(147) Espreitar o futuro olhando para o presente
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Basta-nos ver como a sociedade mais desenvolvida do planeta segundo a nova ideologia ganhadora se tem vindo a desenvolver para ficarmos a saber como o futuro será.
A desigualdade de oportunidades está a converter-se em estrutural, os benefícios do crescimento vão parar às mãos de quem já vive desafogadamente. O bem-estar dos jovens depende cada vez mais da renda e da riqueza dos seus antecessores do que dos seus próprios esforços.
O Sonho Americano está rapidamente a transformar-se na Ilusão Americana, uma vez que os EUA apresentam agora a mais baixa taxa de mobilidade social entre os países ricos, Philip Alston.
“Os ricos são diferentes de tu e eu”, Scott Fitzgerald.
Nos últimos tempos tem-se vindo a assistir à realização de várias conferências, e ao aparecimento de inúmeros artigos e ‘plataformas’, que se propõem ‘adivinhar’ como virá a ser a sociedade no futuro, numa tentativa de acalmar as incertezas e o desconforto latentes, face, entre outros, à esperada substituição de um terço dos empregos por autómatos e ao possível desaparecimento de pelo menos mais outro terço daquilo que David Graeber chamou de “empregos de merda” (https://strikemag.org/bullshit-jobs/).
Tudo tentativas para a apresentação da ‘inevitabilidade’ de um certo futuro que dizem vir aí, numa sociedade na qual ‘todos’ seremos pagos para não trabalhar, andar de carrinho elétrico sem motorista e sem eletricidade, ter telemóveis com pelo menos três câmaras fotográficas e mais apps que nos permitem encostar a todos os lados e receber por conta não se sabe bem de quê, mas terá de ser assim. “La vie en rose” século XXI.
Contudo, todas essas construções têm lugar numa sociedade totalmente nova, onde todas as peças feitas encaixam perfeitamente e em que as pessoas correspondem a estereótipos com comportamentos determinados e sem passado. Ou seja, a sociedade atual e a que imediatamente a antecede, encontram-se completamente ausentes. Não contam, por obsoletas. Inexistentes.
E é isto que introduz um erro em todas essas projeções. Com mais ou menos botões, com mais ou menos comandos, com mais ou menos apps, a sociedade das próximas gerações terá de ter sempre em consideração o desenvolvimento tal como ele se tem vindo a verificar ao longo do tempo na sociedade atual.
Não me parece, portanto, que sejam necessários tantos estudos debruçados sobre a invenção do futuro, para conseguirmos antever essa sociedade. Basta-nos ver como a sociedade mais desenvolvida do planeta segundo a nova ideologia ganhadora se tem vindo a desenvolver, ver como ela tem caminhado. Quero com isto dizer que o futuro já começou.
Tentemos então ver o que se tem passado na sociedade norte americana, para sabermos para onde ela aponta.
A condição de “extrema pobreza” é considerada pelas Nações Unidas como sendo um fenómeno multidimensional, pelo que qualquer definição dessa condição tenha de ter sempre em conta os direitos humanos, tais como o acesso aos serviços básicos e à exclusão social.
Não basta uma mera definição baseada somente no rendimento por dia, tal como é feito pelo Banco Mundial, ao fixar em $1,25 o limiar abaixo do qual se considera estar a viver-se em extrema pobreza.
Por isso, as Nações Unidas, com vista a avaliarem as situações de extrema pobreza e do acesso dos cidadãos dos vários países aos direitos humanos, decidiram criar em 1998 o cargo de Relator Especial que, anualmente, submeterá relatórios das visitas efetuadas ao Conselho dos Direitos Humanos e à Assembleia Geral.
Passo a transcrever partes do relatório apresentado pelo Professor Philip Alston, Relator Especial das Nações Unidas para a extrema pobreza e direitos humanos, sobre a sua visita efetuada aos EUA em 2017 (http://ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22533&LangID=E).
Na sua introdução começa por nos dizer que passou “as últimas duas semanas a visitar os EUA a convite do governo, a fim de me inteirar se a persistência de extrema pobreza na América impedia os cidadãos de terem acesso aos direitos humanos […] Agradeço à Administração Trump por ter facilitado a minha visita e pela sua continuada cooperação com o Conselho dos Direitos Humanos das NU.”
“[…] Os Estados Unidos são um dos países mais ricos do mundo, uma das mais poderosas e inovativas nações; mas, nem a sua riqueza nem o seu poderio nem a sua tecnologia têm conseguido focalizarem-se em resolver a situação em que 40 milhões de pessoas continuam a viver na pobreza.”
