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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(155) Biodiversidade como guia da sobrevivência

Tempo estimado de leitura: 8 min.

 

É preciso dizer “basta” sempre que em vez de otimizar (o melhor) se preferir o maximizar (mais quantidade), Holmes Rolston III.

 

Em dez gramas de fezes há mais bactérias do que seres humanos no planeta!

 

A biodiversidade é um todo que nos mantém unidos, e que não pode ser retalhado porque não sabemos quais são as implicações.

 

Perante uma rápida alteração de meio ambiente, a existência de uma maior diversidade genética dá-nos mais opções para lidar com esses novos fatores.

 

 

 

Para o professor de filosofia da ciência, Bryan Norton, a Terra é comparável a um doente cuja sobrevivência está totalmente dependente de uma máquina de suporte de vida a que se encontra ligado (http://www.ciesin.columbia.edu/docs/002-256b/002-256b.html).

O que o levou a fazer esta pergunta: imagine que um dia, os encarregados do Hospital entram no quarto do doente para lhe comunicarem que, a fim de aumentarem as receitas, vão vender alguns componentes da máquina. Perante a perplexidade do doente, tranquilizam-no dizendo que “Ela tem tantos fios e parafusos, que provavelmente não necessita deles todos”. Você arriscaria?

 

O que ele nos pretende dizer é que a biodiversidade é um todo que nos mantém unidos, e que não pode ser retalhada porque não sabemos quais são as implicações daí resultantes. A biodiversidade não é só a abundância da vida na Terra. Ela é, acima de tudo, aquilo que mantém a resiliência e a flexibilidade do meio como um todo, que permite que a vida aguente os vários embates por que passa.

 

A biodiversidade é normalmente definida como a variabilidade dos organismos vivos a três níveis: dentro das espécies, entre as espécies, e dos ecossistemas.

 

#Dentro das espécies”, o nível é o dos genes. Por exemplo, as cerca de 10.000 espécies existentes de formigas são constituídas por 10 elevado a 15 indivíduos (ou seja, 1 seguido de 15 zeros), em que cada uma delas tem a sua única combinação de genes. Se destruirmos metade das formigas em cada espécie, continuaremos a ter 10.000 espécies de formigas, mas teremos perdido 50 por cento da diversidade genética de cada espécie.

Na nossa espécie humana, podemos recorrer ao exemplo dos alelos, ou variações de genes, para a cor dos olhos, o grau de encaracolamento do cabelo, o tónus muscular e outros. Estes alelos podem ter vantagens num determinado ambiente e não ter noutros. Nos climas de pouco sol do Norte, ter pele clara é vantajoso porque permite receber mais vitamina D, mas nas regiões de muito sol é desvantajoso porque torna as pessoas mais propícias a queimaduras e cancros da pele.

Perante uma rápida alteração de meio ambiente, quer seja por alterações climáticas, por uma nova doença ou pelo aparecimento de uma espécie invasora, a existência de uma maior diversidade genética dá-nos mais opções para lidar com esses novos fatores.

 

#Entre as espécies” é o segundo nível da diversidade, para nós o mais evidente, pois refere-se ao enorme conjunto de animais, plantas e micro-organismo existentes. Calcula-se que existam mais de 9 milhões de espécies na Terra, das quais só ainda descrevemos 1.2 milhões (http://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.1001127). E entre as espécies desconhecidas, 90% habitam as profundezas dos mares.

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#Diversidade dos ecossistemas”, um dos níveis mais difíceis de delimitar, não só porque as espécies interagem umas com as outras, mas também porque interagem também com o sol, com o ar, com o solo e com a água, formando outros ecossistemas.

Além da imensidade de ecossistemas a que a Terra dá guarida, da tundra ártica às florestas equatoriais, dos estuários de rios até ao mar profundo, cada um desses ecossistemas pode ainda ser tão grande como o da Grande Barreira de Coral ou tão pequeno como a comunidade de algas, esponjas e vermes que se albergam na casca de um caranguejo.

Consideremos ainda que dentro de um ecossistema as espécies, não só competem umas com as outras por comida e luz, como também se apoiam umas nas outras.

É assim que das plantas com flor, 87% são polinizadas por animais, e que os corais marinhos dão abrigo a 25% da vida marinha. É assim que as bactérias reciclam matéria morta em nitratos, a partir dos quais as plantas ‘constroem’ proteínas. Os ecossistemas providenciam ‘serviços’ que suportam a vida dentro do ecossistema e para além desse ecossistema.

