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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(126) Aquele que vê de longe

 

 Os objetivos da Companhia são descodificar e controlar o conhecimento.

 

As máquinas inventaram uma linguagem estabelecendo as suas próprias regras sobre como ela era. E encriptaram-na para mais rapidamente trabalharem entre elas, deixando os humanos de fora por não terem capacidade para a descodificar.

 

“Por vezes, os números necessitam de serem alterados e de se mentir por um bem superior da sociedade”, do filme Minority Report.

 

“Predizer o crime será uma importante função do governo. Usarmos sistemas inteligentes para conhecer em antecipação quem poderá ser terrorista, quem poderá ser culpado por um crime, tornará a polícia mais eficiente, a sociedade tonar-se-á mais harmoniosa”, Li Meng, vice-ministro da ciência e tecnologia da China.

 

 

 

 

Uma das características das muito, muito, mas mesmo muito grandes companhias empresariais existentes é a sua enorme voracidade, processo que lhes permite não só continuarem vivas, mas que fazem desse processo de vida a sua própria finalidade.

É o que se passa com as cinco maiores companhias americanas, as consideradas Cinco Grandes (The Big Five), a Alphabet da Google, a Amazon, a Apple, a Facebook e a Microsoft, que estão permanentemente num estado de virem a ser, constantemente a adquirirem outras companhias que não fazem sentido para mais ninguém, mas que se integram dentro dos seus planeamentos estratégicos.

São, assim, companhias que estão permanentemente em mutação, expandindo o que fazem. Nenhuma delas está focalizada agora no que estavam a fazer seis meses atrás. Bill Gates disse-o desta forma:

 “Nós sobrestimamos o que podemos fazer nos próximos dois anos, e subestimamos o que poderemos fazer nos próximos dez anos”.

Esta ‘instabilidade’ dá origem a imensas especulações sobre o que elas andam a fazer, das interligações entre elas e das suas ligações ao poder de que elas fazem parte.

 

Que pensar da finalidade da criação da Alphabet, a empresa que dá cobertura a todas as empresas da Google? Ela propõe-se tentar melhorar a natureza de tudo aquilo que é humano: o que fazem os humanos, de que é que os humanos são feitos e como é que os nossos cérebros funcionam. Isto é a finalidade da Alphabet, o que convenhamos, é bonito!

A partir daqui podemos acompanhar todo o seu programa de aquisições, que pode, portanto, ser considerado infinito, abrangendo todos os ramos do conhecimento.

Em 2014, a DeepMind Technologies, uma pequena e recém-formada companhia londrina de Inteligência Artificial (IA), foi comprada pela Google por $650 milhões. A DeepMind não era apenas mais uma empresa de IA preocupada com a funcionalidade das máquinas e cérebros, e das suas interações. Ela preocupava-se com algo mais fundamental: a raiz da inteligência.

Não a inteligência artificial ou a humana, mas a inteligência. Humanos e robôs são apenas carapaças movidas por inteligência descodificável. Se descodificarmos essa inteligência, compreenderemos como as coisas funcionam, ou seja, podemos comandar o mundo.  O que diz bem dos objetivos da Alphabet: a ambição de descodificar e controlar o conhecimento.

 

Em setembro de 2016, o departamento de pesquisa de IA, Google Brain (de que a DeepMind era já subsidiária), cria um programa (GNMT – Google Neural Machine Translation) que permitia aos computadores traduzirem instantaneamente linguagens inteiras. Ao computador de IA do Google Brain foi-lhe ‘ensinado’ a tradução de japonês para inglês, e de inglês para coreano. E começaram a acontecer coisas estranhas (https://research.googleblog.com/2016/11/zero-shot-translation-with-googles.html#gpluscomments).

 

O computador, sem qualquer ‘ensino’, começou a traduzir diretamente de japonês para coreano, criando ele próprio uma nova linguagem artificial que lhe permitia ‘explicar’ como material nunca visto poderia ser traduzido.

Em vez de memorizar e comparar frase por frase, ele começou a utilizar como que um código semântico da frase: o sistema estava a inventar uma linguagem! Uma nova linguagem encriptada que só outros computadores tinham capacidade para aprender e da qual os humanos estavam arredados por não terem capacidade para a descodificar.

 

Quando interrogados sobre o assunto, a equipa encarregada (Google Brain Team) disse apenas:

 

Interpretamos isto como um sinal da existência de uma interlíngua na rede”, “É uma interlíngua. Está lá para resolver um problema.” (Uma ‘interlíngua’ é um tipo de linguagem artificial que é usada para desempenhar um objetivo específico).

 

Ou seja, as máquinas inventaram uma linguagem estabelecendo as suas próprias regras sobre como ela era. E encriptaram-na para mais rapidamente trabalharem entre elas, deixando os humanos de fora por não terem capacidade para a descodificar.

Tudo bem, é apenas uma interlínguazita! Deixem lá elas tagarelarem, podemos sempre desligá-las!

 

 

Em 2004, Peter Thiel (co-fundador da PayPal, investidor da Facebook), Nathan Gettings (ex-engenheiro da PayPal), Joe Lonsdale, Stephen Cohen e Alex Karp (da Universidade de Stanford), criaram a Palantir, com a finalidade de ultrapassar tudo o que até à altura se tinha feito com a utilização da Big Data, pretendendo ir até para além do imaginável.

E foi isso que fizeram. A Palantir vigia hoje tudo aquilo que se faz e prediz tudo aquilo que se pensa vir a fazer de forma a poder evitá-lo (https://www.palantir.com/).

“Palantir” é a “pedra que vê” no Senhor dos Anéis de J.R.R. Tolkien, usada por Saruman para ver no escuro ou numa luz que cega. “Palantir” significa “aquele que vê de longe”, o mítico instrumento de omnipotência.

