(175) "Para lá do equador não há pecado"
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Para o casamento a branca, para o prazer a mulata, para o trabalho a negra, provérbio brasileiro.
Quanto mais a sociedade está próxima da escravatura, menos invejável é a sorte das mulheres.
A África está vazia, a escravatura é encorajada, a América ocupada, e a Europa próspera industrializa-se com este afluxo de capitais.
Há um preconceito natural que leva o homem a desprezar aquele que foi seu inferior, mesmo muito tempo depois dele se tornar seu igual, A. De Tocqueville.
Contratada a peso de ouro, a Pavlova dançou na ópera de Manaus, a poucos quilómetros dos primeiros seringueiros e dos últimos índios.
No reino da cana-de-açúcar
“Espanhóis e portugueses introduzem a cana-de-açúcar nas ilhas Canárias, na Madeira e em Cabo Verde. A partir do século XV esse açúcar faz séria concorrência ao do Levante. Veneza perde a sua supremacia europeia em benefício de Lisboa.
Mas tudo vai soçobrar com a descoberta do Novo Mundo. Porque aí a cana do mel existe já, crescendo em estado selvagem. Os portugueses do Brasil são os primeiros a explorá-la. Mas bem cedo se seguirão os espanhóis, franceses, holandeses e ingleses. O Brasil primeiro, depois Cuba, México, e as ilhas das Antilhas. O mundo vai mudar de aspeto.
As empresas coloniais fundadas unicamente sobre a troca, voluntária ou imposta, com os indígenas, transformaram-se em ocupação agrícola. […] É por isso preciso, conquistar e ocupar as terras de cana e conservá-las: a Europa a isso se dedica. É preciso cultivar a cana: a Europa deporta a África para as Américas.
A África está vazia a escravatura é encorajada, a América ocupada, e a Europa próspera industrializa-se com este afluxo de capitais.[…]
[…] Em três frases, o génio de Colbert reuniu vários séculos da política colonial: “que a metrópole não mantenha colónias senão para obter o que ela própria não produz; que as companhias beneficiárias do monopólio do comércio, metropolitanas por definição, são obrigadas, por um lado, a trazer para a mãe-pátria todos os produtos que recolhem – e só esta pode revendê-los - e por outro lado, a comprar na metrópole tudo aquilo de que as colónias têm necessidade”.
[…] havia a proibição à colónia de fabricar ela própria os produtos industriais de que tivesse necessidade e a obrigação de vender e comprar a preços impostos pelo mais industrializado.
[…] Para lá do Equador não há pecado, resumiu em Recife o capelão (Gaspar Baelus) de Maurício de Nassau […] Tudo estava corrompido pelo açúcar e pela escravatura. As mulheres brancas dos senhores dos engenhos de açúcar, reclusas, submissas, tremendo ao falar ao seu marido e senhor, fumando cachimbo como as camponesas, casadas aos 12, 13 ou 14 anos, empanturradas de doces e de aborrecimentos, desdentadas aos 25 anos … são a outra face desta fornicação animal. Ainda hoje, os fazendeiros do Nordeste que permanecem nas suas terras, quando se procura por eles ou estão em sua casa ou na casa da amante. E hoje como ontem, eles praticam o provérbio brasileiro:
“Para o casamento a branca, para o prazer a mulata, para o trabalho a negra”. […] Quanto mais a sociedade está próxima da escravatura, menos invejável é a sorte das mulheres.
[…] A cana-de-açúcar veio e chamou o Negro. O açúcar e o Negro fizeram o Nordeste brasileiro e os latifundiários. Isto é de todos os tempos, a agricultura esclavagista gera o latifúndio, como o arquiteto o betão armado. […] Portugal ditava os preços […] E (os latifundiários) proibiram qualquer outra cultura que não fosse a cana nas suas terras. A monocultura da cana expulsou os rebanhos para o sertão, como se se tratasse de bestas malditas. Expulsou os rebanhos, como expulsou as florestas, os pássaros e as plantas. Daí, quatro séculos de fome.
