(154) As máscaras das oligarquias
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Oligarcas, são só os que são suficientemente ricos para poderem utilizar a sua riqueza para influenciarem o poder do estado na defesa dos seus rendimentos e património.
A democracia é apenas uma das formas da política que os oligarcas utilizam para a defesa da sua riqueza.
A democracia e a oligarquia podem fundir-se desde que os muitos pobres não ameacem os poucos ricos através de instituições representativas, e os poucos ricos não concentrem riqueza ao ponto dos muito pobres se tornarem politicamente explosivos, Aristóteles.
“As sociedades organizadas têm três formas para expropriar a riqueza […]: ou pela revogação dos direitos de propriedade, ou através do sistema de impostos, ou pela alteração das regras que afetam o equilíbrio entre o trabalho e o capital”, Citigroup Global Markets Inc.
Uma “oligarquia” é vulgarmente definida como sendo “o governo de alguns”, citando a tipificação dos vários modos de governar inicialmente feita por Aristóteles nos seus escritos sobre Política.
Mas, o que ele nos diz é que se se governar apenas tendo em vista os seus próprios interesses, então, conforme as pessoas que governarem forem só uma, algumas ou muitas, teremos uma “tirania”, uma “oligarquia” ou uma “oclocracia” (demagogia); mas, se se o fizer tendo em vista o bem comum, então teremos uma “monarquia”, uma “aristocracia” ou uma “democracia” (república).
Pelo que a definição normalmente aceite de “oligarquia” como sendo o “governo de alguns” não nos diz tudo.
Por isso, o mesmo Aristóteles, já há 2.300 anos tentou corrigir essa interpretação, esclarecendo melhor:
“Nas oligarquias ou nas democracias, o número de pessoas a governar, quer seja em maior número como na democracia, ou em número mais pequeno como na oligarquia, têm origem num acidente que vem do facto de os ricos serem sempre poucos, e os pobres serem sempre numerosos” (III viii 1279b 35-9).
O que o vai levar a não atribuir grande importância ao número de pessoas que governa como principal característica diferenciadora entre oligarquia e democracia:
“A verdadeira diferença entre democracia e oligarquia está na pobreza ou na riqueza. Onde os homens governarem por intermedio da sua riqueza, quer sejam poucos ou muitos, isso é uma oligarquia, e onde os pobres governarem, isso é uma democracia” (III viii 1280a 1-3).
Ou seja, a oligarquia tem sempre que ver com a relação entre riqueza e poder. Tem sempre que ver com as políticas de defesa da riqueza.
Atenas
Em meados do século V a.C., a população de Atenas e arredores andava à volta de 300.000 pessoas. Destas, tinham direito a votar apenas 38.200 (9%). Excluíam-se as mulheres, os estrangeiros e os escravos.
A riqueza era detida por 1.200 eupátridas (etimologicamente, “os bem-nascidos”, oligarcas com dinheiro suficiente para comprarem, equiparem e comandarem uma trirreme – barco da marinha ateniense), seguidos de 13.000 hoplitas (lavradores ricos com pelo menos 2.000 dracmas, que lhes permitia comprar as suas próprias armas e equipamentos em caso de guerra), e por 24.000 thetas (os cidadãos mais pobres, normalmente camponeses, pequenos artesãos ou remadores da marinha). Finalmente vinham os mais de 120.000 escravos.
Quanto ao índice de concentração total da riqueza, se para a totalidade dos escravos atribuirmos o índice 1, os thetas teriam um índice de 5, os hoplitas um índice de 32, a que se seguiam os 900 oligarcas mais baixos com índice 60, os seguintes 290 oligarcas com 102, e finalmente os 10 maiores oligarcas com um índice de 2.432.
Os trezentos mais ricos oligarcas tinham um rendimento anual superior ao de todos os hoplitas. Esta riqueza extraordinária, permitia-lhes dominar os negócios da cidade, controlando todos as funções mais importantes do governo. E permitia-lhes ainda não necessitarem de estarem todos no governo. Bastava que alguns deles lá estivessem para que os interesses de todos fossem defendidos.
