(194) A Shermanização como solução
Tempo estimado de leitura: 4 minutos.
Deixem-nos matar, esfolar, e vender, até os búfalos serem exterminados. É a única maneira para se conseguir alcançar uma paz duradora e permitir que a civilização avance, general Sherman, 1875.
A Terra já passou por alguns cataclismos que quase levaram à extinção dos seres vivos …. Compreensíveis, mas impossíveis de evitar.
Com os drones polinizadores as abelhas deixam de ser necessárias.
Em março de 2018, a revista de robótica, RBR, publicou um artigo sobre a criação de drones polinizadores que iriam ajudar/substituir as abelhas (https://www.roboticsbusinessreview.com/agriculture/pollination-drones-assist-ailing-bees/).
Sabe-se que 90% das flores silvestres do mundo e 30% das colheitas são essencialmente polinizadas por abelhas, e ainda por morcegos, pássaros e outros insetos. Como tem havido um grande decréscimo nas populações de abelhas, muitos investigadores (leia-se projetos de investigação) procuraram no campo da robótica a alternativa que permitisse à humanidade continuar a produzir os alimentos que necessitava.
Desenvolveram-se protótipos de drones que, imitando as abelhas, começaram agora a chegar ao mercado: “robotic bees”, embora ainda controladas manualmente.
Projetos mais avançados ainda em estudo, (Harvard University School of Engineering and Applied Sciences), preveem drones miniaturizados que se comportem autonomamente e atuem em enxames sem necessidade de serem controlados individualmente. Atribui-se-lhes a missão e, eles encarregam-se de a desempenhar, sem chocarem uns com os outros.
Está solucionado o problema da polinização, sem necessidade das abelhas.
A Terra já passou por alguns cataclismos que quase levaram à extinção total dos seres vivos, resultante de alterações bruscas das condições que permitiam a vida, como as originadas por impactos de grandes massas vindas do espaço. Alterações enormes e bruscas, porque verificadas em espaços de tempo curtos. Compreensíveis, mas impossíveis de evitar.
No reino animal, existem dois grandes grupos: o dos invertebrados e o dos vertebrados. Os insetos, tal como as anémonas, os corais, estrelas do mar, caranguejos, lagostas, alforrecas, são invertebrados.
Os invertebrados constituem 97% do reino animal conhecido, dos quais cerca de 70% são insetos. Tal como o plâncton é fundamental para a vida dos seres marinhos, também os insetos são fundamentais para os animais terrestres. A tal ponto que cientistas consideram que “se os insetos desaparecerem, o ambiente que nos rodeia transformar-se-á num caos” (https://www.nytimes.com/2018/05/26/opinion/sunday/insects-bugs-naturalists-scientists.html).
Um grupo de investigadores alemães publicou em outubro de 2017, um exaustivo estudo sobre insetos, das joaninhas às abelhas, passando pelas traças, carochas e borboletas, (https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0185809), em que demonstram que nos últimos 27 anos tem havido um declínio de 75% da biomassa de insetos voadores.
As causas apontadas para tal declínio vão desde a interferência humana até à degradação e destruição do seu habitat natural, a utilização de pesticidas, a agricultura industrial, a poluição, incluindo a poluição luminosa (que desnorteia os insetos e interrompe o acasalamento), as alterações climáticas, em particular o aumento da temperatura.
Há zonas em que ao longo dos últimos 40 anos, a população de artrópodes, como aranhas e centopeias, diminuíram quase 98%, implicando concomitantemente uma diminuição drástica de pássaros, lagartos e outros similares que se alimentavam de insetos. Algumas das espécies desapareceram. Ver o estudo sobre este declínio de artrópodes (https://www.pnas.org/content/115/44/E10397).
Na mesma direção vão os estudos relativamente aos vertebrados. Os vertebrados constituem apenas 3% do reino animal, com as suas 62.839 espécies de peixes, anfíbios, repteis, pássaros e mamíferos.
O termo “aniquilação biológica” aparece pela primeira vez num estudo de 2017 sobre o declínio da população e extinção de vertebrados, “Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled y vertebrate population losses and declines” ((https://www.pnas.org/content/114/30/E6089).
No passado mês de outubro saiu o extenso Relatório do Planeta Vivo, onde se incluem estudos sobre a biodiversidade, ecossistemas e as necessidades de recursos naturais. Uma das suas constatações é que, entre 1970 e 2014, a população dos vertebrados registou um declínio de 60% (https://www.worldwildlife.org/publications/living-planet-report-2018).
Como causas para este declínio aponta a “sobre exploração das espécies, agricultura, e conversão dos terrenos, devido ao crescente aumento do consumo humano”, apresentando ainda a alteração climática como uma ameaça crescente.
Não é a primeira vez que os humanos se entregam à extinção de populações. Recordemos a matança em massa das baleias do Ártico no século XVII, que originou uma riqueza tão grande que transformou a Holanda numa das nações mais ricas do seu tempo. Época das pinturas de Rembrandt e Vermeer.
Recordemos a matança em larga escala do bufalo americano no século XIX, que permitiu a expansão colonial para o oeste ao mesmo tempo que destruía os nativos americanos (índios) retirando-lhes a fonte de alimentação. Conta-se que em 1875, o general Sherman disse: “Deixem-nos matar, esfolar, e vender, até os búfalos serem exterminados. É a única maneira para se conseguir alcançar uma paz duradora e permitir que a civilização avance”. E assim se fez.
Os animais de grande porte são, evidentemente, mais visíveis, pelo que o seu desaparecimento se torna mais notado. A nossa sociedade tem resolvido o problema através da conservação de algumas espécies em cativeiro, jardins zoológicos, reservas, matanças controladas.
Já a matança de outros animais mais pequenos tem passado despercebida. Se estivéssemos atentos, deveríamos ter dado por isso. Quando hoje viajamos de carro pelo país fora, os vidros ficam muito menos sujos de insetos esborrachados. Isso deve-se à enorme diminuição do número de insetos. E, contudo, fácil é atribuirmos tal ao aerodinamismo dos carros, à qualidade dos vidros, aos repelentes de insetos, enfim à técnica moderna.
De igual forma vemos a notícia da substituição das abelhas por drones polinizadores apenas como um grande avanço tecnológico. Se podemos prescindir das abelhas, para quê preocuparmo-nos com elas?
Em vez de tentarmos resolver os problemas pelo que eles são, propomos soluções parciais que irão mais tarde agravá-los. Face à enorme diminuição do número de insetos, vamos ainda agravar mais o problema ao apontarmos como solução para a alimentação, o comer-se insetos. E assim com tudo: animais, plantas, seres humanos.
Somos todos general Sherman em potencial. Só que mais democratas, pois estendemos a extinção a tudo o resto. E, desta vez, o cataclismo teria sido possível evitar. Mas não se preocupem: não vai ser para já. O tal problema das costas que folgam enquanto o pau vai e vem.