[…] Esta fúria da cana sem outra preocupação além do lucro imediato, devastou e desequilibrou. A desmatação pelo fogo, a cultura repetida da mesma planta, a supressão de toda a vida animal, a desaparição de qualquer vegetação que não fosse a açucareira, arrastaram o esgotamento rápido da terra, uma erosão intensa; daí novas áreas sujeitas a corte, a novas desmatações, um alargamento da pilhagem, ao ponto de alterar-se o clima, a temperatura e o regime hidrológico. Que resta disso hoje em dia? A fome.
[…] Desde 1584, a região do Recife exportava 200.000 arrobas de açúcar. Trinta engenhos, de escravos ou de bois, esmagavam a cana em 1576; 700, em 1584; 120, em 1600. E, em 1600, a população europeia, que não ultrapassa as 30.000 pessoas, partilha entre si uma renda do açúcar de cerca de 2 milhões de libras. “A pequena colónia era fabulosamente rica”.
[…] Em 1624 os Holandeses ocupam a Baía, mas são rechaçados um ano depois. Em 1627, Piet Hein, o Terror dos Mares, reincide. Em 1618, o mesmo Terror dos Mares lança a mão sobre a fabulosa “frota da prata”, o comboio anual, para Madrid, das minas da Nova Espanha e do Peru. A Companhia das Índias, holandesa, embolsa 9 milhões de ducados e, prudentemente, investe 2 ou 3 numa frota de 61 navios e num exército de 7300 homens, que se apresentam diante do Recife e entram na cidade em 2 de março de 130.
O Brasil holandês prolongava-se ao longo da costa, desde o rio S. Francisco, ao sul, até ao Maranhão e ao Amazonas, ao norte, abrangendo quase a metade do Brasil então conhecido. […] Em 1637 os holandeses convidam o príncipe da Casa de Orange, Guilherme de Nassau, para governá-los. […] Mas o seu triplo monopólio imposto, asfixia os senhores do açúcar: monopólio do transporte dos negros, monopólio da compra do açúcar, monopólio do fornecimento das mercadorias do exterior. Em 1646, as tropas holandesas debandam nas duas batalhas dos Guararapes; em 1654 Amesterdão perde definitivamente os seus entrepostos brasileiros. Ficam Wanderley, mestiços de olhos azuis e os canais do Recife abertos por Guilherme de Nassau.
O retorno à posse de Portugal é pouco apreciado. […] Em resumo, colónia portuguesa, colónia holandesa e outra vez colónia portuguesa, o Brasil permanece dependente. Tanto mais que se Portugal, em 1640, sacudiu a ocupação espanhola, para sobreviver como metrópole comercial, deverá ligar-se a uma grande potência, o que há-de necessariamente significar a alienação duma parte da sua soberania. Os acordos concluídos entre a Inglaterra e Portugal, em 1642, 1654 e 1661, estruturam esta aliança, que marcará profundamente a vida política e económica de Portugal, como do Brasil, durante os dois séculos seguintes.
Os privilégios concedidos aos comerciantes ingleses em Portugal eram de tal ordem (jurisdição extraterritorial, liberdade de comércio com as colónias, controle das tarifas sobre as mercadorias importadas de Inglaterra) que eles acabaram por constituir um grupo poderoso e influente, com um ascendente cada vez maior sobre o Governo português.
Sintetizando: expulsos os holandeses pelos brasileiros, portugueses e ingleses, apoiando-se mutuamente, partilham entre si o monopólio do Brasil.
E o açúcar baixa nas cotações do comércio mundial. As Índias Orientais e, sobretudo, as Antilhas entrem na concorrência. […] O centro de gravidade vai deslocar-se com a descoberta do ouro de Ouro Preto e da mineração intensa de Minas, que começa no século XVIII. A primeira epopeia agrícola do Brasil vai terminar com terras devastadas pela monocultura, terras essas que, lentamente, os negros vão percorrendo na nudez das suas peles escuras. O Banco de Inglaterra acaba de fundar-se em 1694.”
“A mortalidade infantil no Recife, entre o nascimento e a idade dum ano, atinge 300 por mil; no interior do Estado, 500 por mil. Nas escolas do Recife, 77 por cento das crianças têm o ventre roído por, pelo menos, duas espécies de parasitas intestinais devastadores: ancilostomose ou cisticercose.
