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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(161) O "Maio de 68" em França e Deleuze

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

Há que rejeitar a ideia da classe operária como sendo o baluarte da mudança.

 

A psicanálise é vista como a força policial do capitalismo, rasteando os desviantes psicológicos e transformando-os em bons filhos e bons trabalhadores.

 

Porque é que as pessoas ‘desejavam’ o Fascismo?

 

O pensamento não conclui com base na identidade, mas antes com base na diferença.

 

 

 

 

A sublevação de “maio de 68” em França, apanhou de surpresa todas as instituições “pensantes”, na medida em que nenhuma delas, políticos, filósofos, partidos, sindicatos, comunicação social, conseguiu prever ou explicar os acontecimentos.

Uma das tentativas mais interessantes para a compreensão dos acontecimentos, inscrevendo-o numa visão mais alargada da relação entre desejo (o que se deseja) e realidade, pertence a Gilles Deleuze e a Félix Guattari, na sua obra conjunta Capitalismo e Esquizofrenia 1. O Anti Édipo (1972).

 

Havia tempo que Deleuze intentava responder a perguntas como:

 Porque é que as revoluções falham? Porque é que as pessoas lutam pela sua própria servidão vendo-a como se fosse a sua libertação? Porque é que os movimentos de massas acabam por corromper os interesses das massas? Sabendo que Hitler e Mussolini chegaram ao poder através de movimentos populistas, porque é que as pessoas ‘desejavam’ o Fascismo?

 

Segundo Deleuze, embora o desejo (o que se deseja) se exprima através das pessoas, encaminhando-as num certo sentido, nem sempre esse desejo se encontra alinhado com o simples interesse próprio. Tem cabido à sociedade conseguir, através dos tempos, constranger e orientar o desejo de acordo com certos padrões restritivos.

Tudo começa na família nuclear, onde as crianças são ensinadas a dirigirem o seu desejo para um objeto amado, a mãe, que é mantida fora do seu alcance por uma lei poderosa, representada pelo pai. Como resultado, obtém-se um sujeito individual passivo, pronto a ir trabalhar, a obedecer ao chefe, que compete com vizinhos e que consome um sem fim de produtos.

Daí que no seu Anti Édipo, (Capitalisme et Schizophrénie 1. L'Anti-Œdipe (1972); Capitalisme et Schizophrénie 2. Mille Plateaux (1980), a psicanálise seja vista como a força policial do capitalismo, rasteando os desviantes psicológicos e transformando-os em bons filhos e bons trabalhadores.

 

Em vez da psicanálise, Deleuze propõe antes a “esquizoanálise” como forma para encontrar os processos originais do desejo que se desviem do capitalismo, segui-los até ao extremo para escapar às restrições impostas pelo capital, para por fim, conseguir alinhar esses diferentes processos para criar o que chama de “revolução molecular”. Ou seja, propõe a descodificação do processo inconsciente do desejo e a identificação do seu potencial revolucionário.

 

Isso leva-o a rejeitar a ideia da classe operária como o baluarte da mudança, preferindo uma abrangência maior proveniente da união de grupos marginalizados. A centralidade do trabalhador industrial, branco e masculino, segundo a conceção marxista da exploração e da sua superação, deixa na sombra muitas outras experiências da opressão: mulheres, negros, homossexuais, minorias étnicas e culturais, etc., que encontram na reinvidicação do reconhecimento da sua identidade um espaço para a luta debaixo de um horizonte ampliado da justiça social.

 

Para ele, todos os oprimidos pela sociedade patriarcal (as mulheres), pelo racismo (as pessoas de cor que não a branca) e pela heterossexualidade (a comunidade de lésbias, homossexuais, transsexuais e bissexuais), sofrem pelo despotismo da máquina capitalista.

A que agora se juntam as várias formas novas trazidas da exploração pelo trabalho e que já não compõem uma classe homogénea nem capaz de autoconsciência: a precarização das relações laborais e a expulsão de múltiplas formas de vida da esfera do trabalho (desempregados de longa duração, imigrantes irregulares, reformados, jovens que nem sequer vão começar a trabalhar, etc.).

 

Só pela ação conjunta de todos estes “minoritários” é que será possível acontecer uma revolução anticapitalista. Isto porque devido à imagem filosófica individual se basear na aparentemente autónoma figura do homem (macho) branco, esse espetro da individualidade só poderá vir a ser banido pelo processo de se “tornarem-mulheres”, e de se “tornarem-minoritários”. Foi o que concluiu Deleuze já lá vão 46 anos.

 

 

Deleuze faz parte daquele grupo de pensadores que pretende trazer o oculto à superfície, fazendo emergir as forças, as singularidades e os acontecimentos que o pensamento metafísico afogara com as categorias da representação.

Segundo a teoria platónica, o conhecimento é obrigado a buscar um modelo imutável (arquétipo) para poder certificar a verdade de cada realidade sensível. Ou seja, o que Platão faz é restringir o terreno do pensável ao que está contido no modelo.

O que Deleuze fez, foi atrever-se a pensar a diferença como diferença de si mesma, algo que nunca ninguém intentara.

Pensar a diferença, não é pensar as diferenças entre os distintos tipos de entes e das suas tipologias (o que fazia a metafísica), ou entre os entes e o ser (como propunha Heidegger), mas antes pensar o que é, como uma multiplicidade de diferenças.

 

 

 

 

 

 

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