim da II Guerra já centenas de milhar de prisioneiros dos exércitos nazis capturados e para os quais não havia campos de internamento em quantidade suficiente, foram colocados nos navios de carga que regressavam vazios aos EUA depois de terem descarregado todo o material na Europa. E por lá ficaram.

 

É sempre bom recordar que em 1939 os nazis contavam com mais de duzentos mil seguidores e simpatizantes nos EUA, que a revista Time escolheu Hitler para figurar na sua capa, como “homem do ano 1938”, entendendo que devia ser o candidato ao Prémio Nobel da Paz, e que entre os seus admiradores se encontravam o magnate automobilístico Henry Ford e o aviador Charles Linbergh.

 

E que na Grã-Bretanha, a abdicação em 1936 do rei Eduardo VIII, Duque de Windsor, ficou certamente mais a dever-se às suas simpatias para com Hitler e o regima nazi do que com o facto de se pretender casar com uma divorciada americana. Eram notórias as simpatias da classe alta e dos aristocratas britânicos para com o regime nazi, o que talvez tenha levado Hitler a cometer o erro estratégico de acreditar que a implantação do seu regime na Grã-Bretanha seria relativamente fácil, não se preocupando muito em dificultar a retirada do exército britânico de Dunkerque.

 

Na destruição e na confusão que se seguiu após o fim da II Guerra, a necessidade de se manter a funcionar um mínimo de administração pública nos países derrotados, e até na dificuldade de separar nazis de não nazis fez com que, intencionalmente ou não, muitos deles passassem despercebidos. Vamos acreditar que foram essas as razões e que não foi intencional.

Na realidade, os aliados que ocuparam a República Federal da Alemanha (Estados Unidos, Reino Unido e França) condenaram apenas 6650 ex-nazis, o que só por si era uma pequena parte do total dos membros do partido. E, as elites alemãs da época fizeram o resto.

 

 Um recente estudo denominado “Projeto Rosemburg” apresentado publicamente por Heiko Maas, atual ministro da Justiça alemão, vem confirmar que em 1957, 77% dos funcionários com cargos de responsabilidade no Ministério da Justiça alemão (ou seja, três em cada quatro) eram antigos membros do partido nazi. O que não deixa de ser até curioso, porquanto essa percentagem em 1957 era mais alta do que durante o Terceiro Reich (http://www.dn.pt/mundo/interior/sistema-de-justica-alemao-do-pos-guerra-estava-dominado-por-ex-nazis-5434041.html).

Infelizmente, não existem iguais estudos feitos nos outros países europeus. Possivelmente, porque não deve ser importante.

 

Mesmo depois da derrota do nazismo, Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca, continuaram a praticar a eugenia durante várias décadas. Entre 1935 e 1976, 63.000 suecas, 57.000 finlandesas, 40.000 norueguesas e 6.000 dinamarquesas foram esterilizadas, primeiro em nome da preservação da “pureza nórdica” face aos ciganos tatere, e mais tarde na obediência a critérios económicos do trabalhismo. Na procura de uma uniformização de raça, classe e religião, também os jesuítas estiveram proibidos de entrar na Noruega até 1956.

 

Com maior ou menor desenvolvimento, apresento um quadro geral do desenvolvimento das formações ultra da direita europeia, que talvez nos permita entender a sua permanência, com menor ou maior expressão dependendo dos seus líderes, da conjuntura e das ligações internacionais de que disponham.

 

Só a título de exemplo sobre estes laços internacionais veja-se o caso da website americana Gatestone, financiada pela filantropista judia Nina Rosenwald, filha do falecido William Rosenwald que usava a sua fortuna para ajudar os refugiados judeus que escapavam do regime nazi. Agora, Nina utiliza essa fortuna para para financiar movimentos e campanhas difamatórias contra os refugiados muçulmanos na Europa e nos EUA.

O Instituto Gatestone ( https://cdn.americanprogress.org/wp-content/uploads/issues/2011/08/pdf/islamophobia.pdf) produz uma torrente de conteúdos que visam inflamar os medos contra os imigrantes e muçulmanos, focalizados nas eleições alemães (e não só), conteúdos que são depois utilizados pelos políticos, blogs e redes sociais associadas à AfD.

É assim que faz campanha contra a construção de mesquitas que diz, a prosseguirem, levarão à extinsão do cristianismo; que o Governo de Merkel “confisca casas para serem usadas por imigrantes”, perguntando “será que as autoridades querem limitar o espaço que cada pessoa deverá ter, forçando que quem viva em grandes apartamentos seja obrigado a reparti-los com os imigrantes?” e publicando histórias sobre”as doenças altamente infeciosas” que os imigrantes trazem, os raptos e assaltos sexuais que praticam.

Mas nisto do internacionalismo, o que se não sabe é sobre a origem e circulação dos dinheiros com vista aos financiamentos, aos interesses e contrapartidas que estão em jogo. Possivelmente, porque não deve ser importante, ou porque é muito complicado e a maioria das pessoas não perceberia. “Cabecinhas pensadoras”.

 

 

Na Alemanha, apesar da existência de medidas legislativas muito restritivas para qualquer tipo de manifestações nazis, mesmo assim apareceu o NPD, partido ultra, herdeiro do nacionalsocialiosmo de Hitler, mas cuja cúpula da organização estava cheia de infiltrados dos serviços secretos alemães, pelo que se tornou praticamente inexistente.

Após o 11 de setembro, descobriu-se uma rede, a Clandestinidade Nacionalsocialista, que durante anos assassinou cidadãos turcos por todo o país. Processo em julgamento.

Em 2013, apareceu o AfD, Alternativa para a Alemanha, fundado por Bernd Lucke, tendo conseguido nas eleições de 2013, 4,7% dos votos. Este ano conseguiu eleger 68 deputados, com 12,6% dos votos.  Inicialmente, o partido nasce com a preocupação manifestada por alguns professores universitários sobre as consequências políticas e económicas do futuro do euro para a Alemanha, e colhe o nome exatamente para contrariar a observação de Angela Merkel que considerava não haver alternativa às políticas do seu governo.

A grande transformação do partido para o radicalismo dá-se com a afluxo de refugiados em 2015 e 2016. Bernd Lucke acaba por perder a liderança no congresso de 2015, acusando o partido de uma deriva xenófóbica.

 O partido começa a ser inundado por personalidades, como o atual líder Frauke Petry, que diz que “o Islão não faz parte da cultura alemã”, e que em certas situações os guardas fronteiriços poderiam legitimamente disparar contra os refugiados que estivessem a tentar atravessar a fronteira. Ou como Bjoern Hoecke, que pretende relativizar o passado da Alemanha, glorificando os feitos do exército nazi.

Contudo, a força que galvaniza o partido, é a política contra os refugiados, o que o torna num partido semelhante à Frente Nacional francesa de Le Pen e a outros partidos da extrema direita da Europa.

 

Mas, tudo isto não é linear. Um dos seus principais candidatos é Alice Weidel, uma lésbica (e só o foco porque a posição do partido é homofóbica) de 38 anos, ex-empregada da Goldman Sachs, que fala fluentemente mandarim, tendo estado seis anos na China a escrever a sua tese de doutoramento sobre o sistema social de pensões chinês.

Por outro lado, o partido advoga o fim das sanções à Rússia. Petry, no princípio deste ano, deslocou-se à Rússia (atenção: a Rússia não é um país comunista, nem socialista: é um país capitalista de segunda ordem) onde teve encontros com membros do partido de Putin (que pertencia ao KGB, tal como Bush pai chefiava a CIA). É que o AfD tem cortejado alemães que ainda falam russo com um considerável sucesso (não esquecer que o AfD tem as suas raízes na região da antiga RDA). Sabe-se que a maioria dos seus votos tem origem nos alemães das regiões de Leste, que são os que mais têm sofrido com a crise, relacionando-a com a chegada de refugiados.