Com esta estrutura social e com os arranjos que conseguiam para governarem, as potenciais ameaças que os eupátridas (oligarcas) enfrentavam para a defesa das suas riquezas, só poderiam vir de outros oligarcas ou de outros estratos mais baixos da sociedade.
A fim de evitarem os ataques dentro da própria oligarquia, impuseram a regra de desarmamento parcial entre os oligarcas que governavam, reduzindo assim a capacidade de indivíduos ou pequenos grupos ameaçarem o poder instituído. Além disso, ao permitirem que a classe média de pequenos proprietários constituísse a grosso das forças armadas, retiravam aos oligarcas individuais a possibilidade de contratarem forças mercenárias para defenderem Atenas contra a oligarquia reinante.
Já as intervenções de oligarquias de outras cidades, sozinhas ou acompanhadas por potências exteriores (Pérsia, Macedónia), punham problemas mais complicados para a defesa da riqueza acumulada.
Em teoria, a condição mais gravosa seria a de uma revolta de escravos. Só que devido à condição de cidadania concedida aos tetas e aos hoplitas, qualquer tipo de revolta de escravos seria impensável e abertamente contrariado por todos os que se consideravam como cidadãos. Isto mostra-nos que a principal divisão na sociedade de Atenas era entre ser-se cidadão ou escravo.
Por estes motivos, em que a maioria dos cidadãos não constituía nenhuma ameaça aos oligarcas, a “democracia” era possível.
Roma
Roma não tinha que enfrentar os mesmos perigos exteriores que Atenas ou Esparta enfrentavam, pois eram não existentes. Os maiores perigos para os oligarcas reinantes de Roma, eram internos, nomeadamente vindos de outros oligarcas.
Embora a cidade de Roma tivesse cerca de um milhão de habitantes, estimava-se que a população total dominada por Roma era de 55 milhões (ou seja, 150 vezes mais que Atenas), e em que o número de cidadãos seria de 5 a 6 milhões, 10% da população total.
Os escravos e os trabalhadores do campo constituíam a formação social mais baixa. Havia mais de oito milhões de escravos, e devido ao tratamento que lhes era infligido, Roma tinha todos os anos de capturar ou comprar, meio milhão de escravos para manter o seu número.
Só na capital os 600 senadores tinham 250.000 escravos, ou seja, 400 por senador, isto sem considerar os escravos que tinham nas suas propriedades fora de Roma.
O controle de tal quantidade de escravos, era, evidentemente feito através da coerção mais violenta, da tortura ao empalamento. Dizia Catão, “um escravo, ou trabalha ou dorme”. Quaisquer tentativas de revolta eram de imediato suprimidas. Não havia revoluções vindas de baixo.
Apesar de bem pagos, centuriões e comandantes de legião, muito raramente conseguiam o suficiente para comprarem terra (97% da população romana não possuía terra).
A concentração de riqueza entre os super-ricos era extrema. A riqueza média dos senadores era de 55 milhões de dólares (em Atenas era de 2,3 milhões), com uma renda anual de 3,3 milhões.
É possível estimar que os oligarcas de topo valiam 2,2 biliões, ou seja, 40 vezes o possuído pela média dos senadores, 200 vezes mais que os cavaleiros, 500 vezes mais que um senador municipal e 400.000 vezes mais que um cidadão romano do escalão inferior.
Quando Júlio César regressa vitorioso da sua campanha na Gália, os despojos que apresentou em Roma pela sua pilhagem são estimados entre 13,2 biliões de dólares e 38,5 biliões.
Para protegerem as suas riquezas da cobiça dos seus pares, os senadores de Roma criaram vários esquemas que iam desde a nomeação de ditadores apenas por um ano para assegurarem a defesa do território, até à proibição dos mesmos poderem entrar com as suas legiões na cidade de Roma.
Contudo, para conseguirem os seus fins, e com os poderes discricionários que tinham sido dotados, esses ditadores nomeados, ou chefes militares, acabam por serem eles a pagarem às próprias tropas em numerário, ou em terras, substituindo-se a Roma, o que acaba por ocasionar uma série de ataques a outros oligarcas.
É assim, que na ditadura de Sila, se vai assistir a um período de redistribuição massiva de propriedades e de riqueza dentro da oligarquia romana, com o consequente aumento de assimetrias como jamais se vira.