“[…] Durante as passadas duas semanas vi e ouvi muitas coisas. Encontrei muitas pessoas que dificilmente conseguem sobreviver em Skid Row, Los Angeles; presenciei um polícia de S. Francisco a dizer a um grupo de pessoas sem abrigo para saírem dali sem, contudo, lhes conseguir dizer para onde poderiam ir; ouvi como milhares de pobres são autuados por infrações menores para que tal procedimento conduza a situações de dívidas impagáveis, levando à prisão e a encher os cofres municipais; vi esgotos ao ar livre nos estados em que os governos não consideram ser sua responsabilidade a sanidade; vi pessoas que perderam todos os seus dentes porque os cuidados dentais não fazem parte da maioria dos programas para os muito pobres […] “.
[…] Em conversas que tive nos diversos estados e territórios, foi-me muitas vezes perguntado como é que os EUA se comparavam com outros países. Muito embora essas comparações nem sempre sejam perfeitas, um varrimento de comparações estatísticas talvez nos consiga dar um retrato claro do contraste entre a riqueza, capacidade de inovação e ética do trabalho nos EUA, e os níveis sociais alcançados.
- Segundo a grande maioria dos indicadores, os EUA são um dos países mais ricos. Gastam mais com a defesa nacional que a China, Arábia Saudita, Rússia, Reino Unido, Índia, França e Japão, combinados.
- Nos EUA, as despesas de saúde por pessoa são o dobro das dos países da OCDE. Contudo, há menos médicos e camas de hospitais por pessoa que na média da OCDE.
- A mortalidade infantil nos EUA era, em 2013, a mais alta entre todos os países mais desenvolvidos do mundo.
- Comparados com as pessoas que vivem noutras democracias ricas, os americanos viverão menos tempo e com mais doenças, ao mesmo tempo que esse “diferencial de saúde” (health gap) continuará a aumentar relativamente a essas outras democracias ricas.
- Os níveis de desigualdade nos EUA são muito maiores que nos países europeus.
- As doenças tropicais, incluindo o Zika, são cada vez mais vulgares nos EUA. Estimam-se em 12 milhões os americanos que vivem com uma infeção parasítica não tratada.
- Os EUA têm a maior prevalência de obesidade no mundo desenvolvido.
- No respeitante ao acesso à água e à sanidade, os EUA ocupam o lugar 36 em todo o mundo.
- A América tem o rácio mais alto de encarceramento do mundo, acima do Turquestão, El Salvador, Cuba, Tailândia e Federação Russa, sendo cinco vezes superior à média dos países da OCDE.
- O índice de pobreza de jovens é de 25%, quando na OCDE esse índice é de 14%.
- O Centro Stanford para a Desigualdade e Pobreza tem uma classificação para os países, baseada nos mercados de trabalho, pobreza, segurança, desigualdade de riqueza e mobilidade económica. Os EUA ocupam a posição 18 entre os melhores 21.
- Em termos de desigualdade e pobreza, os EUA ocupam a última posição entre os 35 países da OCDE (https://data.oecd.org/).
- Segundo a World Income Inequality Database, os EUA têm o rácio de Gini (medida da desigualdade) mais alto entre todos os países ocidentais.
- Os rácios de pobreza de crianças dos EUA são os maiores entre os seis países mais ricos – Canadá, Reino Unido, Irlanda, Suécia e Noruega.
- […]”
Depois aborda a questão da dimensão dos direitos humanos:
“Sucessivas administrações, incluindo a atual, rejeitaram convictamente a ideia que os direitos económicos e os direitos sociais façam parte indissociável dos direitos humanos, apesar de terem sido assim reconhecidos em tratados ratificados pelos EUA […], e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que os EUA insistem que os outros países respeitem.
Mas a negação não elimina a responsabilidade, nem nega as obrigações. Os direitos universais reconhecem o direito à educação, aos cuidados de saúde, à proteção social para quem tenha necessidade, e o direito a um adequado nível de vida. Na prática, os EUA são o único entre os países desenvolvidos que, embora insistindo que os direitos humanos têm uma importância fundamental, não incluem neles o direito a impedir que se morra de fome, ou por falta de cuidados de saúde, ou ainda que se cresça num contexto de total depravação […]”.
E, passa a caracterizar “os pobres”:
“Fiquei espantado com a implantação de preconceitos que não duvidam em afirmar os ricos são pessoas diferentes dos pobres […] Os ricos eram trabalhadores interessados, empreendedores, patriotas, e eram as locomotivas do sucesso económico. Os pobres eram gastadores, perdedores, e sempre com esquemas. Daí que, todo o dinheiro empregue na assistência social seja dinheiro deitado fora.