 

Tem como principais “clientes” e financiadores a CIA, o FBI, a NSA, o CDC, os Marine Corps, a Air Force, Special Operations Command, West Point e o IRS. Metade do seu negócio é feito com o setor público. Poucos sabem da sua existência e, evidentemente, muito menos da sua localização: visível apenas um pequeno escritório numa rua secundária de Palo Alto, intitulado de SCIF, “Sensitive Compartatmentalised Information Facility” (https://techcrunch.com/2015/01/11/leaked-palantir-doc-reveals-uses-specific-functions-and-key-clients/3/).

Usando as ferramentas mais sofisticadas da pesquisa de dados (data mining), a Palantir consegue seguir quem quer que seja, desde potenciais terroristas até vigaristas empresariais (como a maior parte das provas fornecidas que levaram à prisão de Bernie Madoff), traficantes de crianças e elementos “subversivos”.

Através do seu ramo civil instalado no governo, a Palantir Metropolis, fornece informações que conseguem prever os serviços financeiros de bancos e de outras empresas financeiras, permitindo um controle sobre a Wall Street.

 

No Iraque, o seu software ajudou, entre outros, a identificar e a prever padrões de instalação de minas ao longo das estradas, locais de maior atividade de insurgentes e padrões de morte de civis.

Essas tecnologias utilizadas inicialmente em Fallujah, foram depois reutilizadas em cidades americanas como Los Angeles e Chicago, em missões de policiamento de condutores ilegais e na pequena criminalidade. Ou seja, a América (ou parte) passou a ser considerada como “zona de guerra” entre a polícia e os jovens negros americanos. Essa utilização de policiamento-preditivo coincidiu, curiosamente, com o maior aumento de mortes de homens negros suspeitos.

 

Este tipo de policiamento preditivo, ao militarizar as cidades americanas, tem criado um ambiente de suspeição e medo exatamente nas áreas onde as tensões já estão muito extremadas, dificultando ainda mais o policiamento. O mero fato da presença da polícia chegar a uma área só porque um algoritmo o indica, cria mais tensão.

Acresce que, a cada vez maior aproximação entre a polícia militar e a polícia “civil”, doméstica, faz com que as linhas de separação entre elas se tornem difíceis de distinguir. Além do mais, “os militares têm com finalidade a defesa do território contra inimigos externos, e isso não é a missão da polícia que não podem olhar para a população como se ela fosse o inimigo externo.”

 

Por outro lado, parece que o facto de se estar a executar uma missão assente em trabalho científico de ponta (IA), mesmo sendo só de predição, como que dá ao agente policial um estado de espírito muito assertivo, que o leva a pensar que todos os encontros que vai ter serão com criminosos previamente catalogados.

 O conhecimento prévio apoiado nos dados de IA, atua como um reforço dos preconceitos. Ou seja, quando o polícia sair da viatura e se dirigir ao cidadão, a sorte deste já está traçada. Provavelmente, estaremos assim perante uma tática que é por si mais um fator contribuinte para o grande aumento de mortes feito pela polícia.

 

Por tudo isto, a Palantir  vem-nos assegurar que tem capacidade para predizer o futuro, segundos ou anos antes de acontecer.

Talvez isto nos faça lembrar o filme Minority Report em que Tom Cruise, fazia de oficial da polícia de Los Angeles (LAPD) na unidade de “pré-crime”. Com a utilização das premonições de mutantes especialmente sensíveis, os “pré-cogs”, a polícia conseguia predizer quando alguém iria cometer um crime antes de ele acontecer, o que permitia prendê-la antes que o crime fosse feito, reduzindo assim as estatísticas de criminalidade a zero. O “crime” estava ainda na fase de pensamento dos executantes quando eram apanhados.

Contudo, quando o polícia (Tom Cruise), começa a questionar-se sobre a moralidade do sistema, os superiores tratam de se verem livres dele. Tentam forçá-lo a cometer um crime, alterando os dados da história por ele investigada e pensada. No final, frente ao seu chefe, este explica-lhe que, por vezes, os números necessitam de serem alterados e ter de se mentir para um bem superior da sociedade.

A diferença é que o Minority Report é teoricamente passado no ano 2054, ao passo que o Palantir está agora já a produzir operações “pré-crime”.

 

Mas, alguma coisa de grave se passa: quando um paladino do progresso tecnológico como Elon Musk (Tesla e Space X) vem dizer que considera a inteligência artificial “mais perigosa que a Coreia do Norte”  

✔ @elonmusk

If you're not concerned about AI safety, you should be. Vastly more risk than North Korea.

1:29 AM - Aug 12, 2017

 

 e quando Stephen Hawking nos avisa que a continuar este tipo de progresso a “humanidade acabará dentro de uns duzentos anos”, o melhor é pelo menos estarmos atentos.

Anote-se também a Carta Aberta de 21 agosto de 2017 (https://futureoflife.org/autonomous-weapons-open-letter-2017), escrita pelas companhias de ponta de 26 países envolvidas na construção de tecnologias de Inteligência Artificial e Robótica, e dirigida à Convenção de Certos Armamentos Convencionais (CCW) das Nações Unidas, em que manifestam o seu alarme perante a proliferação das mesmas. Transcrevo o último parágrafo:

 

As armas letais autónomas ameaçam tornarem-se na terceira revolução no teatro de guerra. Uma vez desenvolvidas, permitirão que os conflitos armados possam ser travados numa escala nunca vista, e com tal rapidez que os humanos não possam compreender. Podem ser armas de terror, armas de déspotas ou terroristas usadas contra populações inocentes, e armas adulteradas propositadamente para se comportarem de modos indesejáveis. Não temos muito tempo para atuar. Uma vez aberta esta caixa de Pandora, será difícil voltar a fechá-la. Por isso, nós os signatários, imploramos que se venha a encontrar um caminho que nos proteja a todos destes perigos.