No interior, 80 por cento da população é portadora dum dos dois parasitas, pelo menos. E assim vai, ainda hoje, o mundo do açúcar.”
“[…] Napoleão invadiu Portugal em 1807 e D. João VI fugiu num navio inglês, evidentemente. E os ingleses obtêm: uma esquadra inglesa permanente no Brasil; livre residência para os ingleses, liberdade de comércio em todos os portos … e juízes ingleses, eleitos pelos ingleses, nos portos e cidade do Brasil, com capacidade para julgar qualquer causa na qual estivesse envolvido um súbdito britânico (Tratado de 1810, art. X). Será necessário traduzir? Bem depressa o leão britânico deixaria de partilhar o império brasileiro com o minúsculo Portugal.”
Feijão preto, carne seca e mandioca
“A dona da casa, a Senhora Pioger, enumera as suas pacientes lições para ensinar a cozinheira mulata a alimentar-se. Semanas de esforços para lhe fazer engolir um sumo de frutos, meses para habituá-la aos grelhados…qualquer alimento novo é uma batalha. Josué de Castro comenta:
“Durante séculos o senhor repetiu aos escravos que o açúcar era desastroso para a barriga, provocava vermes e fazia cair os dentes. Para defender o exíguo vergel à roda da sua habitação e reservado à família, multiplicou as proibições e as falsas prevenções. As saladas e os legumes são bons para os lagartos: ‘O feijão preto, a carne seca e a mandioca, isso sim, isso faz homens!’
E as superstições permanecem, incrustadas por quatro séculos de ordens, de ameaças, de falsos avisos e, finalmente, por força do hábito: as melancias provocam a pedra, a fruta faz cólicas, o leite misturado com a manga envenena…”
A caça aos índios
Para perseguirem os franceses de S. Luís do Maranhão, os portugueses fundam Belém em 1616. Mas só em 1637 é que o português Pedro Teixeira sobe o mar doce (do Amazonas) até Quito com 70 barcos e 1200 homens matando os índios que avistava – “descer índios”, mencionavam as suas instruções – cuja lenda persistente dizia que escondiam o ouro e as pedras pediosas. […] Iniciou-se o genocídio; as margens estavam antão densamente habitadas. O piloto-chefe da expedição escrevia:
“Os índios são tão numerosos que se se lançasse uma flecha no ar, ela não cairia no chão, mas sobre a cabeça de algum”.
[…] “Tudo o que se pudesse escrever sobre a barbárie dos primeiros colonos, ficaria abaixo da verdade”. Em poucos anos as margens do Amazonas ficaram desertas: em fuga, escravos ou mortos, os índios tinham desaparecido. Fora os cativos, os soldados e os padres, Belém só tinha, em 1650, 80 habitantes: praça forte na entrada doo Amazonas, porta real do inferno verde, base da pirataria, ela impede a vinda de estrangeiros aos lugares de caça dos portugueses e permite a estes, expedições intermitentes ao interior.
Por exemplo, em 1664, o capitão Pedro da Costa Favela, só ao longo do rio Urubu, incendiou 300 aldeias, matou 800 índios e trouxe 400 como escravos.
[…] em 1729, Belchior Mendes de Morais, passava pelas armas 20.800 índios, segundo a sua própria comunicação ao governador de Belém. Os índios retiravam-se cada vez para mais longe e as flotilhas seguiam-nos: entre 1725 e 1750 o governo de Belém trouxe do alto do Rio Negro, para os seus trabalhos, tribos inteiras que não regressaram mais. […] Belém crescia lentamente… até à aventura da borracha.” […]
A borracha: o ouro líquido
“Tudo começou pela curiosidade do matemático francês La Condamine, que fazia o levantamento dum grau de meridiano no Equador, em 1735, e que trouxe, com os seus números, uma bola acinzentada e pegajosa conhecida no local sob o nome de cauchu. Nada realmente novo: os espanhóis de Colombo já haviam visto, um século e meio antes, os indígenas divertirem-se com bolas elásticas.
Alguns laboratórios trituram o novo material. Em Boston, em 1820, a aparição de um par de sapatos sugere aplicações industriais. O índio já fabricava calçado sob medida: espalha sobre o seu pé nu uma primeira camada de látex, depois uma segunda e uma terceira, separadas entre si por um intervalo para secagem e assim por diante até atingir um centímetro de espessura. Ei-lo provido de calçado à exata medida.