 

Em França, são por demais por demais conhecidos os valores da dinastia Le Pen à frente da Frente Nacional, FN, que vai conseguindo um em cada cinco votos.

 

No Reino Unido, o BNP liderado por Nick Griffin, conseguiu um certo apoio a propósito de uma greve na cintura industrial de Londres onde a imigração e a crise começaram a fazer mossa, chegando a obter nas eleições gerais 1,9% dos votos. Já o UKIP, liderado por Nigel Farage, surge como mais nacionalista e com um radical euroceticismo. Foram preponderantes para o Brexit.

 

Na Suécia, Malmo, em 1951, apenas seis anos após o fim da II Guerra, já se realizava um primeiro congresso internacional neofascista do pós-guerra.  

Nesse congresso foi decidido fundar-se o Movimento Social Europeu, uma força inimiga quer dos EUA como da União soviética, reconstruir-se o Sacro Império Romano Germânico com base na eleição dos chefes de Governo por plebiscito com vista à regulação da vida social e económica pelos órgãos do estado corporativo e à regeneração espiritual do homem, da sociedade e do Estado.

Uma secção mais radical do congresso resolveu constituir no ano seguinte, em Zurique, a Nova Ordem Europeia, com o objetivo de “defender a raça europeia do anticapitalismo judeu-americano através do anticolonialismo da segregação racial severa e pelo regresso dos grupos étnicos aos seus espaços tradicionais”.

Em 1997, é feita a primeira manifestação abertamente antissemita nas ruas de Estocolmo, cujo lema era “Acabar com a democracia, acabar com o poder judeu”. Até então a extrema direita sueca não era islamofóbica, mas o apunhalamento mortal da ministra dos negócios estrangeiros Anna Lindh em 2003 por um doente mental muçulmano, alterou a situação. Em 2010, nas eleições legislativas, obteve 5,7% dos votos, com vinte e dois lugares no parlamento.

Além de dois pequenos partidos ultras, o Natinaldemokraterna e do neonazi Svenskarnas, aparece o Sverigedemokraterna de Jimmie Akersson, que, com uma mensagem xenófoba (como aquele spot em que uma anciã avança lentamente à procura de ajuda económica estatal apoiada num andarilho, e que se vê ser ultrapassada por um grupo de mulheres com véu islâmico), obteve 5,7% dos votos e 19 dos 340 lugares para o Parlamento.

 

Na Noruega, o Fremskrittspartiet, que durante os anos 70 e 80 foi um partido minoritário no Parlamento, em 1989 passou a terceira força nas elições, obtendo 22 lugares. Em 1995 conquistou 25 lugares, passando a principal partido da oposição. Em 1999 chegou aos 33% e em 2009 posicionou-se como alternativa ao governo.

O Fremskrittspartiet é o partido de que Anders Breivik (que matou a tiro mais de 69 jovens adolescentes num parque em Oslo) é militante, e cuja chefe, Sty Jensen, considera que a Noruega se islamizou, que em alguns locais do país se substituiu a legislação local por uma “sharia” imposta por imigrantes, que Israel é o muro que nos defende e separa dos terroristas.

 

Na Dinamarca, surge a meados dos anos 90, o Dansk Folkeparti, partido eurocético, populista e ultraconservador, tendo à sua frente Pia Kjaesgaard, levantando assuntos sensíveis à sociedade nórdica como violações e mau trato às mulheres, atribuindo essa chagas não à sociedade dinamarquesa, mas ao multiculturalismo e à imigração. Os seus últimos resultados eleitorais deram-lhe 12,3% de votos e 22 lugares dos 179 em disputa.

 

Na Finlândia, surge o Perussuomalaiset, Partido dos Autênticos Filandeses, que pretende regular a imigração, proibir o casamento gay, a fecundação in vitro, pedir a saída da EU, opondo -se à obrigatoriedade do sueco como segundo idioma. Com este discurso, Timo Soini conseguiu impô-lo como terceiro partido do país, obtendo perto de 20% e 39 lugares, apenas menos três que os socialistas. E isto sem contar com os ultras do Vapauspuolue de Lisbet Puttonen que advogam ainda a proibição de mesquitas e minaretes.

 

Na Hungria, como na maior parte dos países que se separaram do bloco comunista, as formações políticas tendem a ser radicais. Por um lado, o partido do Governo, Fidesz, integrado no grupo do Partido Popular europeu, dirigido por Viktor Orbán, que ao obter nas últimas eleições 60% dos votos empreendeu uma reforma radical da Constituição, limitando direitos de cidadania, dos meios de comunicação e dos outros partidos políticos.

A muita distância estão os socialistas e, como terceira força, os ultrarradicais de Jobbik que apareceram em 2003, com 2,2% de votos em 2006, e quási 17,5 % dos votos em 2010. A mensagem do seu líder Gábor Vona, para além da seguida pelos ultras europeus com base no antissemitismo, racismo, anti-islamismo, restrição das políticas de imigração, faz finca-pé na reclamação de territórios que lhes pertenciam e que atualmente se encontram para além das fronteiras, integrado noutros países balcânicos e na Roménia.

 

Na Bulgária, existe o Ataka, quarta força do país com 9,3% dos votos. Chefiado por Volen Siderov, apresentador a televisão, favorece a doutrina ortodoxa oficial do Governo, o ultranacionalismo e o desprezo pelas minorias étnicas. Utiliza simbologia fascista.

 

Na Eslováquia, o Slovenská Národná Strana, Partido Nacional Eslovaco, converteu-se em 2006 na terceira força política com 11,7% dos votos. O seu chefe, Ján Slota, presidente de câmara há vários anos, utiliza palavras como “anormais” ao referir-se aos homossexuais, ameaçando minorias romena e húngara. A implantação do partido tem vindo a diluir-se.

 

Na República Checa, o partido da ultradireita é o Dèlnická, Partido dos Trabalhadores, dirigido por Tomás Vandas, tendo passado de 4.000 votos em 2004 para os 60.000 em 2010. Não se trata de uma formação meramente populista ou nacionalista, mas eminentemente fascista e com vinculações a organizações neonazis a nível mundial.

 

Na Letónia, existe uma grande coligação de formações ultradireitistas que apoiam as ideias de repatriação de todos os cidadãos russos para fora do país. A Nacionãlã Apvieniba, Aliança Nacional, é a quarta força política com 14% de votos. É dirigida por Ra`vis Dzintars e Gaidis B~erzins, que participam por todo o país em desfiles em homenagem às SS.

 

Já na Estónia, a ultradireita é favorável a uma aproximação à Rússia. O partido, o Eesti Iseseisvuspartei, Partdo da Independência, é chefiado por Vello Leito e Tauno Rahnu, e o seu emblema é nitidamente nazi. Obteve apenas 0,4% dos votos.

 

Na Lituânia, não existe nehuma formação neonazi representativa. Há, contudo, memórias fortes da II Guerra, relativas às deportações para a Sibéria dos colaboradores nazis. O Holocausto é questionável pela lei e a suástica nazi é um emblema cultural.

 

Na Eslovénia, o Slovenska Nacionalna Stranka, dirigido por Zmago Jelincic, obteve até 2011 5% dos votos, o que lhe garantia representação no Parlamento. Define-se como progressista, admira Tito, mas as suas propostas políticas alinham com a extrema direita: proibição de direitos aos homossexuais, controle cerrado da imigração, revisão de fronteiras, e xenofobia contra os emigrantes romenos.

 

Na Polónia, o partido do Governo, o Prawo i Sprawiedliwo´s´c, Lei e Justiça, liderado pelos irmãos Kaczy´nski (agora só um, por morte do outro irmão) e que governa com os ultraconservadores da Liga Polskich Rodzin, Liga das Famílias Polacas, e outras formações ultranacionalistas, e que, entre outras alterações às leis do país em matéria social e migratória, e iniciaram investigações sumárias sobre programas infantis que diziam exaltar a homossexualidade.

