(138) O(s) génio(s) maligno(s)
Esta é a versão do mundo terrorista e aterrorizado que Osama bin Laden imaginou, e que está a ser realizada na prática. Daí, que ele possa ser considerado como sendo verdadeiramente o génio (maligno) da nossa época.
“O 11 setembro não foi um ataque nuclear. Não foi apocalíptico. A nuvem de fumo do local onde estavam as torres não foi a de um cogumelo nuclear. A civilização não ficou potencialmente em perigo. Não pôs em perigo a existência do nosso país, ou mesmo da cidade de New York”, Tom Engelhardt.
Este mundo em que agora vivemos, o mundo de bin-Laden, só foi possível com a ajuda de outros génios malignos.
Quando andava à procura de um apoio firme e durador em que pudesse vir a ancorar a ciência em bases verdadeiras, Descartes, para quem a dúvida aparecia como uma etapa a superar, decidiu-se pelo artifício da construção teórica de uma série de argumentos céticos a que iria dando resposta, rejeitando todos aqueles passíveis de apresentar qualquer dúvida.
O mais radical desses argumentos, na medida em que punha em causa as verdades lógicas e matemáticas, ficou conhecido como o argumento do “génio maligno”. Resumidamente:
Descartes, começa por dizer que sempre acreditara num Deus todo-poderoso, criador de tudo. Contudo, será que este Deus o iludia, não só no que dizia respeito aos sentidos para apreensão do mundo, mas também nas simples contas matemáticas? Ou será que tais ilusões seriam antes causadas por um génio maligno existente?
Poderia esse génio maligno iludir não só as nossas experiências sensoriais, mas também as nossas crenças matemáticas e lógicas, levando-nos a pensar, por exemplo, que 2+2 seriam 4, quando na realidade 2+2 eram 3, ou 5, ou 400?
Ou seja, como não sabia se estava ou não a ser iludido por um génio maligno, ficava sem saber se as verdades matemáticas e lógicas seriam mesmo verdadeiras!
Este é um argumento arrasador, dado que nos leva a duvidar de tudo, quer dos nossos sentidos, quer dos nossos conhecimentos lógicos e matemáticos.
Há pouco mais de dezasseis anos, 19 salteadores de origem saudita com escassos aliados e simpatizantes no mundo, treinados em certos locais no Afeganistão, infligiram, a 11 de setembro de 2001, uma humilhação à maior superpotência de todos os tempos, à época a potência hegemónica do planeta.
Desde aí, os EUA têm estado envolvidos em guerras sem fim à vista, que têm encorajado a criação e a disseminação de grupos terroristas, a desintegração da ordem em partes significativas do planeta, e levado à deslocação de populações inteiras em números cada vez maiores.
Triliões de dólares provenientes dos impostos dos cidadãos têm-se esvaído no suporte a essas guerras e em esquemas de “reconstrução” que se realimentam mutuamente.
Desde aí, a militarização da sociedade, através de equipamentos (carros de assalto, armamentos, incluindo o recurso à utilização de drones com explosivos) e táticas militares progressivamente usadas pelas polícias e a instauração de um clima de espionagem aos próprios cidadãos, têm vindo sempre em crescendo, imparavelmente.
Esta é afinal a versão do mundo aterrorizado e terrorista que Osama bin Laden imaginara, e que está a ser realizada na prática. Daí, que ele possa ser considerado como sendo verdadeiramente o génio (maligno) da nossa época.
Teve um pouco de sorte e ajudas.
Certamente que nunca imaginara que aquelas torres de Manhattan colapsassem da forma como o fizeram, rapidamente e à vista de todas as televisões do planeta (a dele inclusive), as cenas de desespero dos seus 3.000 mortos, as nuvens de fumo e destroços, o horror em direto.
Tudo isso levou o ataque a ser unanimemente considerado pela comunicação social e demais agentes políticos como “um novo Pearl Harbor”, “O Dia da Infâmia”, chamando ao local “Ground Zero” (termo que até então só era reservado para o local onde tivesse acontecido uma explosão nuclear), “como se um inverno nuclear se tivesse verificado na baixa de Manhattan”, dizia Tom Brokaw na NBC. O senador republicano Chuck Hagel, reconhecia que “O 9/11 mudou tudo. Chocou a nossa sociedade como nunca o fora depois de Pearl Harbor”.
Decorridos mais de dezasseis anos, depois da destruição quase total efetuada nas cidades do Médio Oriente, talvez se consigam agora perspetivar melhor as destruições provocadas pelo 11 de setembro.
Comecemos por lembrar que as armas que foram utilizadas não foram mísseis ou bombas, mas aviões comerciais cheios de passageiros. Atentemos ainda que:
“Não foi um ataque nuclear. Não foi apocalíptico. A nuvem de fumo do local onde estavam as torres não foi a de um cogumelo nuclear. A civilização não ficou potencialmente em perigo. Não pôs em perigo a existência do nosso país, ou mesmo da cidade de New York. Espetacular como foi e com um enorme número de vítimas, a operação não foi tecnologicamente mais avançada que o ataque falhado à torre do World Trade Center levado a cabo em 1993 pelos Islamitas com a utilização de um camião alugado à Ryder, cheio de explosivos”, escrevia Tom Engelhardt (“Let’s Cancel 9/11”, a 8 setembro, 2011).
Se os principais responsáveis do governo dos EUA pensassem que estavam a enfrentar uma situação idêntica à de Pearl Harbor, ou um ataque que pusesse em perigo o país, certamente recorreriam à chamada ao povo em armas, à mobilização geral, ao serviço militar obrigatório (como foi o caso após o ataque japonês). Mas não.
