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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Mais poemas da Colónia de Férias, 1971

 “As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem esquecidas noutras, morrem todos os dias na gaguez daqueles que as herdara”, Jorge de Sena.

 

“As pessoas esperam com surda raiva e muita paciência o autocarro, aumento de ordenado, a chegada do Paracleto, bolsas da Gulbenkian”, Jorge de Sena.

 

 

De Jorge de Sena:

 

 

Noções de linguística

 

Ouço os meus filhos a falar inglês

entre eles. Não os mais pequenos só

mas os maiores também e conversando

com os mais pequenos. Não nasceram cá,

todos cresceram tendo nos ouvidos

o português. Mas em inglês conversam,

não apenas serão americanos: dissolveram-se,

dissolveram-se num ar que não é deles.

Venham-me falar dos mistérios da poesia,

das tradições de uma linguagem, de uma raça,

daquilo que se não diz com menos que a experiência

de um povo e de uma língua. Bestas.

As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem

esquecidas noutras, morrem todos os dias

na gaguez daqueles que as herdara:

E são tão imortais que meia dúzia de anos

as suprime da boca dissolvida

ao peso de outra raça, outra cultura.

Tão metafísicas, tão intraduzíveis,

que se derretem assim, não nos altos céus,

mas na merda quotidiana de outras.

 

 

 

Lisboa – 1971

 

 

O chauffeur de táxi queixava-se da vida.

Ganha 400$00 por semana, o patrão conta

que ele se arranje do a mais com as gorjetas.

Os meus amigos morrem de cancro,

de tédio, de páginas literárias.

Vi um rapaz sem as duas mãos que perdeu

na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele

só queria por enquanto “calçar” uma

das que artificiais lhe preparou tão róseas).

As pessoas esperam com surda raiva e muita paciência

o autocarro, aumento de ordenado, a chegada

do Paracleto, bolsas da Gulbenkian.

Mas o chauffeur de táxi contou-me que

discutira com um asno e lhe dissera:

“… V. que nesse tempo ainda andava em fuga

de colhão para colhão lá do seu pai, para ver se escapava a ser filho da puta …”

E é isto: andam de colhão para colhão

a ver se escapam – e muitos não escapam.

E os outros não se escapam aos que não escaparam.

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