Também nos foi dito que os pobres que quisessem singrar na América poderiam sempre fazê-lo facilmente, prosseguindo o sonho americano: bastava trabalharem arduamente.
Contudo, a realidade que eu vi, era muito diferente. Muitos dos cidadãos mais ricos não pagavam impostos à mesma taxa que os outros, colocavam grande parte dos seus rendimentos em paraísos fiscais, e utilizavam os seus ganhos em esquemas especulativos em vez de contribuírem para o conjunto da riqueza da comunidade americana.
Quem eram então os pobres? […] Seriam assumidamente os povos de cor, quer americanos africanos ou ‘imigrantes’ hispânicos. O que acontece, é que na realidade há mais 8 milhões de brancos pobres do que pretos pobres.
Do mesmo modo, também pensam que uma grande parte dos dependentes da assistência social vivem à custa dela confortavelmente instalados em sofás. Alguns dos políticos com quem falei, estão totalmente convencidos desta narrativa sobre os pensionistas a viverem nos sofás, a verem televisão e a utilizarem os seus telemóveis de ultima geração. Pergunto-me quantos daqueles políticos terão visitado os locais de pobreza, ou falado com quem neles viva […]
Entre os 40 milhões que vivem na pobreza, os que contactei eram pessoas que nasceram já em ambientes de pobreza, ou que para aí foram lançados por circunstâncias que estavam para além do seu controle, como seja, por deficiências físicas ou mentais, divórcio, doença, velhice, salários que não lhes permitia sobreviver, ou por discriminação no mercado de trabalho.
A face da pobreza na América não é só preta, ou hispânica, mas também branca, asiática, e de muitas outras cores. E não está particularmente confinada a um grupo de idade. A automatização e a robotização já estão a lançar no desemprego muitos trabalhadores de meia idade que julgavam estarem seguros.
Na economia do século XXI, apenas uma pequena percentagem da população se encontra imune à possibilidade de poderem cair na pobreza como resultado de maus acontecimentos sobre os quais não têm controle. O Sonho Americano está rapidamente a transformar-se na Ilusão Americana, uma vez que os EUA apresentam agora a mais baixa taxa de mobilidade social entre os países ricos.”
A extensão da pobreza nos EUA
“Para definir e quantificar a pobreza na América, o Departamento Oficial de Censo (US Census Bureau) usa ´limiares de pobreza’ ou Medidas Oficiais de Pobreza (OPM), atualizadas todos os anos. Em setembro de 2017, mais de um em cada oito americanos viviam na pobreza (40 milhões, ou seja 12,7% da população). E quase metade destes (18,5 milhões) viviam em grande pobreza, com rendimentos familiares abaixo de metade do limiar de pobreza.” […]
Obstáculos à democracia
“[…] A pedra de toque da sociedade americana é a democracia, mas ela tem vindo a ser progressivamente obstaculizada. O princípio de uma pessoa um voto é cada vez mais uma teoria afastada da realidade. Numa democracia, é função do governo facilitar a participação política dos seus cidadãos por forma a garantir que todos os cidadãos possam votar e que os seus votos possam ser contados de igual maneira que todos os outros.
[…] Há regulamentações que impedem as pessoas que tenham dívidas de votar, e em que a distribuição dos votos de certos locais tenham mais peso que outros (gerrymandering); há imposição de obrigatoriedades artificiais e ilegais de identificação; há manipulação nas localizações dos locais para votar; há relocalização de Departamentos de Veículos a Motor (onde se obtém a carta de condução que pode ser usada como identificação) por forma a dificultar para certos grupos a obtenção do documento de identificação; e há uma série de obstáculos colocados que tendem a impedir quem tenha poucos recursos possa chegar aos centros de votação. Como resultado, as pessoas que vivem na pobreza, minorias e outros grupos desfavorecidos são sistematicamente privados do seu direito de votarem. […]
A ênfase ilusória do emprego
As propostas que correntemente estão a serem feitas para diminuir a assistência social, são explicadas pela intenção de acabar com ela pondo as pessoas a trabalharem, partindo da assunção de que existem muitos bons empregos que aguardam para serem preenchidos por indivíduos com baixa escolarização, ou com deficiências físicas, ou mesmo com registo criminal (por serem sem abrigo ou não poderem pagar uma multa de trânsito).