 

Partindo do princípio de que esta petição/declaração é realmente honesta e bem-intencionada, devemos tomá-la como um sério aviso sobre os iminentes perigos que nos espreitam. Mas, tratando-se de companhias que todas elas estão precisamente no mesmo negócio contra o qual nos pretendem alertar, ficamos na dúvida sobre se as suas intenções não são antes evitar o desenvolvimento dos mesmos produtos por companhias rivais.

 

 

Vejamos: tudo isto que está a acontecer no mundo ocidental, tem o seu contraponto na China. Também a China tem as suas Big Five que são equivalentes e desempenham quase as mesmas funções que as suas congéneres americanas. A Baidu é a Google chinesa, com os serviços de mapa, nuvem, sistemas de pagamentos, saúde, automóveis autónomos e investigação em IA. A Alibaba, a plataforma de pagamento online, é a maior empresa de comércio eletrónico do planeta. A Ten Cent é a equivalente à Facebook, com a WeChat que combina a WhatsApp, Facebook, Apple Pay e Google News, e 700 milhões de subscritores. A JD.com é a Amazon, oferecendo já entregas no mesmo dia a 600 milhões de clientes. A Didi é a Uber chinesa.

 

 

Li Meng, vice-ministro da ciência e tecnologia da China, referindo-se à empresa chinesa de reconhecimento facial com base em Guangzhou, que criou um sistema que permita seguir os movimentos e comportamento por forma a permitir evitar o crime, disse:

Se usarmos sistemas inteligentes, podemos já prever … quem poderá vir a ser terrorista, ou fazer alguma ação má”.

E continuou afirmando que a prevenção de crimes pela utilização da predição dada pela IA, é a grande prioridade na esfera do governo:

Predizer o crime será uma importante função do governo. Se usarmos sistemas inteligentes para conhecer em antecipação quem poderá ser terrorista, quem poderá ser culpado por um crime, tornará a polícia mais eficiente, a sociedade tonar-se-á mais harmoniosa.

Durante este mês, Pequim anunciou que até 2025 serão investidos 59 biliões de dólares na indústria de inteligência artificial.

 

 

De um lado chove, do outro lado chove igualmente. É o novo dilúvio anunciado. A finalidade não é, como não foi no primeiro dilúvio, acabar com a humanidade. Trata-se de a transformar. Mas não como no primeiro dilúvio em que a intenção era a de melhorar a humanidade. Agora, trata-se de lhe retirar a humanidade.

 

 

Mas até pode ser que estas “predições” ultracientíficas e rigorosas obtidas pelas variadas Inteligências Artificiais, não sejam assim tão rigorosas e inevitáveis como nos querem fazer crer. Embora a intenção desses agentes transformados em pretensos deuses, ou potenciais ditadores, intente ir nesse sentido, talvez que esse seu grau de certeza seja mais para nos intimidar, para que nos quedemos mudos e receosos, perante essa avalancha de conhecimentos e certezas. Mais uma forma para nos dominar melhor através da “reverência científica”, agora que a igreja já não tem poderes para tal.

 

Porque não são, por exemplo, utilizadas as predições das IA nos mercados financeiros? Imaginemos que a IA começa a criar uma carteira de ações que vá a arrepio do mercado. Como é que um ser humano poderá avaliar se tal é algo que tem sentido e deve de ser seguido ou se a IA está a cometer um erro?

Como observou Satya Nadella, diretor geral da Microsoft: “Como podemos aprovar as contas que os algoritmos decidem, num mundo em que eles não são calculados por nós, mas sim escritos pela IA?

De um modo mais simples: enquanto houver Sporting e Jorge Jesus não há Palantir que chegue.

 

 

 

 

(125) A "Bíblia da Mulher"

 

“Os homens nascem ignorantes, mas não estúpidos. É a educação que os torna estúpidos”, Bertrand Russel.

 

 “Como todas as religiões à face da terra degradam a mulher, sempre que a mulher aceitar ficar nessa posição em que a colocam, a sua emancipação torna-se impossível”, Elizabeth Cady Stanton, 1895.

 

“O casamento para ela não passa de uma condição de servidão, a maternidade de um período de sofrimento e angústia, e tem ainda de desempenhar em silêncio e sujeição o papel de dependente dos desejos do homem para todas as suas necessidades materiais”, E. C. Stanton.

 

“A principal distinção na potência intelectual entre os dois sexos é o homem poder alcançar uma mais alta eminência, seja no que se proponha, do que se fosse mulher”, C. Darwin.

 

“Tem-nos sido dito pela gestão de topo que aquilo que temos feito é o que é, económica e moralmente, o mais correto, mas isso não passa de uma ideologia velada de esquerda (7) que tem irreparavelmente prejudicado a Google”, James Damore.

 

 

 

 

 

Começo por apresentar parte da Introdução que a americana Elizabeth Cady Stanton (1815-1902) escreveu em 1895 para A Bíblia da Mulher, obra em dois volumes publicados em 1895 e 1898, (http://www.sacred-texts.com/wmn/wb/), com a colaboração de mais 26 escritores, como desafio à ortodoxia religiosa e à Versão Revista da Bíblia empreendida pela Igreja da Inglaterra em 1881, 1885 e 1894, sem a participação de qualquer mulher, e que continuava a colocar a mulher como subserviente do homem.

 

 

A Bíblia tem sido usada para manter a mulher na ‘esfera divinamente ordenada’ que lhe foi atribuída, de acordo com o prescrito no Antigo e no Novo Testamento.