O par de sapatos, flexível e resistente, estimulou as imaginações civilizadas e deu origem a baldes, seringas, bolsas para tabaco e impermeáveis. Mas […] parece não ter grande futuro. Foi então que surgiu Goodyear, que inventou a vulcanização em 1840. A aventura começa: entre 1860 e 1870, a Amazónia exporta 65.000 t de borracha.
[…] Com o aparecimento do automóvel no fim do século, o mundo tem fome de borracha e só a Amazónia pode fornecê-la […] Inicia-se a corrida ao ouro líquido.
[…] Mas, os índios sobreviventes … acostumados a cuidar da seringueira, a defumar o látex e a transportá-lo em pirogas até ao lugar de trocas …não percebem que o mundo precisa de borracha … com regularidade, montanhas de borracha em datas fixas.
[…] Então os revendedores de Manaus expedem aventureiros pesquisadores para a floresta; uma espécie de polícia da borracha invade e controla os caminhos da Amazónia. Um armazém de víveres, alguns pistoleiros e um livro de contas. Distribuem-se bugigangas a troco de borracha. Mas o que eles (os índios) apanham jamais liquida a dívida do livro. O homem da floresta, aprisionado pelos números, perdia fôlego a tentar saldar as contas falsificadas.
Os que protestavam eram chicoteados ou obrigados a sentar-se sobre formigueiros, ou amputados de uma orelha. Os que fugiam eram perseguidos e apanhados e, como exemplo, atirados aos cães, esquartejados, torturados até à morte. Ou então, no meio desta vida monótona entre a água e o látex, era pretexto de distrações: amarrado, o indígena servia de alvo, e, a revólver ou a carabina, o divertimento consistia em arrancar-lhe sucessivamente uma orelha, um dedo, o nariz ou o sexo, ou regá-lo de petróleo antes de lhe deitar o fogo, ou violar, na sua frente, a mulher dele.
William Price avalia em 2 mortos por tonelada de borracha o custo da colheita de 1899, e nesse ano a Amazónia exportou 16.000 toneladas, o que dá quase 100 mortos por dia. A fuga dos índios fazia rarear as fileiras; por isso se organizaram “as correrias”, expedições para a caça e captura de escravos. […] Constituindo 52 por cento da população amazónica em 1852, desceram a 4 por cento atualmente.
[…] enviam-se então engajadores da goma mágica que recorrem aos brancos das terras secas do sertão, dos portos famintos da costa do Nordeste: dinheiro, álcool e promessas fáceis […] Centenas, milhares de barcos abarrotando de voluntários empilhados nas cobertas, dispersam pelo mato um milhão de sedentes de esperança, os novos seringueiros (substitutos dos índios).
[…] Uma vez por semana, uma ida e volta ao entreposto e ao armazém de abastecimentos: levar a bola de 50 kg e trazer farinha e o peixe seco. E a dívida aumenta a cada viagem. Tal como aconteceu com o índio, o livro de contas do armazém aprisionou o trabalhador. Escravos dos números falsificados, fica condenado a morrer ali, sangrando as seringueiras.
Menos treinados que os índios nas ciladas do inferno verde, impedidos de caçar e pescar, reduzidos à alimentação pobre e debilitante dos armazéns, os seringueiros foram dizimados às levas inteiras. […] Era o beribéri que fazia a sua aparição… Eram as “pernas de cristal” e o corpo secava. A pele desaparecia, os músculos derretiam. Não se conhece o número exato de esqueletos enterrados nos pantanais da floresta amazónica.
Entre 1900 e 1910, supõe Pierre Joffroy, 500.000 desses ludibriados, um em cada dois, morreram, só de beribéri.
Mas em Manaus era a loucura, a bacanal, a orgia. A brutal aristocracia da borracha … acendia os seus charutos com notas de banco, dava aos seus filhos brinquedos em oiro e às suas mulheres diamantes para todos os dedos, tomava banho de champanhe, encomendava as suas roupas em Londres e mandava-as lavar em Portugal, construía palácios com mármores trazidos de Itália e mobilava-os com antiguidades escolhidas em Paris.