 

Na Roménia, apesar de ser um dos países mais perseguidos pelos movimentos ultras europeus, aparecem também formações de direita radical. É o caso do Partdul Noua Generatie, Partido da Nova Geração, liderado por George Becali, xenófobo e homófobo, com um representante no Parlamento europeu.

O grande partido ultra é o Partidul România Mare, Partido da Grande România, o quarto partido mais votado para a presidência do país, e cujo líder, Vadim Tudor, nega a existência do Holocausto e reclama territórios da Ucrânia e a anexação da Moldávia, para constituir a ‘Grande Roménia’.

 

Em Portugal, há uma formação nazi, o PNR, sem representação parlamentar, e que obteve nas últimas legislativas 0,3% dos votos.

 

Chipre, Malta e Irlanda, não têm formações ultras.

 

Em Espanha, nas eleições de 2008, mais de dez formações da ultradireita obtiveram 62.000 votos, tendo a Falange Española conseguido 14.023. Nas eleições de 2011, metade dessas formações obtiveram 74.809 votos, 0,3% do total, sobressaindo a Plataforma Per Catalunya com 59.949 votos.

Dirigida por Josep Anglada, a PxC utiliza simbologia cristã, referências ao franquismo, tiques militaristas, e põe a imigração e o islamismo no centro das suas medidas sociais e discursos populistas. Pretende aglutinar todos os pequenos grupos ultra e a España 2000 (a segunda mais importante, dirigida por Jose Luis Roberto), debaixo de uma Plataforma por la Libertad.

 

Em Itália, a ultradireita tem várias caras, todas elas acolhidas e utilizadas por Silvio Berlusconi para a sua grande coligação La Casa delle Libertà, e depois por Il Popolo della Libertà. A Lege Nord, umgrupo ultranacionalista e separatista do norte da Itália, conduzida por Umberto Bossi, com posturas contrarias à imigração balcânica, do leste da Europa e de próprios nacionais vindos do Sul, tem conseguido o apoio do cidadão médio da zona norte.

Em 1990, foi a quarta força política do país, e que, aliando-se a Berlusconi, permitiu-lhe a sua chegada ao poder em 1994.

Desta tumultuosa coligação fazia também parte a formação neofascista Fiamma Tricolore, o Movimento Idea Sociale de Alessandra Mussolini que acabou sendo eurodeputada.

 

Da Grécia, aparece a surpresa, pois o Chrysi Avgi, o Amanhecer Dourado, não é só um partido populista, ultranacionalista e eurocético: é abertamente neonazi. Além da parafernália do costume (cores, aparência, manifestações com botas militares, cabeças rapadas, bastões e outras armas, símbolos) a sua política é simples: deportação massiva de imigrantes e fecho das fronteiras.

A sua atuação inclui agressões e ações de guerrilha contra militantes da esquerda, atentados e incidentes contra macedónios, albaneses e turco. Em 2009 tiveram aoenas 0,29 % dos votos, mas cinco meses depois nas locais obtiveram 5,29%, e posteriormente em novas eleições atingem 7%, sendo a quinta força no Parlamento.O seu líder é Nikolaos Michhaloliakos, ex-militar com uma carreira de detenções.

Contar ainda com a LAOS, formação contrária à imigração de fora da Europa, e cujo líder Georgios karatzaferis, defende uma postura ultranacionalista relativamente à Macedónia, Chipre e Turquia. Juntamente com a Frente Helénica defende a pena de morte como forma para garantir a identidade nacional, chegou a obter 5,6 % dos votos antes do aparecimento dos neonazis.

 

A Bélgica, país com duas comunidades linguisticamente diferentes e com partidos duplicados que operam só em metade do território, é uma incubadora de nacionalismos radicais e xenofobia.

Assim, o Vlaams Belang, advoga a separação dos flamengos, comunidade do Norte do país que fala holandês e é rica, dos valões do Sul, francófonos e menos rica. Na cidade de Anvers conseguem ter um em cda três votos.

No lado francês, estão partidos como a Front National, irmã da Frente Nacional francesa de Le Pen.

 

Na Holanda, o PVV, Partido da Liberdade, de Geert Wilders aparece como a terceira força política, com15,5% dos votos. A sua é uma mensagem xenófoba e antiislâmica. O seu fundador, Pim Fortuyn, gaba-se da sua homsexualidade, clamando contra o Islão que considerava retrógrado e escravisante. Em plena campanha eleitoral de 2002, é assassinado. O seu falecimento, e o de Theo Van Gogh, assassinado também dois anos depois, puseram o partido em toda a comunicação social. É Wilders que vem a aglutinar todo esse sentimento surgido, erigindo-se como líder de um movimento de evolução desconhecida.

 

O Luxemburgo, aparece como um país tranquilo, em que até as duas forças que governam o país, o fazem através de uma coligação desnecessária.

 

Na Austria, o carismático Jorg Haider conseguiu que o Partido Liberal Austríaco, o FPO, tomasse posuições mais nacionalistas e xenófobas, aproveitando o conflito étnico com a comunidade eslovena. Em 1999 chega a vice-chanceler do Governo, após obter 26,9% de votos.

Filho de militantes nazis do FPO, vai acabar por fundar o seu próprio partido, o BZO. Nega o Holocausto, elogia as SS, ataca os judeus. Morre num acidente de viação, juntamente com o seu companheiro sentimental que o acompanhava.

O seu legado continuou com Josef Bucher, que nas eleições seguintes consegue 27% dos votos. Agora, o seu novo líder, Heinz-Christian Strache, espera ganhar as próximas eleições.

 

 Na Suiça, Christoph Blocher reconverte uma coligação minoritária de fazendeiros e comerciantes no SVP, que é o principal partido do país, com mais de um quarto dos deputados na Assembleia. A passagem do ruralismo ao populismo foi surpreendentemente rápida. Daí à criminalização da imigração e à proibição de construir minaretes em território nacional foi uma corrida ganha.

Em 1999, quando obtêm 22% dos votos, conseguem alterar a configuração do Conselho Federal, a câmara do Governo que se regia pela ‘fórmula mágica’, vigente há mais de meio século, para designar equilibradamente os seus sete membros proporcionalmente às ideologias, idiomas e origens. Nas sucessivas eleições que se lhe seguiram, conseguiram ir mantendo os resultados. Com o auge da crise, passaram à ação mais diretamente; os seus cartazes de propaganda mostram ovelhas brancas a porem fora da Suiça uma ovelha negra.

 

 

 

Nota: sugiro a leitura de (http://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/autoridade-o-pilar-da-sociedade-13935), e de (http://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/nazis-fora-das-escolas-13370).

(129) A cristianização de um povo de salteadores

Os Portugueses não constituem uma raça pura descendente do deus grego Luso, sendo antes um povo oriundo de uma miscigenação de várias etnias agregadas pela romanização e posterior cristianização.

 

A principal missão dos concílios era preparar o combate às heresias, que para além de preconizarem desvios ao dogma instituído, podiam provocar cismas no interior da Igreja.

 

As heresias (o Arianismo, o Origenismo, o Priscilianismo, e outras) propagavam-se pela internet da época: os caminhos das peregrinações.

 

Do Concílio de Niceia (325 d. C.) saem o que se considera serem a partir daí, as verdades dogmáticas da Igreja, expressando-as através de um Credo (creio).

 

 

 

 

 

É sabido que muito do que nós somos, do que pensamos, de como atuamos, tem raízes no passado, fruto muitas vezes quer do esforço continuado de indivíduos quer de instituições com os quais já não convivemos, mas que continuam a fazer parte de nós.

É assim que, gostando-se ou não, sendo-se religioso ou não, não se pode fugir ou escamotear a presença constante da Igreja ao longo de séculos, a enorme influência que teve e continua a ter na definição dos nossos comportamentos e atitudes.