As famosas “proscrições” eram mesmo isso: proscreviam a existência de outros oligarcas, redistribuindo as suas riquezas e propriedades. Era o roubo aos “amigos” que não se conseguiam defender.
Antes de atravessar o rio Rubicão com as suas legiões, César assegurou-se da lealdade das suas tropas. A cada um dos seus veteranos, César deu perto de 50.000 dólares, para o acompanharem na sua tomada de Roma.
A partir daí, embora se continuasse a falar na defesa do império e da sua glória, as legiões lutavam pelo seu pagamento, pela promessa de despojos, e pela promessa de terras nas colónias.
O caso de Roma revela os limites da tentativa de autorregulação entre os oligarcas por forma a, coletivamente, conseguirem controlar as tentações individuais ou de fação, que levassem à predação material vinda lateralmente dos seus pares.
Os Estados Unidos
Em 2005, o Citigroup Global Markets Inc., enviou uma “Industry Note” aos seus clientes mais ricos de vários países, sobre as ameaças com que as oligarquias tinham de se defrontar, onde se podia ler:
“As sociedades organizadas têm duas formas para expropriar a riqueza […], pela revogação dos direitos de propriedade ou através do sistema de impostos”. As boas notícias são que “nos mercados de capital desenvolvidos, os governos aprenderam as lições das certezas das regulamentações e da santidade dos direitos de propriedade.” Os estados têm ainda a possibilidade de revogarem os direitos de propriedade. Contudo, esse passo é “excecional e geralmente contraproducente”, e, segundo os analistas do Citigroup, nas atuais condições dos países de capitalismo avançado, não fará qualquer sentido, até porque “o maior meio de expropriação é feito através do sistema de impostos”.
Reconheciam ainda que a posição das oligarquias poderia também ser ameaçada pela alteração das leis sobre o trabalho, se se lhe viesse a conferir uma maior fatia dos excedentes da economia:
“Há uma terceira forma para alterar o estado das coisas, não necessariamente pela expropriação, mas pela desaceleração da criação do ratio da riqueza ou da acumulação pelos ricos – através de uma redução da percentagem do lucro relativamente ao PIB. Isto poderá ser feito através da alteração das regras que afetam o equilíbrio entre o trabalho e o capital. Exemplos clássicos disto serão a regulamentação dos mercados de trabalho através dos salários mínimos, a regulamentação do número das horas de trabalho, a decisão sobre quem pode ou não trabalhar, etc., ou regulamentando quais as mercadorias e serviços que podem ser importados e donde (protecionismo).”
Contudo, como muito bem explicava a nota do Citigroup, a linha principal de defesa dos interesses materiais dos oligarcas neste tipo de oligarquia, vai principalmente incidir no controle e na luta contra o sistema de impostos.
Fazem-no recorrendo à contratação de um exército de profissionais – advogados, economistas, contabilistas, lobistas, agências de gestão de fortunas – todos com conhecimentos especializados do sistema de impostos e demais regulamentações pertinentes, que os aconselham sobre como esconder e fugir aos impostos “devidos”.
Fazem-no ainda através do “controle” de um sistema de impostos que conseguem manter suficientemente poroso, devido à sua complexidade e incerteza. Por exemplo, em 1913 o número de páginas do Standard Federal Tax Reporter da CCH (Commerce Clearing House) que regulamentava o sistema de impostos era de 400, em 2010 tinha já 71.684 páginas!
O sistema é tão complexo que ninguém se atreve a dizer que o compreende na sua totalidade. O presidente Obama (2009) descrevia-o como um labirinto, “um sistema de impostos esburacado, escrito por lobistas com boas ligações, em nome de interesses bem instalados”.
É bom notar que nem todas as pessoas ricas podem ser consideradas como sendo oligarcas. Ser oligarca, não significa necessariamente o mesmo que ser capitalista, dono de uma empresa ou CEO. Oligarcas, são só os que são suficientemente ricos para poderem utilizar o seu dinheiro por forma a influenciarem o poder do estado na defesa da sua riqueza e rendimento.
Utilizando o seu exército de agentes pagos e não pagos – profissionais de defesa de rendimentos, comunicação social, demonstrações, milícias -, os oligarcas emitem diretivas que deverão serem seguidas por todos esses atores.