Nessa mesma noite, o presidente falava já “da guerra contra o terrorismo”, e o secretário da defesa, Donald Rumsfeld, iniciou logo (apenas cinco horas após o ataque) planos para uma ação contra Saddam Hussein do Iraque, com vista à criação de um projeto que visava a dominação para sempre do Médio Oriente dentro da órbita dos EUA, muito embora já então soubesse que tinha sido a al-Qaeda que tinha lançado o ataque (https://www.cbsnews.com/news/plans-for-iraq-attack-began-on-9-11/).
Os EUA entravam assim numa era em que estavam em guerra, não contra uma grande potência ou nação em particular, mas contra um fenómeno à escala global, o “terrorismo”. Como disse o presidente Bush, era “a primeira guerra do século XXI”, e como talvez sentisse a estranheza de a declarar à al-Qaeda, explicitou que “A nossa guerra ao terror começa com a al-Qaeda, mas não acaba aí” (http://metro.co.uk/2016/09/20/its-been-15-years-since-george-w-bush-declared-war-on-terror-6138441/).
Para entendermos a forma e a rapidez da administração americana na “resposta” ao ataque, convém relembrarmos o célebre documento “Rebuilding America’s Defenses” (Reconstruindo as defesas da América), publicado em setembro de 2000, dois meses antes de George Bush ganhar a presidência.
Esse documento, resultado de um estudo em que participaram 23 personalidades, entre elas Dick Cheney, Lewis Libby, Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz, Jeff Bush, John Bolton, Aaron Friedberg, Elliot Abrams, constituía uma declaração de princípios que apontava para o posicionamento e dominação do mundo futuro pela América, com enfase especial no grande aumento de gastos com a defesa por forma a obter-se uma “supremacia inquestionável” (http://www.informationclearinghouse.info/article3249.htm).
O documento considerava ainda a hipótese de aproveitamento de uma situação global que oferecesse aos americanos uma “oportunidade estratégica sem precedente” que permitisse acelerar o processo massivo de transformação militar, a fim de através dele se conseguir obter o domínio mundial do planeta.
Com a eleição de G. Bush, todos os principais participantes na elaboração deste documento, passaram a ocupar posições de relevo no governo, com o objetivo de levar à prática o que tinham decidido que deveria ser o rumo do país.
É assim, que em 2002 vai surgir a doutrina sobre as “guerras preventivas” (National Security Strategy of 2002) segundo a qual os EUA se arrogavam o direito de intervirem preventivamente em todas as nações que pudessem, mesmo que só potencialmente, por em perigo os Estados Unidos.
Sobre estas intervenções americanas, após tantos anos de envolvimento, é interessante ouvir a entrevista à PBS, do Major General David Petraeus, comandante geral das forças americanas no Iraque e no Afeganistão, mais tarde diretor da CIA:
“Trata-se efetivamente de um combate geracional. Isto não é uma coisa que vá ser ganho em poucos anos. Não vai ser subir uma encosta, colocar uma bandeira, e voltar para casa para um desfile de vitória. Precisamos de lá estar por muito tempo, mas por uma forma que seja sustentável. Estamos na Coreia há mais de 65 anos porque há lá importantes interesses nacionais. Estamos na Europa já há um longo período, e atualmente até com uma nova enfase, devido às ações agressivas da Rússia. E julgo ser esta a forma como devemos encarar a situação” (https://www.pbs.org/newshour/world/petraeus-afghan-war-generational-struggle-will-not-end-soon).
Ou seja, estas guerras são mais que geracionais, pois irão certamente serem combatidas pelos filhos, e netos dos atuais combatentes. O próprio Petraeus admite a possibilidade de uma duração de 60 anos para a guerra no Afeganistão. São guerras que não acabam. Nem agora. Nem possivelmente nunca.
Note-se que nem Donald Trump as consegue travar. Dizia Trump durante a campanha eleitoral que os EUA deviam de sair imediatamente do Afeganistão por aquela guerra ser um completo desperdício:
Why are we continuing to train these Afghanis who then shoot our soldiers in the back? Afghanistan is a complete waste. Time to come home!
Contudo, em agosto de 2017, Trump anunciou que afinal as tropas iriam continuar no Afeganistão por um período indefinido:
“Conditions on the ground – not arbitrary timetables – will guide our strategy from now on. America’s enemies must never know our plans or believe they can wait us out” (https://www.nytimes.com/2017/08/21/world/asia/trump-speech-afghanistan.html).
A conceção de tempo indeterminado para a duração destas guerras, teve uma involuntária e inesperada ajuda dada por Richard Nixon quando, a 27 de janeiro de 1973, decidiu acabar com o serviço militar obrigatório (devido à forte oposição veementemente manifestada pelos jovens obrigados a irem para uma guerra impopular, e à época sem fim à vista).
Graças a essa decisão, é hoje possível fazer estas guerras sem fim do século XXI, com exércitos de voluntários e alguns privados. Seria impossível fazer uma guerra com esta duração recorrendo ao serviço militar obrigatório. As suas repercussões a nível interno seriam insustentáveis. Assim, com o recurso a exércitos voluntários e privados, o impacto destas guerras quase que passa desapercebido para a chamada sociedade civil.
Este mundo em que agora vivemos, o tempo em que nos fazem viver, é o mundo do génio maligno de bin-Laden, que só se tornou possível com a ajuda de outros génios malignos.