Basta o senso comum para nos revelar essa evidência: todos dizemos “valha-nos Deus”, “Deus põe, o homem dispõe”, “ser mais papista que o Papa”, e todos aceitamos como um valor positivo a fraternidade entre todos os homens, a compaixão, a tolerância, o não matar, etc. e escrevemos Deus com maiúscula.

O conhecimento, ainda que mínimo, do Cristianismo na sua fase inicial de cristianização, nomeadamente no espaço geográfico português, é importante para o nosso conhecimento e reconhecimento como indivíduos pertencentes a esse espaço. Permite-nos descobrir coisas sobre nós, que, passado tanto tempo ainda perduram. O tal problema da identidade.

 

 

Romanização e Cristianização

 

            Considerando que, possivelmente, o nosso ADN possa ter muitos traços em comum com o bando de salteadores que foram os Lusitanos, é por eles que se deve começar.

Sucintamente: os Lusitanos constituíam um povo que ocupava a região entre o Tejo e o Douro, com um tipo de cultura considerada como “castreja”, por assentar em “castros”, redutos defensivos circulares rodeados por muros em elevações de terreno que serviam ao mesmo tempo de habitações, agrupados em pequenas unidades concentradas, o que fazia prever a existência de relações de parentesco.

A sua organização social assentava na comunidade familiar (família, gentilitas ou clã - agrupamento de famílias com o mesmo antepassado comum – e gens ou tribo), cuja economia tinha por base a pastorícia, a agricultura, atribuída às mulheres, e o roubo ou a guerrilha, atribuída aos homens. A hierarquia familiar era patriarcal e monogâmica.

As suas incursões eram sempre feitas por pequenas guerrilhas, que pressupunham uma primitiva organização de mando com base no prestígio de um chefe. No combate contra os Romanos, o recrutamento das várias tribos foi feito por Viriato (tal não supunha uma federação de tribos), em nome dum apego à terra.

 

Só por estas características, não seriam precisas amostras de ADN para que nos considerássemos como descendentes dos Lusitanos. A história que nos ensinaram ao longo de muitos anos estava, portanto, certa, e nós descenderíamos de uma “raça pura”, os Lusitanos, o que convinha a muitos propagandistas das “raças superiores” e aos outros, que somos todos nós, pelo conforto que tal história nos dava.

 O problema é que aquela cultura castreja resultara essencialmente da fusão de dois povos, os lígures e os celtas, a quando da sua fixação em regiões ocupadas pelos Vetões, Túrdulos e Turdetanos (cuja designação geral era de Iberos). É Martins Sarmento que tal nos confirma onde, através de uma análise filológica, faz derivar o termo Lusitânia de Ligusitânia (dos lígures), onde a queda do “g” origina Lusitani.

 Os Portugueses não constituem, portanto, uma raça pura descendente do deus grego Luso, sendo antes um povo oriundo de uma miscigenação de várias etnias agregadas pela romanização e posterior cristianização.

 

É com Sertório que se inicia o processo de transformação do homem castrejo, com o fim de se adaptar às novas condições impostas pela presença romana. É Sertório que vai transformar as hordas tribais em agrupamentos militares, organizados territorialmente de acordo com os acidentes do terreno.

Os Romanos vão depois aproveitar esta organização, substituindo os castros pela urbs, com a futura diferenciação entre uilla rustica e uilla urbana (são os habitantes do campo que alimentam os da cidade), e consequente aparecimento dos municípios como veículo por excelência da romanização.

Mais tarde, com o avanço do cristianismo, estes castros romanizados vão dar origem às paróquias cristãs.

 

Vimos que a gentilitas significava o conjunto de famílias com um antepassado comum; com o progressivo distanciamento do campo da cidade, este termo foi sendo aplicado mais como designativo da população rural, pelo que os rurais passaram a ser conhecidos como gentiles (“gentio”).

Porém, com o advento do cristianismo na Península, vai aparecer um novo vocábulo para designar a gentilitas: o pagus. O pagus era o território rural que não era urbano, pelo que aos rurais se começou a chamar de pagani.

 Como a mensagem do cristianismo se fazia essencialmente pela cidade (urbs) devido à menor permeabilidade do homem do campo à inovação, a designação de pagani (“pagão”) começou a aplicar-se a quem não praticava o culto cristão. De certa forma, a dicotomia entre campo/cidade começa a ser substituída pela do paganismo/cristianismo.

 

É possível que a evangelização dos povos da península tenha começado ainda no tempo dos apóstolos. Há pelo menos uma intenção manifesta sobre a vinda de São Paulo (Carta aos Romanos, 15:28), muito embora não existam dados seguros obre a sua concretização. No entanto, tal quer dizer que desde cedo, o cristianismo fez a sua entrada na península.

Sabe-se que o primeiro concílio ibérico aconteceu entre os anos 300 e 304, realizado em Elvira (na região de Granada), onde se reuniram mais de trinta e seis episcopais, o que diz bem já da expansão e estruturação do cristianismo na península, especialmente tendo em conta que ele se realizou entre 303 a 311 (a “época dos mártires”), que foram os anos das maiores perseguições aos cristãos, ordenadas pelo Imperador Diocleciano.

 

 

Ortodoxia e heterodoxias

 

Dos concílios, temos hoje a ideia que nos tem sido transmitida pelos meios de comunicação, segundo os quais eles não são mais do que uma reunião na Santa Sé para decidir da eleição do Papa.

Mas os concílios, feitos a vários níveis hierárquicos, serviam essencialmente para resolver questões relacionadas com a pureza ortodoxa da religião e da fé, “para evitar que cada um dos presentes trabalhe de forma distinta nas suas igrejas”, onde se debatiam os dogmas religiosos e as correntes heterodoxas (as heresias), e também onde se julgavam os bispos e o clero em geral, por ações e queixas apresentadas mesmo por paroquianos.

Podemos considerar que nessa época a principal missão dos concílios era preparar o combate às heresias, que para além de preconizarem desvios ao dogma instituído, podiam provocar cismas no interior da Igreja.

É bom lembrar que naqueles séculos não existiam carreiras de transporte, hotéis, serviço de correios, telefone, etc. Ou seja, a única forma que tinham de decidir algo em conjunto exigia a presença num mesmo local, acarretando quase sempre uma deslocação demorada, difícil e perigosa.

 

Como se propagavam estas heresias? Pela internet da altura: os caminhos das peregrinações. Os peregrinos que partiam em busca da Terra Santa, regressavam com relíquias sagradas, obras literárias, filosóficas, teológicas, nem sempre ortodoxas, influências de contactos com personagens e culturas greco-orientais, algumas nitidamente heréticas.

O primeiro grande Concílio da Igreja é realizado em 325, o Concílio de Niceia, e é presidido pelo Imperador Constantino, recém-convertido ao cristianismo e que via no monoteísmo cristão uma indicação divina justificativa do seu cargo imperial, pelo que havia que acabar com a dissidência ariana dentro da Igreja, para que a Igreja pudesse ser forte e una. Era nessa altura Papa Silvestre I, tendo sido o bispo de Córdova, Hossius, o seu principal organizador.

 

 

Arianismo e o Credo

 

O que é o Arianismo? É a doutrina de Ário, nascido em Alexandria (c. 250 – c. 336), que embora tendo uma teologia trinitária (Pai, Filho e Espírito Santo), negava a identidade substancial das três Pessoas, considerando apenas que eram semelhantes.

Para Ario, quer o Filho quer o Espírito Santo tinham substâncias diferentes do Pai: o Filho era criado por Deus antes do tempo e da criação do mundo a partir do nada, por um ato de vontade divina.

Assim, ao criá-lo, o Pai não lhe dava a sua natureza, visto que se o fizesse diminuir-se-ia pela perda de algo.

Daí conclui que se o Filho não tinha a mesma natureza do Pai, então não era verdadeiro Deus, mas uma criatura entre as outras, só um exemplo moral; e ao encarnar num corpo, sem o intermédio da alma, tinha apenas uma natureza divina.