Os seres humanos não conseguiriam viver sem esses serviços prestados, que incluem ar limpo, água potável, decomposição de desperdícios, e polinização de plantas alimentares.

Da mesma forma que a diversidade genética provê as espécies com resiliência às alterações ambientais, também a diversidade das espécies aumenta a resiliência dos ecossistemas.

 

 

Exemplos que se passam connosco

 

Esta interdependência, interligação, entre espécies sempre existiu. Sabe-se hoje que um adulto humano tem aproximadamente tantas bactérias como células próprias, o que faz com que carreguemos cerca de dois quilos de micróbios.

As bactérias desfazem as membranas mais duras e processam certas moléculas complexas libertando nutrientes. Assim, as bactérias obtêm alimentos e lugar para viverem, e nós obtemos delas substâncias que de outro modo não conseguiríamos absorver.

Não é incorreto pensar que o genoma do ser humano se compõe do genoma do Homo sapiens e do genoma dos nossos hóspedes microbianos (isto para não entrarmos na ficção científica que faz de nós os hóspedes das bactérias).

A este complexo ecossistema cheio de bactérias que interagem umas com as outras e connosco, dá-se o nome de microbioma, e do seu controle (ou falta) dependem muitas das afeções que nos atingem, desde a fibrose quística (causada pela sobreabundância de bactérias da espécie Pseudomonas) até à colite pseudo membranosa (causada pela resistência aos antibióticos da espécie Clostridium difficile), passando pela obesidade, pelas alergias, por algumas doenças autoimunes (como a de Crohn) e pela depressão.

É tal a interdependência que algumas delas se resolvem com um simples transplante de fezes, como no caso do Clostridium. Se nos serve de consolo, pensemos que em apenas dez gramas de fezes há mais bactérias do que seres humanos no planeta!

 

 

Exemplos que se passam com as sociedades

 

As ruínas monumentais deixadas por algumas sociedades do passado vítimas de colapsos totais, como foram os casos da Grécia micénica, da Creta minoica, do Grande Zimbabué, de Angkor Wat, das cidades maias, e da ilha de Páscoa, para além de um certo fascínio romântico que exercem sobre nós, deviam alertar-nos para as destruições que inadvertidamente algumas dessas sociedades fizeram sobre os recursos ambientais de que dependiam, exaurindo-os.

O caso mais mediático, porque mais visível, é o das 397 enormes estátuas abandonadas (algumas atingem 20 metros de altura, pesando 270 toneladas), representando de forma estilizada torsos masculinos sem pernas e com longas orelhas, descobertas pelo explorador holandês Jacob Roggeveen na ilha do Pacífico, que por ter sido avistada a 5 de abril de 1722, chamou de ilha de Páscoa.

A Ilha então redescoberta tinha um aspeto desolado, arenoso, sem uma única árvore ou arbusto, e cujos únicos animais de algum porte eram galinhas. A população da ilha que, no seu apogeu, foi estimada em 30 mil, encontrava-se reduzida a 2.000 em 1864.

Durante os primeiros 500 anos da ocupação polinésia, os agricultores permaneceram nas terras baixas a poucos quilómetros da costa, para ficarem mais próximos da água doce e da pesca.

 

Os primeiros vestígios da ocupação das terras altas, surgem por volta de 1300: as árvores foram sendo cortadas para darem lugar a hortas. Toda a floresta desapareceu e todas as árvores foram extintas. A desflorestação provocou a erosão do solo pela chuva e pelo vento, com a consequente diminuição do rendimento das culturas.

Com a destruição das árvores foi-se perdendo matéria prima, bem como alimentos colhidos diretamente da natureza. Escasseiam madeira, corda, casca para fabricar tecidos. A escassez de grandes árvores e de cordas põe fim ao transporte e levantamento de estátuas, e à construção de canoas capazes de enfrentarem o mar alto.

Os habitantes ficam também sem combustível para se aquecerem, vendo-se obrigados a socorrerem-se de gramíneas, fragmentos de cana-de-açúcar e outros resíduos de culturas como combustível. Até as práticas funerárias foram alteradas: a cremação tornou-se impraticável, dando origem a práticas de mumificação e de enterro de ossos.