O cânone e a lei civil; a igreja e o estado; os padres e os legisladores; todos os partidos políticos e as variadas congregações religiosas concordam em que a mulher foi feita depois do homem, a partir do homem, e para o homem, um ser inferior, sujeito ao homem. Credos, códigos, Escrituras e estatutos, todos tomam por base esta ideia. As modas, formas, cerimónias e costumes da sociedade, ordenações da igreja e disciplina, todas emanam desta ideia. […]

 

A Bíblia ensina que foi a mulher que trouxe o pecado e a morte ao mundo, que foi ela que precipitou a decadência da raça, tendo sido arrastada perante o julgamento do Céu, julgada, condenada e sentenciada. O casamento para ela não passa de uma condição de servidão, a maternidade de um período de sofrimento e angústia, e em que ela tem ainda em silêncio e sujeição de desempenhar o papel de dependente dos desejos do homem para todas as suas necessidades materiais, bem como para todas as informações sobre as questões do dia a dia que ela possa julgar pertinentes e que, obrigatoriamente, terá primeiro de perguntar ao marido. Em resumo, esta é a posição da mulher segundo a Bíblia […]

 

A lei canónica, os ensinamentos da igreja e Escrituras, são homogéneas, e todas elas refletem o mesmo espírito e sentimentos.Todos estes textos familiares são referidos pelos padres nos seus púlpitos, pelos políticos nas suas assembleias, pelos advogados nos tribunais, reproduzidos pela imprensa de todas as nações civilizadas, e aceites pelas próprias mulheres como sendo “A Palavra de Deus”.

A natureza do elemento religioso está tão pervertida, que com a fé e orações as mulheres acabam por ser o principal suporte da igreja e do clero; exatamente os mesmos poderes que tornam a sua emancipação impossível. Quando no início do século XIX as mulheres começaram a protestar contra a sua degradação civil e política, foram aconselhadas a encontrarem uma resposta na Bíblia. Quando protestaram contra o seu tratamento desigual pela igreja, foram aconselhadas e encontrarem resposta na Bíblia.

Isto conduziu a um estudo geral e crítico das Escrituras. Alguns, acreditando que elas eram mesmo a verdadeira “Palavra de Deus”, fizeram traduções liberais, interpretações, alegorias e símbolos, branqueando as características mais objetáveis das várias Escrituras, editando-as como sendo inspiradas divinamente. Outros, vendo as semelhanças familiares entre a Lei Mosaica (a lei Mosaica começa com os Dez Mandamentos dados por Deus aos Israelitas através de Moisés, e inclui ainda preceitos de conduta religiosa incluídos nos primeiros cinco livros do Velho Testamento; no Judaísmo, estes livros são conhecidos como Tora, ou “a Lei”), a lei canónica, e a antiga lei civil Inglesa, concluíram que todos eles eram semelhantes e emanavam da mesma fonte […].

Outros ainda, baralhados entre as suas dúvidas e medos, não chegaram a qualquer conclusão. Enquanto os seus clérigos lhes dissessem por um lado que elas deviam todas as suas bênçãos e liberdades à Bíblia, e por outro lado lhes diziam que era exatamente por isso que as suas esferas de ação estavam circunscritas: que os pedidos respeitantes a direitos civis e políticos eram irreligiosos, perigosos para a estabilidade do lar, do estado e da igreja.

Eram frequentes os apelos do clero para que os fiéis das suas igrejas não participassem em movimentos contra a escravatura ou em movimentos sufragistas femininos, fazendo notar que nesses casos estariam a serem infiéis para com as suas tendências, minando o próprio fundamento da sociedade. Não é de admirar que a maioria das mulheres se mantivesse quieta, de cabeça baixa, aceitando a situação.

 

Após ouvir as opiniões de mulheres, comecei a pensar que seria interessante e proveitoso trazê-las a conhecimento público através da sua publicação em livro. Foi assim, que há seis anos propus a uma comissão de mulheres o projeto da ‘Bíblia para a Mulher’, onde seriam vertidos os nossos comentários sobre a posição das mulheres no Antigo e no Novo Testamento […]

Contudo, várias distintas professoras versadas em estudos bíblicos e em hebreu e grego, embora interessadas, não participaram com receio que as suas reputações académicas pudessem vir a ser afetadas dado o que consideraram ser um projeto impopular.

Outras receiam que possam comprometer a sua fé evangélica se acolherem visões mais liberais que não olham para a Bíblia como “Palavra de Deus”, mas como um qualquer outro livro, que deva ser julgado pelos seus méritos próprios. Se a Bíblia prega a igualdade da Mulher, porque é que a igreja recusa a ordenação de mulheres para poderem pregar, preencher os cargos de diácono, administrar os sacramentos, ou não as admite nem que seja como delegada aos Sínodos, Assembleias Gerais e outras Conferências? Porque nunca convidaram uma mulher para participar nas Comissões de Revisão […]

 

Recebemos um grande número de cartas muito apreciativas sobre a obra e a intenção que presidiu ao seu aparecimento. Recebemos também as usuais objeções esperadas. Uma delas convidava-nos a suspender a obra, uma vez que era “ridículo” que as “mulheres se atrevessem a rever as Escrituras”. Pergunto-me se algum homem escreveu à ultima comissão da revisão dos Divinos para que a suspendessem por serem homens a reverem a Bíblia […]

Outras referem que não é “político” demonstrar oposição religiosa. Este tipo e política não passa de “cobardia”. Como é que se pode alterar a posição de subordinação da mulher para uma de igualdade, sem oposição, sem a discussão o mais alargada possível de todas as questões que dão origem a essa degradação? […]