Cristo encontrava-se, portanto, perfeitamente subordinado ao Pai, sendo Filho por adoção. Logicamente também não cria na virgindade de Maria, nem na linhagem divina de Jesus.

 

Mas, para os conciliares reunidos em Niceia, o conceito teológico da identidade das três Pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) como sendo a “mesma substância” era absolutamente fundamental. O Filho não está subordinado ao Pai, sendo da mesma substância. O Espírito Santo não era criado, mas gerado e consubstancial ao Pai. Cristo tinha natureza humana, não era um mero exemplo moral, pois tal comprometeria o plano divino da salvação.

Do Concílio de Niceia saem o que se considera serem a partir daí, as verdades dogmáticas da Igreja, expressando-as através de um credo, ainda hoje (já lá vão 1.700 anos) recitado pelos católicos, e que resume toda a doutrina:

 

Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.

Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos; Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas.

E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem.

Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras, e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai.

E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim.

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho e com o Pai é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas.

Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica.

Professo um só batismo para a remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há-de vir. Ámen.”

 

Sabemos agora a razão do aparecimento do credo, e a que é que ele se refere. Interessante notar que apesar do empenhamento da Igreja, as teses defendidas por Ário, ainda hoje fazem parte das dúvidas e dos argumentos contra os católicos.

 

 

Origenismo

 

Outra das heresias da época, o Origenismo, foi trazido para a Península por dois irmãos de Braga, os Avitos, após as suas peregrinações a Roma e à Terra Santa.

Doutrina preconizada por Orígenes, um dos primeiros teólogos cristãos, nascido em Alexandria em 185 e falecido em Tiro em 254, e segundo a qual Deus criou toda a eternidade, sendo Cristo ou o Espírito Santo eternamente gerado do Pai, mantendo com ele uma relação de subordinação.

O mundo inicialmente criado por Deus era um mundo espiritual, habitado por espíritos, incluindo as almas humanas. Como esses espíritos eram livres, usando dessa liberdade, uns permaneceram bons e outros pecaram. Os primeiros são os anjos, os segundos foram castigados e encerrados em corpos invisíveis (os demónios) e em corpos visíveis (almas humanas).

Como Deus é bom, pretende que todos regressem ao estado inicial, o que só será possível após um longo período de purificação. A redenção dos espíritos caídos em pecado é feita por Cristo que se une a uma alma virgem de pecado e, por ela, a um corpo humano.

Esta heresia foi condenada pelo Papa Anatásio I em 400, e depois em 553, no segundo concílio de Constantinopla.

 

 

Priscilianismo

 

Uma das heresias mais importantes, e esta oriunda da Galiza ou da Lusitânia, foi o Priscilianismo. A doutrina de Prisciliano (345 – 385) negava a Trindade divina e afirmava que o corpo humano de Cristo não era carnal, sendo uma mera aparência.

 Segundo os priscilianos, fora o Pai e não o Filho que sofrera na cruz. A alma humana era uma parcela da divindade que fora possuída pelos espíritos do mal e metida à força no corpo. Negavam a criação do mundo e a ressurreição. Condenavam o matrimónio e a alimentação de carne.

 Curiosamente, na obra escrita por Prisciliano, nada se encontra de heterodoxia, sendo até profundamente ortodoxa. Há quem julgue que se tratava de uma máscara para as atividades que desenvolvia. É dele o lema

 “Jura, perjura, mas não reveles o segredo!”.

Outros dizem que como ele se dirigia a um público rude, gente sem instrução, precisava recorrer à alegoria e à parábola, num certo desvio das palavras das Escrituras, para que a pudessem entender.

Seja como for, as suas pregações chamaram a atenção da Igreja, tendo Prisciliano e dois bispos seus seguidores sido condenados no concílio de Saragoça em 380. O que de nada serviu, pois, estes bispos, logo de seguida, elegem Prisciliano, que era leigo, para bispo de Ávila!

Apresentada queixa ao Imperador, este decreta a expulsão de Prisciliano da cátedra episcopal. Prisciliano resolve ir a Roma para se defender da acusação. Durante o longo trajeto, vai convertendo todos os possíveis, de tal forma que a fama de práticas dionisíacas e bacanais precederam a sua chegada a Roma.

 O Papa recusa recebê-lo, mas Prisciliano suborna um chanceler imperial que lhe dá a confirmação do bispado de Ávila. O Papado reage e consegue que o Imperador Máximo o leve a tribunal, onde é acusado, não de heresia, mas de práticas mágicas e atentados ao pudor: é condenado à morte por decapitação juntamente com alguns dos seus companheiros.

Contrariamente à expectativa da Igreja, essa morte vai convertê-lo num mártir para a Península, impulsionando o desenvolvimento e enraizamento do Priscilianismo.

E de tal maneira assim é, que, quase duzentos anos depois, o primeiro concílio de Braga, em 561, vai produzir 17 anátemas que dizem especialmente respeito ao combate aos Priscilianos por estes defenderem a negação da Trindade divina, a negação do nascimento de Cristo, a negação da sua carnalidade, a negação da criação do mundo, a negação da ressurreição, a condenação do matrimónio e da abstenção em comer carnes das aves e de outros animais, a crença na astrologia e matemáticas como algo que se encontrava para além da Divina trindade, ao que se seguiu a abjuração desta heresia pelo bispo de Braga e pelo bispo de Astorga.

 

Porque era o Priscilianismo tão perigoso para a Igreja?

 

Fundamentalmente porque se pretendia constituir como um conhecimento que só por si visava uma explicação total do mundo, do homem e de Deus, por processos racionais ou extrarracionais.

Ou seja, o Priscilianismo era um gnosticismo ao considerar que o homem era capaz de atingir, pela racionalidade, por si só, a divindade.

 

 Note-se que o gnosticismo chegou à Península por volta do século IV através de Marcos, que recebera as influências dos maniqueus egípcios, Mani ou Valentino. Entre os seus conversos na Península, contava-se uma mulher nobre, Ágape, com quem Marcos funda uma nova seita, a dos Agapetas.

Estes conversos viviam em conventos mistos, praticavam a ascese e absoluta continência, negavam o matrimónio, a geração, e não comiam carne por esta ser alimento de criação demoníaca.

A influência dos Agapetas no Priscilianismo nota-se bem, nomeadamente no dualismo metafísico de origem maniqueísta, ou seja, no reconhecimento de dois princípios únicos em luta constante, o princípio do Mal, ou das Trevas, e o princípio do Bem ou da Luz.

 

O Priscilianismo considera Deus como força perfeita, princípio dos princípios, mas ao seu lado encontra-se a força do Mal. O mundo e a matéria foram criados pelo princípio do Mal, sendo, portanto, criação de Satã e habitados pelo Mal; o mundo espiritual, o mundo do Bem, é uma criação de Deus. Daí que toda a matéria, criação maléfica, não possa ser reconduzida ao princípio do Bem: a matéria e o Bem são substâncias que se rejeitam mutuamente.

O Mal tem, pois, de igual modo que o Bem, capacidade de criar a partir do nada, o que pressupunha, portanto, uma equiparação do Mal ao Bem. O princípio do Mal é um ser espiritual com poder criador, que não foi criado por Deus, tendo sua origem no caos e nas trevas.

Assim, é autossuficiente, basta-se a si mesmo. Como é ele que cria a matéria, esta será essencialmente má. O corpo sendo matéria, será também mau: é o cárcere da alma.

 

E explicam: as almas habitavam um lugar celestial, mas porque pecaram, foram conquistadas pelo império do Mal, metidas por castigo nos corpos materiais. Cabe a Cristo resgatar as almas, por isso desce à terra. Mas Cristo não pode ter natureza humana, o seu corpo não passa de ilusão, de aparência ou fantasma, pois não poderia ter nada a ver com a matéria, que era criação do Mal.