Cada barco, antes de carregar a borracha, desembarcava mulheres de virtude fácil chegadas dos bairros especializados de Londres, de Paris ou de Nova Iorque. Partiam ao fim de um ano, com a fortuna feita. O bairro reservado tornou-se um dos mais cotados do mundo, crescendo de tal maneira que, em 1911, duas habitações de cada três eram, em Manaus, casas de tolerância.
Pavimentaram ruas de Manaus, instalaram o telégrafo e o telefone, a eletricidade e a água corrente, fizeram um porto flutuante capaz de resistir a ondas de 15 m, lançaram o primeiro comboio elétrico da América Latina e, cúmulo do delírio, construíram uma ópera de 1400 lugares, prefabricada na Inglaterra e transportada até este recanto da selva, toda mármores e frescos de anjinhos bochechudos e rosados. Dois milhões de libras esterlinas, o teatro mais caro do mundo. Num elenco de 18 cantores, que trouxeram a sua companhia até este recanto 8 morreram de febre amarela.
Contratada a peso de ouro, a Pavlova dançou em Manaus, a poucos quilómetros dos primeiros seringueiros e dos últimos índios.
O fim estava próximo. Os barões, seguros do seu monopólio, tinham elevado o preço da borracha até 3 dólares por quilo, multiplicando por 16 o seu preço inicial e aborrecendo os ingleses. Uma coisa que jamais deveria fazer-se, como muito claramente lhes fizeram saber.
Apesar das proibições oficiais, o inglês Wickham conseguiu fazer sair, em contrabando, 70.000 sementes de seringueira escondidos num fardo de lã. Direção: Ceilão e Malásia. Bem semeadas, tratadas e agrupadas em países de mão-de-obra abundante, os seringais de Colombo e Singapura davam quatro vezes mais látex que as suas irmãs selvagens da Amazónia e a um preço três vezes menor.
[…] E foi a debandada. Dos revendedores, primeiro; dos senhores da selva, depois; por último, dos seringueiros com forças ainda para isso. A ópera fechou as portas, as raparigas trocaram os seus diamantes pelo preço de uma passagem e os palácios italianos ficaram votados aos lagartos. A Amazónia fornece hoje 1 por cento da produção mundial de borracha.
Petróleo
[…] Foram empreendidos enormes esforços para encontrar petróleo. Os agrupamentos estrangeiros e os seus representantes brasileiros respondiam: não há petróleo em parte nenhuma. É inútil gastar dinheiro e perder tempo. […] Em janeiro de 1938 é criado por Getúlio Vargas o Conselho Nacional do Petróleo. Dois anos mais tarde, no Recôncavo, o nosso primeiro petróleo jorrava da terra. Já alguns mortos juncavam o terreno, entre ouros o dr. Bach, um geólogo, assassinado em Alagoas, quando, depois de ter provado a existência de uma base sedimentar, demarcava a localização dos futuros furos. […] a prova estava feita.
A campanha mudou então de frente de ataque: os brasileiros são incapazes de pesquisar e de explorar com proveito, não têm capacidade técnica, vais ser uma barafunda. O melhor será uma concessão à Esso, à Standard Oil, ou a outras. Houve ainda mais violência. Mortos, manifestações nas ruas, até que […]
“O monopólio estatal da Petrobrás data de 1953 e foi assinado por Getúlio Vargas. Depois de lançar um projeto de lei tentando limitar os superlucros dos monopólios estrangeiros (500 por cento de lucros anuais), Getúlio dava de presente ao Brasil o seu próprio petróleo. Por isto e por aquilo … um ano mais tarde ele era forçado ao suicídio e deixava um panfleto testamento sem ambiguidades: “Lutei contra a exploração do brasil sem ambiguidades; ofereço-vos, agora, a minha morte”.
[…] mas a Petrobrás sobreviveu. Mas eles não nos largaram e continuam a não nos largar! A queda da empresa anuncia-se sempre para breve e foram-nos impostos técnicos norte-americanos que, evidentemente, não encontraram petróleo (como o sr. Link).