Partem também do princípio de que os empregos que arranjarem lhes garanta viver sem subsídios do estado. Contudo, falando com trabalhadores da Walmart e outras grandes lojas, confirmaram que com o salário que lhes é pago não podem sobreviver sem recorrerem às senhas de refeição (food stamps). Estima-se que o estado despende 6 biliões de dólares com esses programas, o que significa um enorme subsídio dado às empresas.
[…] Em termos de mercado de emprego, a realidade é muito diferente da dos proponentes dos cortes na assistência. Tem havido um progressivo e constante declínio nos rácios de emprego […] os especialistas em pobreza concluíram que:
Devido ao aumento do desemprego, a população pobre dos EUA tem vindo a ter cada vez mais privações, deligando-se da economia, incapaz de conseguir alcançar as necessidades básicas […] 40 por cento da população pobre em 1999 vivia em extrema pobreza… [comparada com 46 por dento da população pobre em 2015] … pelo que, os rácios de extrema pobreza estão também a aumentar, de novo por causa do declínio do emprego e pelo “desligar” das redes de segurança.
Pobreza nas crianças
[…] Há um surpreendente grande número de crianças nos EUA a viverem na pobreza. Em 2016, 18% das crianças – perto de 133 milhões – viviam na pobreza, constituindo as crianças 32,6% de toda a pobreza. A pobreza é maior nos estados do Sul, com 30% para o Mississípi e o Novo México, e 29% para a Luisiana.
Contrariamente ao estereótipo assumido, 31% das crianças pobres são brancas, 24% são pretas, 36% hispânicas [..].
[…] Cerca de 21% dos sem abrigo são crianças. […]
Confiar na criminalização para escamotear o problema
Segundo o Departamento para a Habitação e Desenvolvimento Urbano, existiam em dezembro de 2017, 553.742 pessoas sem abrigo, dos quais 76.500 em New York, 5.200 em Los Angeles, e 6.900 em San Francisco. Estes números são considerados por quase todos os especialistas como muito baixos e não representativos da realidade, porquanto, sabe-se que só em San Francisco eles serão 21.000.
Em muitas cidades, os sem abrigo são efetivamente criminalizados pela situação em que se encontram. Há uma miríade de penalizações que são usadas contra eles, desde a proibição de dormir no chão, sentarem-se em parques públicos, apanhar panelas, urinar em público (em cidades onde quase não existem urinóis públicos).
Regulamentos mais exigentes levam à atribuição de infrações, que rapidamente se transformam em notas de culpa, conduzindo a ordens de busca, encarceramento, ao pagamento de multas impagáveis, e ao estigma de condenação criminal que acabará por não permitir qualquer possibilidade futura de emprego e acesso a habitação própria. E, contudo, as autoridades de cidades como Los Angeles e San Francisco encorajam muitas vezes este círculo vicioso. (…]
Em muitas cidades e municípios o sistema de justiça criminal é efetivamente um sistema para manter os pobres em situação de pobreza ao mesmo tempo que geram rendas para manterem não só o sistema de justiça, mas ainda outros programas. O uso do sistema legal, não para promover justiça, mas para conseguir rendas, como foi bem demonstrado pelo relatório do Departamento de Justiça no caso de Ferguson, é a norma seguida em todo o país. […]
Outra das práticas que afeta especialmente os pobres é a de estabelecer cauções elevadas para os acusados que queiram ser presentes a julgamento. Das 11 milhões de pessoas que são presas anualmente (em certos dias chegam a ser 730.000), cerca de dois terços estão a aguardar julgamento, e como tal, presumidas inocentes. Como as cauções são muito altas, os acusados ricos saem em liberdade, os outros vão para a prisão, com todas as consequências daí resultantes, nomeadamente no respeitante à perca dos empregos, à falha na assistência familiar, à não possibilidade de pagarem a renda da casa, etc. […]
Finalmente, uma menção para a prática comum de suspender a carta de condução por um sem número de delitos que nada têm que ver com o código da estrada ou com o carro. Esta é uma forma perfeita para garantir que os pobres, que vivem em localidades onde a comunidade se recusa investir num sistema de transportes público, não consigam ganhar a sua vida, o que lhes viria a permitir pagarem as suas dívidas. As suas escolhas serão: penúria, ou conduzirem ilegalmente, arriscando uma criminalização ainda maior. […]
Racismo e demonização dos pobres
A demonização dos pobres é feita de várias maneiras. Ela tem sido internalizada por muitos pobres que resistem orgulhosamente a pedirem os benefícios a que têm direito e lutam valentemente para sobreviverem contra tudo.