Esta negação da materialidade de Cristo, vem contrariar a doutrina católica da Encarnação, da Ressurreição de Cristo, e da ressurreição final da carne.

 

É a negação da matéria que faz com que os Priscilianos sejam ascéticos, como processo de libertação da matéria e da ascensão para Deus. Pelas mesmas razões (a carne é má) condenam o matrimónio, aconselham a total abstinência sexual, são contra a geração de crianças (as crianças no ventre materno são obra demoníaca), e são contra a ingestão de carne por ser alimento impuro.

 

 

 

Esta muito resumida exposição acima feita, segue os ensinamentos que estão de acordo com a ortodoxia da Igreja, de certa forma suficientes para entendermos minimamente o emaranhado das lutas que foram acontecendo naqueles primeiros tempos da Cristianização.

Falta, evidentemente, todo aquele conhecimento sobre as razões pessoais, económicas, políticas e religiosas, que estiveram nas suas origens. É uma história só contada pelo lado dos vencedores. Assunto ainda não encerrado, quanto mais não seja pela continuada permanência atual de muitos dos conceitos em disputa, sempre a reemergirem.

 

 

(128) Todos nós comemos palha ...

Quando compramos algo novo, o cérebro vê essa decisão como uma recompensa. Cria um pequeno pico de endorfina, que nos faz sentir bem. Como com a droga. Cria-se assim um circuito fechado entre decisão, recompensa, pico de endorfina. E este circuito torna-se viciante.

 

“Não cabe ao consumidor saber porque é que o novo é melhor, ou mesmo ter uma opinião sobre algo que ainda não viu”.

 

Os novos produtos nunca nos fazem verdadeiramente felizes, e mesmo assim não nos importamos. Em qualquer dos casos, o que queremos é ter a última atualização.

 

 “O ser humano como o conhecemos deixará de existir dentro de cem anos. Só o ser humano atualizado interessará”, Yuval Harare.

 

 

 

As primeiras eleições na Grã-Bretanha logo a seguir ao fim da Segunda Guerra foram ganhas pelo Partido Trabalhista. E embora durante a sua legislatura tenha cumprido com a promessa de criar o estado social, falhou, contudo, na promoção do que previa ser o aumento do consumo.

Pressentindo a importância política dessa falha do aumento de crescimento do consumo, Winston Churchill, do Partido Conservador, viu aí uma oportunidade para regressar ao governo nas eleições seguintes. Percebeu que se estava perante o nascimento de uma nova demografia eleitoral assente no “consumidor”. E percebeu como, devido às circunstancias políticas, poderia também aproveitá-las para politizar esses consumidores.

 

Com a guerra da Coreia (1951), punha-se claro para o “mundo” a escolha entre dois tipos de desenvolvimentos em competição: “capitalismo” e “comunismo”. E a “escolha” era simples: ao passo que o capitalismo oferecia a liberdade de comprar para hoje, o comunismo oferecia a liberdade hipotecada a um futuro a vir.

Mas para que isso fosse possível, para que o capitalismo pudesse vencer, era essencial que a recuperação económica se efetivasse através de uma explosão do consumo; para isso, os cidadãos necessitavam de começarem a comprar tudo aquilo que a América e a Grã-Bretanha tinham para vender.

O ato de comprar era assim colocado como sendo mais do que uma liberdade de comprar, era um dever que se tinha como cidadão, uma escolha deliberada na luta política em curso para dar vantagem ao “nosso” mundo.

Só que havia um problema: esta ideologia de consumismo e do dever de consumir, esbarrava no descrédito a que a produção de bens de consumo chegara, devido à política seguida de “obsolescência planeada”.

 

 

A obsolescência planeada.

 

Nos arredores de San Francisco, em Livermore, a Shelby Electrical Company, em 1901, pôs no mercado uma lâmpada com um filamento de carvão, que rotulou como a Centennial Bulb. Essa lâmpada emitia uma luz amarelada de trinta watts, e ainda hoje, há mais de um século, continua acesa, a funcionar na Estação dos Bombeiros de Livermore (http://www.centennialbulb.org/).

Que mistério existe por detrás de tal lâmpada, quando as lâmpadas que ainda hoje compramos, pouco duram par além de seis meses?

 

Em 1989, após a queda do muro de Berlin, Gunter Hess, um historiador alemão, decidiu-se a entrar e pesquisar no edifício da Companhia Elétrica Osram, de Berlim Leste.

Aí encontrou minutas confidenciais de uma reunião efetuada em Genebra em 1932 entre os administradores de topo da Osram e os de outras cinco das maiores companhias elétricas do mundo. Finalidade da reunião:

Criarem um cartel secreto, intitulado Phoebus, para por em dificuldades quem criasse uma lâmpada que durasse mais de seis meses.

As atas foram assinadas pela Osram da Alemanha, pela Philips Electrical da Holanda, pela General Electric dos EUA, AE da Grã-Bretanha, Compagnie des Lampes de França, GE Sociedade Anonima do Brasil, General Edison da China, Lampara Electricas do México e Tokyo Electric do Japão.

O plano das minutas era claro e detalhado: diminuir a vida das lâmpadas para seis meses; se alguém não cumprisse o plano, seguir-se-ia uma escala de multas escalonadas, a serem pagas em francos suíços ou em marcos alemães.

Acontece que estas companhias não produziam só lâmpadas. Abrangiam a iluminação das cidades e caminhos públicos, fios de cobre para ligações telefónicas, cablagem para navios, pontes, comboios, frigoríficos, fogões, componentes elétricos para carros, casas e escritórios, etc. Ou seja, providenciavam as infraestruturas básicas de toda a vida moderna.

A partir de 1932, tudo o que fosse produzido não era feito para durar, mas antes para quebrar. (https://www.youtube.com/watch?v=yywRhj_buok).

 

Ao longo de toda a história tínhamos feito objetos, produtos, para durarem o mais tempo possível. A partir de 1932, produção em massa significava a utilização da engenharia ao contrário: projetar o fabrico de um objeto a começar pelo momento em que ele se estragava.

As minutas encontradas previam meticulosamente as categorias dentro de uma escala de obsolescência a que os vários artigos deveriam de obedecer. Como tudo isto era feito intencionalmente, contrariando o desenvolvimento natural, podemos considerar que estamos a falar de obsolescência planeada.

 

 

O truque: reprogramar a maneira de pensar dos consumidores.

 

O que fazer para ultrapassar a enorme capacidade de produção industrial do pós-guerra que não estava a ser utilizada? Como poderiam as empresas ultrapassarem a sensação que os consumidores tinham de que os produtos se deterioravam rapidamente?

 O mais “lógico” seria voltarem a fazer produtos duráveis, mas isso não lhes aumentavam as vendas. O truque consistiria em reprogramar a maneira de pensar dos consumidores. Mas como?

Um designer industrial, Book Stevens, resumiu numa conferência dada em 1954: “Instilar no consumidor o desejo de ter algo que seja mais novo, um pouco melhor, e um pouco mais cedo do que o necessário”.

Alfred P. Sloan Jr, diretor geral da General Motors há mais de trinta anos, percebeu como fazer com que fossem os próprios compradores a escolherem um produto obsoleto:

 

As alterações no novo modelo (do automóvel) devem ser tão inovadoras e atrativas que levem ao aumento da procura […] e que levem a uma certa quantidade de insatisfação para com os modelos passados quando comparados com os novos modelos”.

 

Sloan propunha-se criar uma certa dose de insatisfação no consumidor com uma crescente garantia de inovação no modelo a vir depois: um “rolling upgrade” (atualização constante).

Foi assim que o Chevrolet Bel Air de 1956 veio com um catálogo, onde se mostrava como seria o próximo modelo, pronto a ser vendido nos próximos seis meses. Ou seja, no mesmo momento em que se comprava o carro, ficava-se a saber que iria aparecer um novo modelo melhor, o que significava que o carro que se comprara já estava obsoleto. O comprador sentia-se de certa maneira desapontado por ter comprado um carro novo velho, mas ficava já com o apetite para o outro modelo novo que ainda não saíra.