Outras dizem-nos que o nosso trabalho é um dispêndio inútil de força num livro que já tem pouco a ver com o espírito humano. Dizem que a maior parte das mulheres inteligentes o veem como uma história de um povo rude de uma época de barbárie, e que têm tanta reverência para com a Bíblia como para um outro qualquer livro. Só que, enquanto dezenas de milhar de Bíblias forem impressas todos os anos, e postas a circular por todo o mundo, e enquanto os povos de todas as nações de fala inglesa o reverenciarem como a palavra de Deus, não vale a pena diminuir-lhe a sua importância. […]

 

Os únicos pontos em que me diferencio relativamente aos ensinamentos eclesiásticos é que não acredito que algum homem tenha alguma vez visto ou falado com Deus, não acredito que Deus tenha inspirado o código Mosaico, ou tenha dito aos historiadores da Bíblia o que eles dizem sobre as mulheres. Como todas as religiões à face da terra degradam a mulher, e desde que a mulher aceite esta posição em que a colocam, a sua emancipação torna-se impossível.

 

[…]. Há alguns princípios gerais nos livros sagrados de todas as religiões que ensinam amor, caridade, liberdade, justiça e igualdade para todos os seres humanos, há muitas e belas passagens, cuja regra de ouro têm ecoado à volta do mundo. Há muitos exemplos de homens e mulheres verdadeiros e bons, todos eles dignos da nossa aceitação e imitação, cujo brilho não pode ser diminuído por sentimentos falsos e indignos exibidos por outros no mesmo volume. A Bíblia não pode ser aceite ou rejeitada como um todo, os seus ensinamentos são variados e as suas lições diferem bastante umas das outras […]. Ao criticarmos a lei Mosaica não questionamos a sabedoria da regra de ouro e do quinto Mandamento. Mais uma vez a igreja reserva consagração especial para as suas catedrais e clérigos, partes dessas igrejas aristocráticas são demasiado sagradas para permitirem a entrada de mulheres, uma das razões invocadas para a introdução de rapazes nos coros, e em que as mulheres cantavam num canto obscuro obrigatoriamente velado.

 

[…] A lei canónica, as Escrituras, os credos e os códigos e a disciplina da igreja das principais religiões, todas eles têm a impressão falível do homem, e não da nossa primeira causa ideal, “o Espírito de Todo o Bem”, que deu movimento ao universo da matéria e do espírito […].

 

 

 

Mas, Cady Stanton foi também a fundadora (1869) e presidente da National Woman Suffrage Association (NWSA) que se batia pela concessão do direito de voto às mulheres, o que só veio a acontecer em 1920 (51 anos depois) quando foi finalmente ratificada a Décima Nona Emenda à Constituição dos E.U.A., onde se dizia que “O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não pode ser negado ou limitado pelos Estados Unidos ou por qualquer Estado mediante a invocação de género (sexo).”

 

Muitas e variadas são as Associações de mulheres que têm existido nos EUA. Aliás, os vários tipos de associações e grupos que aí pululam, têm sido cruciais para o desenvolvimento desse país desde a época da colonização; não foi por acaso que ao primeiro governo das treze colónias se chamou “A Associação”.

Ainda hoje nos EUA, as Igrejas continuam a ser associações voluntárias privadas e podemos constatar que, desde que o vínculo entre a Igreja e o Estado se rompeu com a Revolução Americana, a maioria das reformas mais importantes, como a abolição da escravatura, a instituição dos direitos das mulheres, a reforma penal e penitenciária, a educação, a proteção dos nativos americanos e dos direitos civis, têm sido ‘conseguidas’ através da defesa e combatividade dessas associações de pessoas.

 

É sabido que os direitos políticos só após muitas lutas e muitos anos é que foram vindos a serem reconhecidos. O direito ao voto não foi exceção. E mesmo quando na maior parte dos países europeus ele foi ‘concedido’, foi só para os homens que possuíssem uma determinada quantidade de bens, o que fazia, por exemplo, que em 1830, na França, onde existiam cerca de trinta milhões de habitantes, o eleitorado fosse apenas de noventa mil votantes.

 Mas não só a falta de riqueza era limitativa do direito ao voto. A confissão religiosa também o era: na Grã-Bretanha, os católicos só puderam votar após 1829, e os judeus após 1858.

Quanto às mulheres, o seu direito de voto foi vindo a ser sempre protelado: quando após a guerra civil americana julgavam conquistar, juntamente com os escravos negros, o direito de votar, foram preteridas, elas que não os escravos negros.

 

Anteriormente, já Kant, ao pressupor a independência do sujeito como critério para a capacidade de votar, concluía que “qualquer um que não pudesse conservar a sua existência (o seu sustento e proteção) por si mesmo, dependendo dos demais” seria excluído de votar. Assim, os serventes, as crianças e as mulheres ficam excluídas por não terem “personalidade civil e a sua existência é, digamos, só de inerência”. 

Em França, no Código Civil de Napoleão, as mulheres, juntamente com os menores, os delinquentes e os deficientes mentais, viram-se excluídos dos direitos jurídicos; as mulheres casadas estavam impedidas de vender, doar, hipotecar ou comprar propriedades, e até 1965 necessitavam de autorização expressa dos maridos para trabalharem.

Em Inglaterra, talvez devido ao papel que desempenharam durante a Primeira Guerra, começaram a poder votar a partir de 1918. Na Bélgica, França, Itália e Japão, só após a Segunda Guerra é que foi concedido o voto às mulheres. Na avançada Suíça, só a partir de 1971 é que as mulheres puderam participar nas eleições federais.