[…] Quem é o sr. Link? É um americano, geólogo da Standard Oil durante cerca de 30 anos. É a Standard Oil que fornece boa parte dos dois terços do petróleo que vêm do estrangeiro. O sr. Link não encontrou nada. Afirmou que o Brasil não tem petróleo fora daqui.
[…] Atualmente acusam-nos duma produção insuficiente. Nós somos, evidentemente, a ovelha ranhosa. E um exemplo perigoso: que outros o sigam na América Latina e que catástrofe!”
Políticas
“Em 1951, Getúlio Vargas, é levado à presidência por uma vaga eleitoral popular. E o exército não se mexerá. Mas Getúlio está encurralado entre a burguesia nacional apoiada pelo povo e a trilogia conservadora: latifundiários, exportadores e filiais americanas. Procura apoiar-se na jovem indústria brasileira, tenta limitar a exportação dos superlucros estrangeiros, reprimir os malefícios da faturação fraudulenta e cria a Petrobrás. […].
Para Getúlio, apoiar-se no povo, ir mais além, é romper com os americanos todo-poderosos e aceitar ricos de levantamentos, incluindo a guerra civil. Apoiar-se nos americanos, é admitir os latifundiários … A recusa de uma opção conduziria à sua própria destruição política. Uma tonitruante campanha de imprensa, dirigida por Carlos Lacerda, tirou partido dum escândalo para arrastá-lo na lama; a aviação levantou-se contra o presidente, apoiada pela marinha, o exército ficou na expetativa e Getúlio suicidou-se com única solução, deixando algumas palavras garatujadas antes de dar um tiro no coração. […] Eis a sua carta-testamento:
“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decénios de domínio e espoliação dos grupos económicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se às dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Electrobrás foi obstaculizada até ao desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeira alcançavam até 500% por ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentámos defender o seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota do meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo, não será mais escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado a peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”
“O Sr. Claude Julien em Le Monde […] notara que em agosto de 1961 o informador do Departamento de Estado em Washington acusava o presidente Quadros de ter conferido uma alta condecoração ao cubano Che Guevara; e que, 6 dias mais tarde, os ministros militares constrangiam-no a partir; e que o mesmo Departamento de Estado, nos fins de março de 1964, ao apresentar um relatório à Câmara dos Representantes acusando o presidente Goulart de “tolerar” infiltrações comunistas no seu Governo, 4 dias depois era deposto por um golpe de força militar.”
“Em 1831, o imperador D. Pedro I declarou crime o tráfico de negros, e livre qualquer novo escravo que pusesse pé em terra brasileira. […] Em 1886, o imperador dava carta de alforria a todos s seus escravos. Em setembro de 1871, por iniciativa de D. Pedro II, o Congresso aprovava a Lei do ventre livre (que determinava que os filhos duma escrava não sofreriam o trabalho forçado) defendida pelo visconde do Rio Branco.
O embaixador dos Estados Unidos, que assistia aos debates, apanhou um ramo de flores (dos que foram atirados no Congresso ao visconde) e, dirigindo-se ao auditório: “O que custou uma guerra ao meu país, acaba aqui com rosas …”. A 13 de maio de 1888, a condessa de Eu, regente do Império, assinava na ausência de seu pai, a Lei de Oiro, dois artigos duma simplicidade autoritária:
1º A escravatura é declarada como abolida no Brasil a partir do dia da promulgação desta lei.
2º São ab-rogadas todas as disposições em contrário.
A multidão, em delírio, desfilava nas ruas do Rio; José do Patrocínio atirava-se de joelhos da princesa e o amargo, profético, barão de Cotegipe, primeiro-ministro, murmurava: “Vossa Alteza ganhou a partida, mas essa vitória perdeu o trono…”
Os fazendeiros abandonavam a coroa. Em novembro de 1889, a família imperial era exilada.”
Adenda: A organização Global Witness (Testemunha Global) refere 207 como o número de ativistas ambientais mortos em 2017. A grande maioria deles ocorreu na América Latina, que continua a ser a região mais perigosa, onde se verificaram 60% das mortes. Só no Brasil, foram mortos 57, o maior número verificado em qualquer parte do mundo. (https://www.globalwitness.org/en/campaigns/environmental-activists/at-what-cost/).