A influência política ficará, então, a partir daí, a cargo desses agentes pagos, retirando-se pessoalmente os oligarcas do processo. Isto para que no caso de virem a ser apontados, citados ou auditados, não poderem ser acusados de incumprimento ou interpretação errónea da legislação, contrariamente ao que acontecerá às firmas e aos agentes.
Só nos EUA, existiam em 2004, mais de 2500 grandes firmas de advogados que se ocupavam da “preservação da riqueza”, da “gestão da riqueza”, do “planeamento da riqueza”, que incentivavam e aplicavam esquemas de encobrimento e evasão fiscal (“The Global Wealth Management Industry”, editado pelo Wealth Resource Center).
Os oligarcas estão assim, verdadeiramente equipados para lutarem durante anos, negociando compromissos e pagamentos. Excecionalmente irão a tribunal, rarissimamente serão condenados ou serão presos.
Em 1894, o Partido Democrata e Partido Populista, após grande mobilização dos cidadãos pobres relativamente aos excessivos impostos sobre o consumo que pagavam, propuseram pela primeira vez, um imposto sobre os rendimentos (IRS) de 1/10 dos 1% mais ricos. As críticas foram tantas (“um imposto sobre uma pessoa só por ser rica, não é democracia, é comunismo”, “é uma vergonha ver os bem-sucedidos serem vítimas legais dos que não têm sucesso”, “é uma expropriação dos mais ricos, só porque são poucos comparados aos muitos pobres”), que só em 1913 o conseguiram ver aprovado.
A segunda metade do século XX assistiu a uma explosão de novos instrumentos e técnicas visando salvaguardar os oligarcas do pagamento do imposto. Entre eles, a utilização de “paraísos fiscais” que proliferaram após 1970.
Num estudo de 2005, a Tax Justice Network (www.taxjustice.net) estima que 60 por cento de todas as trocas comerciais globais são feitas através de paraísos fiscais (off-shore), o que permitiu a evasão de 400 biliões de dólares por ano de impostos devidos. O FMI estima, num estudo de 2009 que apontam como conservador, que existem 18 triliões de dólares de rendimentos colocados em paraísos fiscais.
O termo off-shore cria-nos a impressão de se tratar de um local distante fora (off) das nossas costas (shore), e que por isso a maior parte dos países se encontra impossibilitada de perseguir oligarcas e corporações, segundo dizem devido a um problema de soberania internacional.
Nada mais errado. John Christensen diz-nos em “Follow the Money: How Tax Havens Facilitate Dirty Money Flows and Distort Global Markets” (“Siga o dinheiro: como os paraísos fiscais facilitam o fluxo do dinheiro sujo e distorcem os mercados globais”):
“Por exemplo, na economia britânica, a grande maioria das transações para paraísos fiscais são controladas pela City de Londres (o distrito financeiro de Londres), apesar de muitos dos intermediários financeiros da City operarem em centros localizados em territórios ultramarinos do Reino Unido e em dependências da Coroa. Esses centros são tangíveis, têm bancos funcionais, escritórios de advogados, empresas financeiras, mas na prática não funcionam autonomamente das economias principais. Eles servem para que a City consiga garantir a alguns dos seus depositantes impostos perto do zero e segredo sobre os seus proprietários.”
Dadas estas relações político-económicas tão estreitas, é de facto estranho que países como os EUA e GB não tomem medidas mais duras para controlar o problema. Os seus próprios políticos poderiam, pelo menos, incluir nas suas intervenções o apelidar esses oligarcas de antipatriotas, ou chamar a atenção para as ameaças à segurança financeira nacional.
E não é certamente por não terem meios para bloquear tais transações, bastando lembrarmo-nos do bloqueio imposto a Cuba, segundo o qual qualquer cidadão americano que visitasse ou negociasse com Cuba só o poderia fazer mediante autorização especial.
Em vez disso assiste-se antes ao discurso da “legalidade” e “legitimidade” dessas fugas para os paraísos fiscais, considerando-se até a sua denúncia como uma invasão à privacidade pessoal e empresarial.