 

Mais: não se julgue que uma vez ‘conquistados’ esses direitos, eles viessem a permanecer para sempre. Exemplo claro foi o que aconteceu em Espanha em 1931 e 1932, quando se concedeu o voto às mulheres e se despenalizou o aborto. Em 1939, com a chegada de Franco ao poder, tudo isso acabou e apenas as mulheres que fossem casadas e mães de família podiam votar nos referendos. Só a partir de 1976 é que as espanholas voltaram a ter direito a exercer o voto em liberdade e o direito de acesso a cargos públicos.

 

Hoje em dia, com o regresso a um novo autoritarismo, parece que a ênfase do século XX na liberdade associada à proliferação dos movimentos sociais e revoluções, como o feminismo, os movimentos a favor dos direitos civis nos EUA, a Primavera de Praga, o Maio de 68 em Paris, se tem vindo a eclipsar.

 

 

Em julho de 2017, o engenheiro James Damore da Google americana, enviou um memorando, “A Câmara de Eco Ideológica da Google” (Google’s Ideological Echo Chamber), (https://diversitymemo.com/), como resposta a um programa sobre diversidade que a empresa estava a implementar para ver se aproximava o desnível funcional e salarial existente entre os sexos.

Segundo o engenheiro, a Google deveria acabar com esse programa de diversidade, sugerindo que a desigualdade entre géneros na indústria tecnológica era em parte devido às diferenças biológicas existentes entre homens e mulheres, sendo, portanto, um problema do posicionamento da própria empresa que, com a sua conceção liberal de administração de pessoal criara.

Socorrendo-se de gráficos e tabelas, doutas opiniões de estudos científicos, James Damore demonstrava que a biologia estava por trás das razões da existência de tão poucas mulheres nas ciências tecnológicas. Razão tinha afinal aquele meu colega de liceu, respondendo á pergunta sobre quem era mais inteligente, se o homem ou a mulher, disse na ingenuidade dos seus quinze anos: “O homem, porque todos os grandes homens foram homens”.

 

O próprio Darwin escrevera em 1871 no Descent of Man:

 

“A principal distinção na potência intelectual entre os dois sexos é o homem poder alcançar uma mais alta eminência, seja no que se proponha, do que se fosse mulher”,

assumindo assim a inferioridade biológica da mulher, atribuindo a essa razão o pequeno número de mulheres cientistas, arquitetas e políticas, sem pensar que vivia numa sociedade que não permitia que as mulheres votassem, que as mulheres casadas pudessem ter propriedades ou que as mulheres fossem para as universidades.

 

Fácil de imaginar a celeuma e os artigos, contra e a favor, que apareceram na comunicação americana, esgrimindo argumentos e contra-argumentos, socorrendo-se da notoriedade (como a de Darwin) ou de artigos científicos publicados.

Contudo, nenhum abordou aquilo que me parece ser o fundo do problema, que é o tipo de raciocínio falacioso do autor, que se entende melhor quando ele explicita as razões porque a Google tem falhado nas suas tentativas de diminuir a descriminação entre os sexos. Diz ele:

 

“[…]. Tem-nos sido dito pela gestão de topo que aquilo que temos feito é o que é o mais económica e moralmente correto, mas isto não passa de uma ideologia velada de esquerda (7) que tem irreparavelmente prejudicado a Google.  

E, passa a explicar o (7):

 

O comunismo prometeu ser simultaneamente superior moralmente e economicamente ao capitalismo, mas em todas as suas tentativas deram em corrupção moral e falhanço económico. Quando se tornou claro que a classe trabalhadora das democracias liberais não iria “correr com os seus opressores capitalistas”, os intelectuais Marxistas passaram da luta de classes para as políticas raciais e de género. A dinâmica opressor-oprimido manteve-se, só que agora o opressor é o “patriarcado branco, hétero e cisgénero.

(cisgénero: termo utilizado para se referir às pessoas cujo género é o mesmo que o designado no seu nascimento, por oposição a transgénero.)

 

Se aplicássemos este tipo de raciocínio como base para compreensão da existência e do desenvolvimento, certamente a possibilidade de progressão do capitalismo não teria passado do século XIV. Foram várias, ao nível de centenas ou milhares, as tentativas que o capitalismo foi fazendo ao largo de vários séculos (a começar no século XIV com as revoltas da burguesia e o seu papel nas tomadas de poder, ou na contribuição monetária para as revoluções, como por exemplo aqui em Portugal aconteceu com o apoio concedido a D. João I), até que finalmente se conseguiu impor.

Ou seja, o falhanço do comunismo e do nazismo neste último século, não constitui razão suficiente para os considerar arredados da história, da mesma forma que os sucessivos e variados falhanços do capitalismo não foram razão suficiente para o considerar como desqualificado.

 

Este tipo de raciocínio baseia-se na consideração de que a sociedade é o que os dados do momento nos transmitem, extrapolando-os depois para o futuro. Sobre esses dados não se exerce qualquer mediação crítica do seu valor, na medida em que eles são aceites como parte do sistema que se impõe na altura.

É como se cortássemos uma fatia da história onde verificássemos que as mulheres não trabalhavam fora de casa, aí desempenhando todas as funções domésticas, e onde por exemplo existisse a escravatura de negros, concluir que, independentemente do que antes pudesse ter acontecido, essa era a realidade existente, e a partir dessa realidade elaborássemos para o futuro como se ela fosse a real.

É como se concluíssemos ao analisar o que se passou no campeonato de futebol de 2016-2017 em que o Benfica foi tetracampeão, que, mantendo-se as mesmas condições, passaria a ser o campeão no futuro.  Ou, ao analisarmos os casamentos pelo estado de satisfação e amor que existem em ambas as partes a quando da sua realização, daí concluir-se que no futuro permanecerão casados para sempre.

