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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(159) O gato escondido da sustentabilidade

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

Num planeta de recursos finitos, o crescimento ilimitado não é possível.

 

Desenvolvimento sustentável é aquele que assegura as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras para garantirem as suas próprias necessidades, Relatório Brundtland, 1987.

 

A sustentabilidade do sistema económico como dogma é o grande argumento que tem servido para impor as políticas de austeridade.

 

O sujeito, como consciência e vontade, perdeu a capacidade de dirigir a ação no mundo, deixando de ser o timoneiro da história, Gunther Anders.

 

 

 

 

A partir dos anos setenta do século passado começou a aparecer na sociedade ocidental uma consciência mais generalizada de que o crescimento económico, a sociedade de consumo, o produtivismo, possivelmente não seriam sustentáveis: num planeta de recursos finitos, o crescimento ilimitado não era possível.

Para responder à pergunta de até quando poderia o planeta, como conjunto dos recursos naturais necessários para a vida, aguentar sem colapsar o ritmo de exploração e de degradação a que a atividade produtiva o submetia, o Clube de Roma apresenta em 1972 um extenso relatório, Limits to Growth (Os limites do crescimento) com uma compilação de cálculos e projeções (feitos pelo MIT) sobre o estado do mundo do ponto de vista ambiental.

A sua conclusão foi que o Planeta Terra não suportaria o crescimento populacional devido à pressão gerada sobre os recursos naturais e energéticos e ao aumento da poluição, mesmo tendo em conta o avanço tecnológico.

 

A ‘solução’ para este problema aparece 15 anos depois, em 1987, no relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, comissão que se reuniu na Noruega, presidida pela primeira-ministra Gro Harlem Brundtland (daí ser conhecido como “Relatório Brundtland”). O verdadeiro título do relatório é “Our Commom Future” (O nosso futuro comum), e onde se aponta a solução através do desenvolvimento sustentável, definido como o “desenvolvimento que assegure as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras para garantirem as suas próprias necessidades”.

 

Embora seja uma definição vaga (abrangente que baste para lhe garantir a adesão da grande maioria dos votos), não deixa, contudo, de ser conseguida, por nomear dois problemas importantes: a degradação ambiental que tão frequentemente acompanha o crescimento económico e a necessidade de que tal crescimento tenha em consideração o alívio da pobreza.

A partir daí, pelo menos teoricamente, o pensamento sobre a sustentabilidade passa a estar ligado a três vetores: a sustentabilidade económica, social e ambiental.

 

Desde o início esta definição provocou várias controvérsias que se diziam ser em torno da terminologia: na realidade, era o conflito político e económico instalado, tendo mesmo levado à intervenção de Henry Kissinger, pretendendo blindar o vetor económico. O neoliberalismo começava a ganhar a batalha das ideias.

 

Hoje assistimos à recuperação da sustentabilidade apenas na sua componente económica como fundamental para o crescimento (económico, evidentemente). A sustentabilidade que se advoga agora não é só a dos recursos naturais, mas apenas e do vetor económico: a sustentabilidade do sistema económico como dogma.

 

Este é o grande argumento que tem servido para impor as políticas de austeridade, ou seja, reduzir e privatizar os serviços públicos.

 Em vez da austeridade como valor ético, como posição anti consumista, respeitadora do meio ambiente, a austeridade que se invoca para assegurar a sustentabilidade do sistema funciona como uma máquina para reduzir o gasto público e para reduzir as espectativas de uma boa vida que passa a ser considerada como condição de privilégio.

 

E o problema que se põe é o de sabermos até quando poderemos aguentar estas condições de vida que nos impomos sem nos estropearmos ou sem nos extinguirmos?

Ou seja, o problema que nos anos setenta se punha e que tinha que ver com a sustentabilidade do planeta, passou a aparecer-nos como o da sustentabilidade do sistema, e agora, como o da precariedade das nossas vidas.

Precariedade bem visível acima de tudo pela impossibilidade de intervirmos nas próprias condições de vida. O fim de uma forma de viver. É um novo sentimento de desespero.

 

Em A obsolescência do homem, Gunther Anders (1902-92), dizia-nos, a propósito dos desenvolvimentos técnicos que tinham permitido uma nova capacidade de destruição programada produzindo os campos de extermínio e a bomba atómica, que a ação humana, individual e coletiva, não estava à altura da complexidade que ela mesma origina. O sujeito, como consciência e vontade, perdeu a capacidade de dirigir a ação no mundo, deixando de ser o timoneiro da história.

 

 

 

 

Adenda:

As metas e os prazos saídos das várias reuniões da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas são periodicamente verificados (Assessements).

Em 2005, o Millennium Ecosystem Assessment vem dar-nos um resultado completo e atualizado, da intervenção dos homens relativamente à sustentabilidade do ecossistema:

No respeitante à regulamentação da água, da erosão, do tratamento das águas e esgotos, da doença, das pestes, da polinização, do clima, dos valores espirituais e religiosos, estéticos, recreação e ecoturismo, só num destes indicadores, o da regulamentação do clima, é que se verificou uma melhoria; no respeitante à pobreza, 85 milhões de pessoas estavam malnutridas em 2000-02 enquanto em 1997-99 eram 37 milhões, a desigualdade aumentou, 21 países baixaram de posição segundo o Índice de Desenvolvimento Humano.

Note-se que estes níveis de empobrecimento global seriam ainda maiores, se não fossem atenuados pelo rápido crescimento económico da China e India, o que significa que a pobreza é profunda e persistente noutras regiões, especialmente na Africa subsaariana.

Para além do aumento substancial no consumo de matérias-primas e recursos vivos, o ritmo e a escala das alterações introduzidas na biosfera não têm comparação com qualquer outra época da história, tendo quase todas impacto negativo. A extinção de espécies atinge valores superiores de 100 a 10.000. “Estamos imersos num dos maiores registos de extinção da história geológica”.

As transformações da terra introduzidas pelo homem têm-se acelerado, particularmente nos países com processos de industrialização rápida, e de tal forma que se diz que “estamos a mudar a terra mais rapidamente do que a conseguimos entender”.

Esta capacidade para destruir os sistemas essenciais para a vida é algo de novo. A humanidade está rapidamente a queimar os seus recursos naturais bem como a sua capacidade para suportar a vida sem pensar não só no futuro, mas também nos direitos e necessidades atuais.

 

Lembram-se da Ilha da Páscoa?

 

 

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