Os desenhadores de automóveis passavam a ser desenhadores de moda. O carro debaixo do capô não sofria qualquer alteração. Onde se apostava era nas novas cores brilhantes (as mesmas cores copiadas das cores dos vernizes de unhas), nos novos estofos, nas novas caudas em rabo de peixe e outras. Eram essas alterações cosméticas e não a performance e a fiabilidade do carro que motivavam as vendas.

O comprador tinha feito o seu dever, que era comprar o último modelo. A insatisfação que sentia depois da compra, tinha sido também devidamente programada.

Aquele breve momento de satisfação por ter nas suas mãos algo novo, era, e é, idêntico aquele que o comprador nas filas das lojas para a compra do novo iPhone da Apple tem quando recebe o mais novo deles, sabendo que assim que o comprar ele está já desatualizado (http://www.bbc.co.uk/programmes/p01zxmrv) (Jacques Peretti, Done, the secret deals that are changing our world, Londres, 2017).

 

 O que se passa no cérebro no momento em que compramos algo?

Gabe Zickermann explica:

 

Quando compramos algo novo, o cérebro vê essa decisão como uma recompensa. Cria um pequeno pico de endorfina, que nos faz sentir bem. Como com a droga. Cria-se assim um circuito fechado entre decisão, recompensa, pico de endorfina. E este circuito torna-se viciante”.

 

Por isto, quando nos sentimos ‘em baixo’, vamos fazer compras e ‘melhoramos’, a que vulgarmente chamamos de “terapia da compra” ou “dependência do consumo”, que corresponde a um complexo processo neurológico.

Não é o objeto que procuramos, mas antes aquele pico de endorfina que nos faz querer comprar algo novo. Um pico que desaparece rapidamente, mesmo antes de sairmos da loja. Para termos um novo pico, só comprando de novo outra coisa, quanto mais depressa melhor.

 

Esta obsolescência programada contínua, ainda hoje continua a ser uma realidade, da qual o exemplo mais mediático talvez seja o do iPhone com as suas atualizações anuais (o 5, 6, 7, 8, etc.). Mas Steve Jobs apercebeu-se que estas atualizações constantes acabariam por conduzirem o produto a um patamar tecnologicamente impossível de ultrapassar.

A curva crescente de inovação acabaria por se reduzir de tal modo que o passo seguinte só poderia ser a fabricação de algo inteiramente novo. Ou seja, as atualizações não devem ser prosseguidas sempre, algo que a General Motors não aprendera.

 

Um dia em 2004, um estudante de Nova Iorque, Casey Neistat, dirigiu-se a uma loja da Apple para perguntar como seria possível mudar a bateria do seu iPod:

 “O iPod custa 400 dólares. Por isso, quando a bateria morre, queria arranjá-la. O empregado da Apple disse-me que podia comprar uma nova por 250 dólares acrescido dos portes de envio, mas que por aquele preço mais valia comprar um iPod novo”. E continuou:

Há quanto tempo tem o seu iPod? Há dezoito meses? Então Ok, já passou um ano.

O que significava que o produto era feito para todos os anos se comprar um novo por 400 dólares.

Foi também esta a conclusão a que chegou Casey, que desde então se tem dedicado a desmontar todas as peças atualizadas de tecnologia, criando até uma pequena empresa (i-Fixit) e publicando Manuais e vídeos de cada um dos produtos.

Quando começou a desmontar o iPhone notou algo estranho: um parafuso pentagonal para o qual não arranjava chave. Como a Apple usa sempre parafusos Philips, essa era a forma de impedir de alguém desmontar o telemóvel.

Se perguntarmos àqueles compradores que fazem fila para adquirirem um novo iPhone, que melhorias é que ele tem relativamente ao anterior modelo, não sabem. Como dizia o empregado da loja:

Não cabe ao consumidor saber porque é que o novo é melhor, ou mesmo ter uma opinião sobre algo que ainda não viu”.

 

De certa maneira, não se pode dizer que a Apple seja culpada pelos consumidores deitarem fora produtos ainda bons, substituindo-os por atualizações dos mesmos.  A Apple limitou-se a inventar uma plataforma para um produto perfeito, para um consumidor que está a querer sempre algo que seja melhor, embora saiba que tal não é possível de alcançar.

Os novos produtos nunca nos fazem verdadeiramente felizes, e mesmo assim não nos importamos. Em qualquer dos casos, o que queremos é ter a última atualização.

 

 

A última atualização

 

Para além dos mecanismos psicológicos que nos impulsionam para a compra, existem ainda outros ‘falsos’ convencimentos que nos fazem acreditar que as atualizações são progressos tecnológicos, que nos fazem sentir estarmos na crista da onda daquilo que julgamos ser, inquestionavelmente, o progresso. As consequências de tal conduta têm reflexos socias e políticos perigosos, que não passam de “déjà vu”.

Se bem que seja pacífico sabermos que no século XIX os ricos viviam mais tempo que os pobres, devido a uma melhor dieta e a melhores condições sociais, talvez nos custe aceitar que essa disparidade esteja a aumentar cada vez mais.  

Mas que a desigualdade continue a aumentar como indicam as compras de produtos de superluxo pelos super-ricos é algo que se insere dentro de uma lógica de desenvolvimento que tem até aqui sido a seguida, e portanto, já não estranhamos.

 

Na China, os super-ricos estão já a respirar um ar diferente do das pessoas da rua. Os últimos andares dos apartamentos de luxo em Pequim, estão a ser bombeados com ar puro vindo das Montanhas Rochosas do Canadá. A empresa fornecedora, a Vitality Air, diz que “quando o ar na cidade é mau, as nossas vendas disparam. O ‘smog’ é definitivamente o nosso melhor propagandista”. (http://mashable.com/2016/05/12/china-bottled-air-demand/#Ywq.ceWEDGqt).

A Aethaer, outra empresa fornecedora de ar que vende a 80 libras a garrafa de vidro, o que dá para 150 a 200 inspirações, diz que ele “é filtrado organicamente pela natureza à medida que passa por entre as folhas das árvores dos bosques, absorvendo água pristina das florestas”, e que, quando se inala, deve de ser saboreado como se tratasse de um bom vinho.

 

Só que agora começámos a entrar numa época em que é já possível que o homem comece a fazer as atualizações nele próprio, desde que, evidentemente, tenha dinheiro para isso.

Por exemplo, uma das atualizações, são a introdução de implantes ligando o cérebro diretamente à internet (BCI, brain computer interfaces), de forma a criar uma enorme capacidade de memória: quem os puder comprar, nunca vão esquecer nada e vão pensar mais depressa.

Também com o recurso ao CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas), passa a ser possível editar o DNA, permitindo alterá-lo de forma a que, por exemplo, se consiga resistência a infeções virais e outras doenças, e proceder ainda a outras alterações genéticas desejadas.

 

Yuval Harare (https://www.theguardian.com/science/2014/sep/05/body-upgrades-only-for-rich), o historiador israelita, diz-nos que “o ser humano como o conhecemos deixará de existir dentro de cem anos. Só o ser humano atualizado interessará”. Ou seja, apenas existirá o atualizado e o desatualizado. Adivinhem quem serão os desatualizados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(127) "Mississipi Goddam"

 “O que é a liberdade? A liberdade é não ter medo”, Nina Simone.

 

Uma pianista de música clássica com a cor de pele equivocada no país equivocado.

 

“Artista é o que reflete o que está a acontecer na sociedade”, Nina Simone.

 

 “Lamento, mas eu não sou pacifista, não acredito na não violência”, Nina Simone.

 

Quero champanhe, cocaína e salsichas”, Nina Simone.