 

As aves terrestres desapareceram por completo e as aves marinhas ficaram reduzidas a um terço. Foram sendo consumidos crustáceos de espécies cada vez mais pequenas e em número progressivamente menor. A única fonte de alimentos em estado selvagem que se manteve estável foram os ratos.

Outras consequências da desflorestação foram a fome, a queda abrupta na população e o recurso ao canibalismo.

 

O impacto ambiental humano (desflorestação, destruição das populações de aves), e os fatores políticos, sociais e religiosos subjacentes a esses impactos, tais como a impossibilidade de usar a emigração como válvula de escape devido ao isolamento da ilha, o foco na construção de estátuas e a concorrência entre clãs e chefes que levou ao levantamento de estátuas progressivamente maiores, exigindo mais madeira, cordas e alimentos”, faz da ilha de Páscoa o exemplo mais claro de uma sociedade que se autodestruiu sobre explorando os seus próprios recursos.

 

Será este cenário possível de repetir nos dias de hoje? Graças à globalização, ao comércio internacional, aos meios de transporte, à internet, todos os países da Terra partilham os seus recursos, afetam-se uns aos outros, da mesma forma como o fizeram os doze clãs da ilha de Páscoa. A ilha estava tão isolada no oceano Pacífico como a Terra está hoje no espaço: quando os ilhéus se encontraram em dificuldades, não tinham nenhum sítio para onde fugir, nem ninguém a quem pudessem pedir ajuda. Também nós agora, se os nossos problemas aumentarem, não temos para onde ir.

 

E, não se pense que agora estaríamos melhor do que na ilha. Pensemos que se alguns milhares de ilhéus, dispondo apenas de instrumentos de pedra, conseguiram destruir o seu ambiente e acabar com a sua sociedade, o que não poderão fazer agora os nossos muitos milhões de contemporâneos com todo o potencial destrutivo ao seu dispor?

 

 

Regras para a conservação da Natureza

 

Todos os cuidados para lidar com os ecossistemas, com a biodiversidade da Natureza, são poucos. E, não basta afirmar que a nossa relação com a Natureza deve ser harmoniosa. Para passar à prática esta boa intenção, vou socorrer-me das dez propostas apresentadas por Holmes Rolston III (1932 -), contidas na sua obra Conserving Natural Values:

 

            #1. “Enfatizar a ausência de rivalidade entre os valores culturais (valores que o homem descobre ou atribui enquanto inserido numa cultura) e os valores naturais (valores da Natureza que o homem pode e deve reconhecer)”.

            #2. “Ter cuidado com os compromissos”, pois um compromisso pode não significar uma decisão equilibrada.

            #3. “Proteger os valores das minorias”. As decisões por maioria nem sempre protegem os interesses das minorias. Deve ser ponderada a utilização da regra de 2/3 ou do veto.

            #4. “Completar o quadro económico com análises ecológicas”.

            #5. “Basta”. É preciso dizer “basta” sempre que em vez de otimizar (o melhor) se preferir o maximizar (mais quantidade).

            #6. “Identificar todas as partes afetadas”, incluindo as plantas e animais que não tendo voz, pertencem à Natureza e fazem parte do nosso ambiente.

            #7. “Insistir na sustentabilidade” aumentando a utilização de recursos renováveis e limitando o recurso às energias não renováveis.

            #8. “Evitar a mudança irreversível”, decidindo tanto mais lentamente quanto maior for o impacto da mudança, para não se correr o risco dos erros irreversíveis.

            #9. “Reconhecer à alteração o ónus da prova”. Quem quiser introduzir alterações é que vai ter de provar que elas otimizam.

            #10. “Tornar explícitos os juízos de valor latentes”, dando sempre a conhecer os valores naturais existentes, não aguardando para os expressar apenas na altura em que uma ameaça surja.

 

 

Rolston chama-nos ainda a atenção para a multiplicidade de valores da Natureza:

 

Valor de sobrevivência (life-support), valor económico, valor recreativo, valor científico, valor estético, valor da diversidade genética, valor histórico, valor da simbolização cultural, valor da construção do carácter, valor da diversidade-unidade, valor da estabilidade e da espontaneidade, valor dialético, valor da vida e valor religioso.

 

 

Perante toda esta avalanche de valores da Natureza, percebe-se melhor a preocupação do professor Bryan Norton e da sua pergunta: você arriscaria?

Qual será a resposta da Inteligência Artificial dos donos da água e das outras matérias primas do Planeta?

           

 

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