 

É um raciocínio falacioso que, ao extrapolar as suas conclusões para o futuro, poderá vir a ser perigoso, na medida em que para escamotear a sua falta de critica, vai pretender substitui-la (depreciando-a até) pelo enorme aumento de dados obtidos (dados que são os próprios que decidem que esses é que são os dados válidos), com o argumento de quanto mais dados se tiver mais correto será o sistema, o que irá fazer com que no limite não exista qualquer causalidade, qualquer tipo de raciocínio: só existem dados.

Tudo não serão mais do que conjuntos de dados, ‘coisas’ que aí estão prontas a serem controladas, conduzidas, inalteráveis a partir do momento em que são decididas por serem o que se diz serem, e introduzidas no sistema.

 

Trata-se de uma visão da história muito restrita que, virada para o futuro construído a partir dela, virá a alterar radical e nefastamente a humanidade, conduzindo-a a uma nova submissão nunca vista, uma nova escravatura, que esperamos que pelo menos seja divertida dados os meios de entretenimento de que virá a dispor e que nos porá à disposição (por isso somos uma democracia). Como humanos docilmente refugiados e ignorantes de humanidade, estaremos por tudo.

 

Curiosamente, um mês depois, o engenheiro Damore foi despedido pela Google. Ele, que julgava que a Google era uma empresa com valores de esquerda, não entendeu nada: é que a Google é mesmo uma empresa defensora avançada do sistema capitalista, mesmo que pareça defender outros valores. Só aparenta defender outros valores enquanto tal lhe for mais rentável. Acima de tudo não quer nada que lhe transtorne as vendas, que lhe crie problemas.  Tal como a maior parte dos americanos não percebeu que o O. J. Simpson foi absolvido não por ser negro, mas por ser rico: o sistema a funcionar para os seus!

Agora que a sentiu no pelo, espero que o engenheiro Damore interprete a frase predileta do seu mais alto representante “You’re fired!”, não como um ataque pessoal, mas como algo necessário para o progresso e evolução da sociedade.

 

 

 

 

 

(124) Manual de Sobrevivência ou dos chocolates como metafísica segundo Pessoa

 

A 15 de janeiro de 1928, Álvaro Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, escreve este poema, publicado em julho de 1933 na Presença, intitulando-o singelamente de Tabacaria.

 

 

 

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
 (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe? nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.

 

 

 

(123) A poesia segundo Octávio Paz

 

 Para iniciar esta estação de férias, irei transcrever algumas páginas soltas que me parecem apropriadas, por serem simultaneamente simples e deliciosamente bem escritas.

 

 

 Eis como Octávio Paz (El Arco y la Lira) nos define o que é poesia:

 

 

 

“A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade  poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Oração ao vazio, diálogo com a ausência: alimentam-na o tédio, a angústia e o desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjura, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história: no seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire por fim consciência de ser mais que transição. Experiência, sentimento, emoção, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar por forma superior; linguagem primitiva. Obediência a regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e metros e rimas não passam de correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensino, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos eleitos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todos os rostos, mas há quem afirme que não possui nenhum (…)”.

(122) "Cambada de comunistas!"

 

Atribuir os recentes acontecimentos ao caráter intempestivo do presidente Trump, é escamotear a realidade do sistema.

 

Esse é o sistema. Não foi Trump que o inventou. Nem é o único a aplicá-lo. Ele é o seu representante eleito.

 

Que legitimidade têm os ditos G20 para decidirem sobre todo o mundo?

 

“Dizem que somos comunistas, mas quem come nisto são eles”, Almeida Santos.

 

 

 

 

Esta é a história que se conta do exame sobre Expansão Portuguesa de um estudante de Coimbra, filho de boas famílias apoiantes do regime, no tempo em que o nosso inquestionável timoneiro Salazar acreditava controlar a economia desta nação valente e imortal. Reunidos os examinadores, sabendo que o aluno era particularmente conhecido por ser o maior cábula da academia, e tendo noção da importância familiar que o rodeava, entenderam facilitar-lhe a prova.

Assim, comunicaram ao aluno, perante o anfiteatro cheio, que lhe iriam fazer apenas três perguntas que julgavam muito simples, e que lhe possibilitariam a passagem à disciplina. E veio a primeira pergunta:

“Quem foi o descobridor da Madeira?”

Resposta pronta e sem hesitações do aluno:

“Foi Salazar.”

Perplexidade nos professores, que lhe recomendam calma. Segunda pergunta:

“Quem foi o descobridor do Brasil?”

De novo resposta sem hesitações:

“Foi Salazar.”

Novo espanto e incomodidade entre os professores, informando o aluno que só tinha mais uma tentativa. Terceira pergunta:

“Quem descobriu o caminho marítimo para a Índia?”

“Foi Salazar.”

Perante isto, o júri informou o aluno que, infelizmente, tinha de o chumbar pois tinha errado todas as respostas.

O aluno levantou-se, subiu as escadas do anfiteatro, dirigiu-se à porta de saída, abriu-a, voltou-se para o anfiteatro, e disse em voz alta:

“Cambada de comunistas!”

 

 

Vem isto a propósito das notícias que os nossos meios de comunicação social têm trazido ao nosso conhecimento sobre o presidente Trump, os seus tweets, as suas gafes, os seus filhos, o G20, as substituições constantes de pessoal. Como se Trump não fosse o presidente eleito dos EUA, como se não fizesse parte da mais abastada sociedade nova-iorquina, como se não saber comer com faca e garfo fosse uma mancha e não tivesse direito a utilizar as mensagens de telemóvel como sempre o fez.