Aos paraísos fiscais chamam-lhes até de “entrepostos de liberdade” por servirem para os oligarcas guardarem as suas poupanças de impostos que lhes estariam a ser “indevidamente” cobrados, não só por serem excessivos como também por apenas serem especialmente dirigidos aos super-ricos. Veem-se como perseguidos, o que, convenhamos, não é democrático.
Em vez disso assiste-se com impunidade ao desenvolver de todo um marketing agressivo de firmas dirigidas aos muito ricos oligarcas para os levarem a evadir o fisco. Exemplo notório é o da KPMG, que tem centros de telemarketing com pessoal especializado para contactarem milhares de corporações e indivíduos (clientes-alvo com o mínimo 20 milhões de dólares de rendimento passível de pagamento de impostos), com a finalidade de lhes apresentarem produtos apropriados às suas evasões fiscais.
Tudo isto feito sempre dentro do maior secretismo, complexidade, e compartimentando a informação, para que assim os especialistas de aconselhamento (advogados, economistas, gestores de produto, contabilistas, etc.) possam sempre legalmente invocarem que não sabiam que a totalidade da transação era fraudulenta.
Em 2003, esta indústria montada para a evasão fiscal vai ser verbalmente criticada pelo Senado dos EUA, só que este criticismo não percebe (porque será?) que essa indústria só existe porque os oligarcas lhe fornecem os meios para se manter. É assim, que das trinta e cinco más práticas encontradas e das vinte e sete recomendações incluídas nos relatórios do Senado (2003, 2005, 2006) sobre a KPMG, nenhuma delas contempla a culpabilidade ou atividade criminosa dos oligarcas.
Em vez de sugerirem novas medidas para se proceder ao acompanhamento dos oligarcas e do seu dinheiro, ou proporem novas penas de prisão mais severas, o foco foi dirigido para a KPMG e outras empresas similares, que acabaram por serem condenadas ao pagamento de 456 milhões de dólares pelos quatro paraísos fiscais que disponibilizaram para 350 clientes.
Julgava ser entendimento comum que, quando um assassino fosse contratado para matar uma pessoa, quem o contratasse fosse igualmente culpado, quer o tivesse ativamente procurado, quer por acaso o assassino lhe tivesse aparecido a dizer “Ouvi dizer que queria que uma pessoa fosse morta”. Bem sei: entendimento comum, de gente comum, para gente comum.
As máscaras com que se dotam
O projeto político central comum a todos os oligarcas é o da defesa da sua riqueza e património. E, são essas concentrações de riquezas que os expõem a um certo número de ameaças. A natureza dessas ameaças e o modo como os oligarcas respondem a essas ameaças, é que irão definir os vários tipos de oligarquias ao longo da história.
Elas podem surgir vindas de baixo, pelos mais pobres, vindas lateralmente por outros oligarcas, ou vindas por cima, por um estado ou por um ditador. Os oligarcas podem responder a estas ameaças diretamente ou indiretamente, armados ou desarmados, agindo individualmente ou coletivamente. Podem também governar diretamente para defenderem as suas propriedades, ou deixarem essa função ser desempenhada externamente através de um sultão governante ou por um estado impessoal armado.
Podemos, genericamente, considerar vários tipos de oligarquias:
As oligarquias dos senhores da guerra (África, Europa Medieval, China no início do século XX, Somália, Serra Leoa, Libéria entre 1980 e1990) em que a fragmentação entre os oligarcas é máxima, cada um querendo ser o senhor à vez.
As oligarquias das normas e formas de conduta (Atenas, Roma, Veneza, Génova, Siena, Mafia) em que os oligarcas governam coletivamente através de instituições caracterizadas por normas ou códigos de conduta a fim de imporem pessoalmente a coerção necessária, e em que os oligarcas cedem a maior parte do seu poder a um coletivo de oligarcas.
As oligarquias sultanistas (Indonésia com Suharto, Filipinas com Marcos) onde o monopólio dos meios de coerção se encontra nas mãos de um indivíduo que em representação dos oligarcas vai impor a coerção necessária.
E as oligarquias civis (EUA, Europa, Índia, Singapura) onde existe uma coletividade institucionalizada de agentes que governam segundo uma lei que se aplica a todos.