 

 

 

Que o problema do racismo contra os negros não é de hoje, nem recente na sociedade americana, é facto sabido. Tem, portanto, razão Trump quando diz exatamente isso, ou melhor, de acordo com o seu narcisismo, quando diz que a culpa não é dele.

Curiosamente, esta nova fase de erupção de violência racista tem tanto a sua origem no incitamento anti-islâmico feito por Trump (e que uma vez passado, revelou o seu verdadeiro objeto de ódio de estimação, a raça negra), como no facto de a Casa Branca ter sido ocupada durante oito anos por um negro, com a sua mulher negra e as suas filhas negras.

 Era a Casa Negra, a casa da vergonha desses americanos, daí nem o considerarem como americano. A eleição de Trump foi como que a válvula de escape para todo este racismo que estava latente, mas muito vivo.

Os reflexos desse desarrolhar da garrafa sentem-se até aqui em Portugal, neste povo amorfo, e por isso não racista. Basta ler os comentários nos vários órgãos de comunicação social: de repente, António Costa passou a ser “o monhé”, o “satiagrai”, etc. De repente, sentiram-se protegidos pelas ondas gravíticas.

 

A 21 de fevereiro de 1933 nasceu Eunice Kathleen Wamon, em Tyron, Carolina do Norte, e, vá-se lá saber porquê, tinha um dom para tocar piano. Aos quatro anos, tocava já piano na igreja onde a sua mãe predicava. Muriel Mazzanovich, antiga professora de piano, resolve acolhê-la com protegida, com a intenção de fazer dela a primeira concertista afro-americana, ou seja, americana negra, de música clássica.

E, lá passa ela toda a sua infância e adolescência nas infindáveis aulas de piano, aprofundando o conhecimento em Bach e outros.

Em 1955, com doze anos, vai dar um recital na igreja local. Os seus pais, Mary Kate e John, sentam-se na primeira fila para escutar a filha.

Evidentemente (este constitui um primeiro grande choque para Eunice, como que o despertar para a questão social que então se vivia, segundo escreve na sua autobiografia I Put a Spell on You ,1992 e 2003), foram obrigados a irem para as últimas filas, as “reservadas” aos negros. Dito de outra forma: as filas da frente é que estavam “reservadas” para os brancos. Eunice nega-se a tocar até ver de novo os pais na primeira fila.

Aos dezanove anos encontra-se pronta para entrar para o Instituto Curtis de Filadélfia. A 7 de abril de 1951 faz a sua audição, incluindo peças e Czerny, Rachmaninov, Liszt e Bach. A primeira afro-americana, ou seja americana negra, a intentá-lo. Evidentemente, foi recusada. Uma pianista clássica com a cor de pele equivocada no país equivocado.

 

Com a necessidade de se sustentar, começou a tocar piano numa cave em Atlantic City, trabalhando da meia noite às sete da manhã, por noventa dólares. Não era de facto um local nem um horário para uma Eunice decente, pelo que aí algures morreu Eunice e surgiu Nina Simone, Nina (“niña”) como lhe chamavam quando era miúda, e Simone em homenagem à atriz francesa Simone Signoret que ela vira no filme “Casque d’Or”, 1952.

 

Segundo ela: “Nunca foi uma opção, era tocar ou não comer”.

 

 As suas interpretações como cantante eram tão pessoais e únicas que mesmo músicas que não escreveu ficaram conhecidas como sendo dela. É o caso de “I Put a Spell on You” de Screamin’ Jay Hawkins que apesar de interpretadas por muitos, ficou como sendo a canção de Nina (https://www.youtube.com/watch?v=ua2k52n_Bvw)

 

Em 1960 é convidada para o Festival de Jazz de Newport, onde vai apresentar a sua música, uma mistura de folk, gospel e jazz. Em 1963 vai finalmente tocar no Carnegie Hall de Nova Iorque, não as suas tão queridas sonatas de Bach, mas a sua música.

Por essa altura, dá uma entrevista em que diz que “liberdade é não ter medo”. E confessa que “muitas poucas vezes fui livre”. O seu passado e vida presente a falarem.

 

A 15 de setembro de 1963, racistas brancos põem uma bomba na igreja de Birmingham, e matam quatro meninas afro-americanas, evidentemente. Nina não aguenta e, em uma hora, compõe música e letra da canção “Mississipi Goddam” (Maldito Mississípi)

(https://www.youtube.com/watch?v=LJ25-U3jNWM):

 

Oh, este país está cheio de mentiras

Todos vamos ser mortos e morremos como moscas

Já não confio mais em ti

Vocês continuam dizendo-me “Vai devagar!”

“Vai devagar!”

Esse é o único problema

“Fá-lo devagar!”.

 

As rádios e restante comunicação negaram-se a passar a canção por conter blasfémias. De repente deixou de ser a diva da canção passando a ser a negra que grita “Maldito Mississípi!”. Os contratos desapareceram.

Para Nina, ela “não tinha opção; como podes chamares-te de artista e não refletires o que está acontecendo, isso é que para mim é ser artista”.

Ela, que tanto queria cantar canções de amor, via-se na necessidade de cantar canções de protesto. Não era o tempo para o romantismo, havia uma revolução à espera.

 

 

A seu radicalismo acentua-se. As letras das suas canções assim o dizem. Era sua intenção “golpear a minha audiência (que era maioritariamente branca) tanto e tão fortemente que, quando saiam dos meus concertos, saiam destroçados”.

É a época em que diz o seu amigo, Martin Luther King: “Lamento, mas eu não sou pacifista, não acredito na não violência”.

 

O assassinato de Luther King em 1968 leva-a a escrever “Why? The King of Love is Dead” (https://www.youtube.com/watch?v=d3jiFbOMr8E), e a ir para a Libéria (país que fora fundado pela Sociedade Americana de Colonização com escravos americanos libertados em 1947).

Começam a aparecer alguns sintomas de doença mental, que incluem episódios de fúria, ataques de pânico, e alucinações. Manifestações do que mais tarde vem a ser diagnosticado como sendo maníaco-depressivas e transtorno bipolar, mas que na altura (anos sessenta) eram vistas como tendo mais que ver com uma questão de caráter do que com desequilíbrios químicos, o que levou a que de imediato começassem a referi-la com louca. Negra, cantora de jazz, insulta brancos nos espetáculos, só pode ser drogada ou louca.

 

Das suas relações com os intelectuais da “negritude”, deixa-nos em 1967/8 duas canções/interpretações inesquecíveis:

 

Backlash Blues” (https://www.youtube.com/watch?v=SxX6pYrvGy4

 

“Ain’ got no …”  (https://www.youtube.com/watch?v=L5jI9I03q8E)

 

A partir de 1976, volta ao Festival de Jazz de Montreux. Mas começa a confrontar elementos do público, tornando os espetáculos penosos. Regressa a Paris, mas o cenário agrava-se. Acaba a tocar em bares de secunda, por poucos dólares.

Finalmente diagnosticada a doença, os medicamentos entorpecem-na. Nick Cave, conta esta história passada em 1999, quando teve de a apresentar em palco.  Quando lhe perguntou como o deveria fazer, ela disse-lhe:

 

Como Doutora Simone”.

 

Já antes, quando um dos assistentes lhe perguntara se desejava algo, ela respondera:

 

Quero champanhe, cocaína e salsichas”.

 

Continuando a relatar, diz Cave que ela “apareceu completamente perdida no palco, mascando chiclete, tirou-o da boca e colou-o à parte lateral do piano”.

Dizem que esse foi um dos melhores concertos de Nina.

 

Dois dias antes de morrer, a escola de música de Filadélfia, aquela que cinquenta anos antes não a tinha aceite, entregou-lhe um diploma honorário. Morreu em 2003 em Bouc-Bel-Air, no sul de França. É que os negros também morrem.

 

 

 

Nota: para ouvirem as canções, basta sombrear com o rato a indicação dada do site, e carregar simultaneamente na tecla ctrl enquanto clica com o rato.

 

 

                                

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