 

Trazer para notícia o facto de a filha ter ocupado o seu lugar junto dos representantes do G20 e toda a história com fotografias (para mostrar que era mesmo verdade, ela estava mesmo sentada), e querer parecer com a notícia que se está perante um comportamento menos digno e correto, que os meios de comunicação social, sempre atentos como garantes da boa educação e liberdades nos devem alertar, é escamotear o facto que qualquer daquelas personagens ali presentes fazem parte (ou representam) dos 1% que mandam nas nossas vidas, e que, portanto, tanto faz serem uns como outros, dirão sempre o mesmo. São intercambiáveis.

O que ali dizem (se é que dizem) não passa de pequenos ajustes já previamente concertados para melhor nos enganarem, sendo acima de tudo uma forma de se pavonearem e se mostrarem como elite dominante, para aparecerem na nossa (deles) comunicação “sucial”.

 

Porque não se interessam antes em discutirem a legitimidade que têm os ditos G20 para decidirem sobre todo o mundo?

 Imaginem que o Porto, o Benfica e o Sporting, resolviam fazer uma reunião para decidir sobre o futebol em Portugal. Qual é a legitimidade que têm para decidir em nome dos milhares de clubes de futebol, desde os de esquina, até aos outros? Foram escolhidos? Foram eleitos? É sempre o velho “quero, posso e mando”, ou “manda quem pode” ou “quem pode manda. Chama-se a isso democracia participada com a participação dos mesmos de sempre (bem sei que mudam as caras).

 

Também muito comentado tem sido o facto de Trump ter despedido o diretor de comunicação, substituindo-o por outro que após dez dias foi também corrido e substituído por outro. Acontecimento lateral: a quando da substituição do primeiro, ambos (ele e Trump) se encontravam a bordo do avião presidencial: ou seja, Trump decide enviar um tweet a despedir alguém que vai no seu avião. Embarcou diretor, e a meio do voo foi despedido.

 

Fazer notícia destes factos como sendo insólitos, atribuir tal ao caráter intempestivo do presidente, é escamotear a realidade do sistema. Quem não se lembra da frase chave usada por Trump no seu célebre programa de televisão, onde semanalmente, para gaudio e aplauso dos espetadores, despedia pelo menos um dos participantes: “You are fired!

 Cereja sobre o topo do bolo para aquela sociedade anti sindicalista, que vê os órgãos de defesa dos trabalhadores como um entrave ao livre despedimento na hora e sem qualquer motivo que não seja o da vontade do empregador, onde se perseguem violentamente os trabalhadores sindicalizados, quer física quer psicologicamente, invocando deslocalizações que afetariam toda aquela sociedade, perca de regalias, substituição por outros “melhores” trabalhadores (mais baratos, mais humildes, menos reivindicativos). Mas o mesmo acontece também com os quadros superiores: são despedidos na hora, sem qualquer explicação.

O mundo das empresas é um mundo em que todos se guerreiam uns aos outros, sempre a ver quem fica com a maior parte. Daí a constante volatilidade das empresas sempre a serem liquidadas, ou absorvidas. Esse é o sistema. Não foi Trump que o inventou. Nem é o único a aplicá-lo. Ele é o seu representante eleito.

 

Quando nos deliciamos a ver as belas imagens que a televisão nos fornece durante a Volta à França em bicicleta, apreciando aquele número sem fim de castelos e palácios, nem sequer nos ocorre a exploração miserável que foi feita sobre a grande maioria do povo para que eles pudessem ter sido construídos.  E nem nos ocorre que talvez aí resida uma das razões porque tenha havido uma revolução, e que ela tivesse sido em França. Essa é a principal função da televisão: escamotear a realidade.

Essa é a razão porque diariamente têm programas sobre os mercados e índices bolsistas, que sobem, que baixam, numa algraviada com misturas de “credibilizadores” termos técnicos estrangeiros que cada vez mais ninguém entende, com projeções e explicações que tanto se podem verificar como não, e já desatualizadas para quem “joga” na bolsa.

 Sabem perfeitamente que tal não interessa a ninguém. Serve apenas para esconder a realidade dos grandes negócios que já foram feitos (não esperam pelas notícias da bolsa), mas, acima de tudo, para nos convencerem de que os mercados e a bolsa existem, são uma realidade, e mandam em nós: estão sempre vigilantes, e se não nos portarmos bem, eles vão-se embora. 

 

E, já agora, falemos da Altice, e do perigo que ela representa. Não o facto de deslocalizar com intenção de despedir trabalhadores, mas do perigo encapotado das empresas que a coberto da copra de empresas de comunicação, o que pretendem é o controle dos conteúdos, que é o objetivo final deste tipo de empresas. Se já agora quando abrimos a televisão, os canais generalistas estão quase sempre a dar as mesmas notícias às mesmas horas, imaginem o que será quando aparecer uma empresa que controle e distribua as “notícias” para todos os órgãos de comunicação, incluindo jornais e rádios.

E, o que é que isto tem que ver com o Trump?

Remeto-vos para o excelente site abaixo, onde John Oliver fala exatamente sobre isso nos EUA:

 

(https://www.yahoo.com/news/john-oliver-exposes-wing-media-090555327.html)

 

Talvez fiquem agora mais claras as razões porque Trump foi eleito.

 

Fica, contudo, a pergunta: porque é que, sendo os meios de comunicação sociais portugueses (e não só) maioritariamente de direita, apresentam sempre Trump como sendo inapto, instável, incorreto, incompetente? “Gatos escondidos com rabo de fora”, lobos cobertos com pele de cordeiro.

 

 

 Recordo sempre uma frase de Almeida Santos numa reunião de apoio à oposição:

 

“Dizem que nós somos comunistas, mas quem come nisto são eles”.

 

 

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