Estas oligarquias civis distinguem-se das outras formas de oligarquia por quatro ordens de razões:
- Os oligarcas não estão armados. O mecanismo de coerção para a defesa das suas fortunas é providenciado pelas forças armadas do estado.
- Nenhum oligarca governa. Se estiver no governo, nunca lá está como oligarca ou a governar para os oligarcas.
- A defesa da propriedade dos oligarcas é feita impessoalmente pelo estado, através de coerção por instituições burocráticas. Os oligarcas “submetem-se” a sistemas de lei impessoais que os dominam, em vez de serem eles a dominarem (ou a serem) a lei. Esta transformação, vai mudar o caráter da posse sobre a propriedade: em vez de ser uma reclamação exigida pelos oligarcas, passa a ser um direito garantido pelo estado.
Ou seja, os oligarcas submetem-se às leis e em troca os estados garantem-lhes os direitos de propriedade. Isto vai dar origem ao aparecimento de um aparelho de estado pesado que conduz a novas ameaças para os oligarcas, na forma de impostos e da redistribuição dos rendimentos.
- Nas oligarquias civis em que a propriedade e as fortunas estão seguras, os oligarcas vão concentrar grande parte da sua atenção na defesa dos seus rendimentos.
As oligarquias civis são as formas que melhor convivem com uma participação democrática. Contudo, quando os estados falham na defesa dos direitos de propriedade, podem ocorrer reversões para oligarquias armadas ou para a governação direta pelos oligarcas, como temos repetidamente visto.
A democracia é apenas uma das formas da política que os oligarcas utilizam para a defesa da sua riqueza. Por isso, vemos na Grécia Antiga e Roma, oligarcas parcialmente desarmados governarem coletivamente praticamente sem sufrágio, e as Filipinas atuais governadas coletivamente com sufrágio universal. Vemos oligarcas totalmente desarmados na Indonésia, governados sultanescamente até 1998, e a partir daí por uma democracia com sufrágio universal, mas em que o sistema legal é distorcido e corrompido pelo dinheiro. Vemos os oligarcas nos EUA e em Singapura totalmente desarmados, que não governam, e têm garantias seguras sobre as suas propriedades, dadas por um sistema impessoal de leis. Contudo, os EUA são uma democracia eleitoral com sufrágio universal, o que não acontece em Singapura.
As oligarquias podem coexistir com a democracia. Podemos ter uma democracia, especialmente se tal só significar implantar o método democrático, e continuar a viver numa oligarquia. Ou seja, não é por se adotarem formas de participação livres e democráticas que, automaticamente, as oligarquias acabam.
A única forma para acabar com uma oligarquia é fazer com que a fonte de poder dos oligarcas, a enorme concentração de riqueza, seja dispersa. Isso já foi feito algumas vezes ao longo da história quer por guerras, conquistas ou revoluções. O que nunca se conseguiu foi fazê-lo por decisão democrática.
Isto porque o principal problema não consiste tanto na resistência à dispersão do poder material dos oligarcas, da concentração da riqueza, mas antes no seu enorme poder social e político acumulado, que tem feito com que ideologicamente, ditaduras, democracias, monarquias, sociedades camponesas, sociedades pós-industriais, vejam a redistribuição radical da riqueza como uma proposta incorreta ou injusta.
E tal acontece, apesar de se saber que todas as teorias, ideologias e regras instituídas, como as da “conformidade com a Natureza” e da “confiança”, terem apenas servido para garantirem os direitos de propriedade, que são sempre baseados na força do poder.
Como notava Aristóteles, a democracia e a oligarquia podem fundir-se desde que os muitos pobres não ameacem os poucos ricos através de instituições representativas, e os poucos ricos não concentrem riqueza ao ponto dos muito pobres se tornarem politicamente explosivos.
Adenda: sobre “paraísos fiscais” aconselho a leitura do excelente relatório interativo da Tax Justice Network de 2018 sobre o “Financial Secrecy Index” (Índice de Secretismo Financeiro) relativo a 112 jurisdições com leis e sistemas que providenciam a prevalência de secretismo financeiro e legal
(https://www.financialsecrecyindex.com/introduction/fsi-2018-results).