(134) Como conhecer o que ainda não se conhece?
Não confundir casualidade com causalidade.
O pensamento científico é aquele que se preocupa com a relação das coisas entre si, para desse particular extrair conclusões gerais e que sejam válidas para o universo.
“A Ciência é um corpo organizado de conhecimentos (conjunto de informações obtidas através da experiência, intelecção e juízo), com base numa teoria (a vertente explicativa) e pesquisa (observações que são revelantes para as previsões e teorias)”, M. Henriques.
A heurística é um processo de investigação de realidades ainda não conhecidas.
Ainda hoje, talvez para a grande maioria das pessoas, não se entenda muito bem a fronteira que existe entre o pensamento dito pré-científico e o pensamento dito científico.
É por isso que a catalogação das espécies, as cores que julgamos ver fazendo-as depender do local em que estamos, da hora do dia ou estação do ano, e até mesmo a intuição de Demócrito ao enunciar que a matéria ere composta por átomos, sejam normalmente entendidos, erradamente, como fazendo parte do pensamento científico.
O problema, é que esses estudos das coisas relacionando-as connosco, e que nos permitem descrever e classificar minerais, plantas, animais, etc., na realidade, nada acrescentam ao estudo e conhecimento dessas coisas em si.
Essa forma de estudos é a que nos levou a acreditar, por exemplo, que a cor vermelha dependia da exposição à luz solar, ou do modo como era observada, ou das nossas capacidades para aprender a cor, etc.
Sabemos hoje que as cores, tal como explicou Maxwell, dependem de determinado comprimento de onda próprio, e que são independentes do observador, do movimento e do local em que são observadas.
Explicações como estas de Maxwel só foram possíveis porque séculos antes, Galileu (1564-1642), se preocupara em verificar a relação que as coisas tinham entre si, e não a relação que essas coisas tinham connosco, para que depois, desse particular, poder vir a extrair conclusões que fossem gerais e que fossem válidas para o universo, iniciando assim aquilo que se conhece como “pensamento científico”.
Para realizar as suas experiências sobre o movimento, Galileu fez construir um plano inclinado regulável, por onde iria fazer rolar esferas, anotando as distâncias percorridas e os tempos que levavam a percorrer.
Começou por observar que a distância percorrida pela esfera em dois segundos era quatro vezes maior do que a distância que percorria em um segundo, o que o levou a concluir que a distância percorrida variava com o quadrado do tempo.
Verificou também que a velocidade da esfera ao fim de dois segundos era o dobro da velocidade ao fim de um segundo, o que o levou a concluir que a velocidade da esfera variava proporcionalmente com o tempo, e que a aceleração se mantinha constante.
Notou ainda que à medida que ia aumentando a inclinação do plano, a aceleração da esfera era cada vez maior, tendo como limite um valor que ele estimou inultrapassável de 9,8 metros por segundo se a inclinação do plano fosse colocada na vertical.
Esta conclusão a que chegou de que a aceleração de qualquer corpo atingiria um máximo de 9,8 metros por segundo ao longo de uma queda na vertical, entrava em conflito com o que a ciência da época preconizava, segundo a qual uma pedra de dois quilos cairia duas vezes mais depressa que uma pedra de um quilo (o que curiosamente ainda hoje faz parte do senso comum).
Conta-se até (não se sabe se tal aconteceu) que para provar as suas experiências convenceu vários professores a acompanhá-lo à torre inclinada de Pisa e, do andar mais alto, deixou cair uma pedra grande e outra pequena que teriam chegado ao mesmo tempo ao solo.
Esse procedimento de procurar uma correlação mensurável entre os corpos em queda, passando da observação e da experimentação para a sua anotação em tabelas e gráficos, seguida de uma tentativa de entendimento do seu significado possível e posterior encontro das fórmulas matemáticas que o poderiam integrar, explicar e predizer, expressando assim uma possibilidade, uma hipótese, iria permitir outras futuras observações e experimentações, quer para confirmação quer para revisão dos resultados alcançados.
Ou seja, Galileu não inicia a sua experiência sabendo de antemão que a aceleração era constante e que a distância percorrida variava com o quadrado do tempo.
Ele vai criar um método (processo para alcançar o objetivo) que, por tratar do relacionamento das coisas entre si sem referência connosco, lhe vai permitir alcançar uma conclusão válida que poderá ser aplicada a todo o universo, uma lei universal (as mesmas leis físicas, são válidas em toda a parte).
Este método, esta estrutura de pesquisa, vai permitir-lhe investigar o que ainda não conhecia, investigar relações entre si ainda não especificadas e estabelecer funções ainda não determinadas.
Esta estrutura de pesquisa adotada por Galileu é o que se chama de estrutura heurística. Ela dá origem a formas de conhecimento que não são definitivas e onde se começa por nomear o desconhecido, elaborando depois as suas propriedades, que servirão de seguida para dirigir e ordenar a investigação.
A heurística é por definição um processo de investigação de realidades ainda não conhecidas.
Tal estrutura estará na base do êxito e enorme desenvolvimento que a ciência vai ter. E até hoje tem resultado, apesar do paradoxo que contém em si e que sempre a acompanhará: como se decidem dos meios a seguir para finalidades que se desconhecem? Como conhecer o que ainda se não conhece?
Foi este o grande avanço que Galileu trouxe, permitindo desde então definir o conceito de ciência clássica para o diferenciar da pré-ciência que o antecedia. Quer isto dizer que não existia ciência na Grécia e Roma antigas, na China, nos países muçulmanos ou na época medieval europeia?
Ciência como corpo organizado de conhecimentos (conjunto de informações obtidas através da experiência, intelecção e juízo), com base numa teoria (a vertente explicativa) e pesquisa (observações que são revelantes para as previsões e teorias), não existia!
A maior parte do progresso técnico era resultante de observação e de experiências falhadas, tentativa e erro, engenharias, técnicas, aprendizagem, afirmações abstratas sem consequências observáveis.
O exemplo mais elucidativo é o de Demócrito: ao propor que toda a matéria era constituída por átomos, não estava a antecipar a teoria atómica científica, pois não se baseou na observação ou conclusão resultante de experiências.
Tratava-se meramente de uma especulação, tão válida como a de Empédocles segundo o qual a matéria era constituída por fogo, água, ar ou terra, ou a de Aristóteles para o qual a matéria era composta por calor, frio, secura, humidade e quintessência: simples coincidência!
Não confundamos casualidade com causalidade.