O racismo é uma dimensão constante e eu lamento que num relatório tão alargado não tenha espaço para me dedicar mais profundamente a este fenómeno. As disparidades sociais, já de si grandes, têm vindo a aumentar, entrincheiradas em muitos preconceitos e em diferentes contextos.
No Alabama, vi várias casas em áreas rurais, rodeadas por poças de dejetos, que fluíam a céu aberto de fossas séticas quebradas ou não existentes. O Departamento de Sanidade não tem ideia de quantas casas existem nessas condições, apesar das graves consequências para a saúde. Nem têm nenhum plano para virem a saber, ou mesmo para se virem a interessar por tal. Como a grande maioria dos brancos vive nas cidades, bem servidas por sistemas de esgotos governamentais, e a grande maioria de pessoas que vive nas áreas rurais com Lowndes County são pretos, o problema não aparece no radar dos políticos. “
No seu relatório, Philip Alston, vai ainda focar os temas relativos aos povos indígenas (índios), da pobreza das mulheres, das políticas sobre droga, a utilização da fraude como cortina de fumo, as privatizações, a sustentabilidade do meio, a reforma dos impostos, a reforma da assistência, as novas tecnologias, o sistema de vistos de entrada, e o recente caso de Puerto Rico.
Mas, se a este relatório, juntarmos alguns dados sobre a forma como a economia se tem comportado, ficaremos com uma ideia mais clara sobre o futuro que aí vem:
Em 1980, a percentagem dos rendimentos detidos por 1% da população era de 10%, em 1989 subiram para 14,5%, em 1999 para 20%, em 2007 para 23,5%. Entre 1993 e 2007, o rendimento entre os 0,01% desses 1%, quase duplicou, passando de 3,4% para 6,2%.
A produtividade entre 1979 e 2009 aumentou 80%. No entanto, no mesmo período, os salários só aumentaram 7%. (Thomas Pickerty e Emmanuel Saez, “Income Inequality in the United States, 1913-1998”; Saez, “Striking It Richer: The Evolution of Top Incomes in the United States (Update Data on Income Inequality Including 2011timates) “).
Também no relatório que a OXFAM vai apresentar em Davos com o título “Premiar o trabalho, não a riqueza”, se diz que em 2017, os 1% dos mais ricos ficou com 82% da riqueza criada. Só 42 pessoas dessas 1% têm tanta riqueza como os 3,7 biliões das pessoas mais pobres. Nos EUA, as três pessoas mais ricas têm uma riqueza igual a metade das pessoas mais pobres.
Desde 2010 que a média anual de riqueza dos bilionários tem vindo a aumentar 13%, ao passo que o salário médio subiu apenas 2%. As consequências têm sido o empobrecimento, a redução da proteção social e o aumento da desconfiança dos cidadãos face às respostas políticas tradicionais.
A desigualdade de oportunidades está a converter-se em estrutural, os benefícios do crescimento vão parar às mãos de quem já vive desafogadamente (só nos primeiros 10 dias de 2018, a riqueza de Jeff Bezos aumentou $6 biliões de dólares). O bem-estar dos jovens depende cada vez mais da renda e da riqueza dos seus antecessores que dos seus próprios esforços.
Mas, se perguntarmos a Mark Littlewood, diretor geral do Instituto dos Negócios Económicos, o que pensa sobre isto, eis o que ele diz:
“A Oxfam está a promover uma corrida para o abismo. Os ricos são já altamente taxados – reduzir a sua riqueza abaixo de certo ponto, não irá conduzir a melhorar a redistribuição, vai antes destruí-la sem benefícios para ninguém. O aumento dos salários mínimos conduzirá também ao desaparecimento de postos de trabalho, afetando especialmente os mais pobres, aqueles que a Oxfam diz querer ajudar” (https://www.theguardian.com/inequality/2018/jan/22/inequality-gap-widens-as-42-people-hold-same-wealth-as-37bn-poorest).
Ou seja, não esperem mudanças, pois a direção está traçada. Este é o futuro.
O ‘pensamento’ que serve de base a este tipo de discurso já há muito foi identificado. Escrevia Scott Fitzgerald:
“Os ricos são diferentes de tu e eu”. A sua riqueza faz deles “cínicos onde nós somos confiáveis”, julgando-se que “são melhores que nós”.
Razões houve para que Cristo tenha sido cruxificado e para que continue a ser cruxificado todos os dias que passam. E não foi, nem é, por desavenças religiosas.
Adenda
- Lista ‘confidencial’ de quem este ano está presente em Davos:
(https://qz.com/45509/the-confidential-list-of-everyone-attending-davos-this-year/).